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“A melhor maneira de conter o mal-estar democrático”

A iniciativa popular é essencial para a democracia, pois ela autoriza justamente a sua expressão, estima Olivier Meuwly. Para o historiador suíço, ela permite canalizar as pulsações que senão lhe seriam fatais.

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As democracias representativas atravessam um período difícil. Crise de confiança, crise de autoridade, mas também crise do estado liberal providencial tal como projetado no período imediato do pós-guerra. Decorrente da verdadeira revolução cultural que varreu as democracias ocidentais a partir dos anos 1970, o individualismo prosperou sobre as ruínas de uma vida política dos quais os antigos pilares, partidos, sindicatos ou associações de todas as formas mudavam inexoravelmente. A explosão da era digital na virada do milênio conclui esse trabalho de decomposição, apelando desesperadamente pela ocorrência de novos pontos de referência. 

Doutor em direito e letra, Olivier Meuwly é autor de vários livros e artigos sobre a história suíça, partidos políticos, direitos e ideias políticas. Em 2013 publicou o livro “19 de abril de 1974. A audácia da democracia direta.” Keystone

A Europa, na sua expressão política e econômica, segue a mesma espiral negativa. À beira da implosão, essa assiste impotente ao profundo mal-estar que invadiu suas instituições e as dos Estados membros. Por todos os lados soa a mesma música, apoiada pelo concerto tecnológico que dá a todos o direito à palavra apreciada, incorretamente ou não, confiscada por elites que falharam: é necessário devolver o poder ao povo; a democracia só pode ser “direta” e “participativa”. Se admitimos que cada indivíduo tem uma voz no dia das eleições, ele tem uma opinião e ela deve ser levada em conta. Ora, a Suíça possui esses instrumentos da democracia direta. Portanto, também aqui as críticas se acumulam, mesmo se elas assumem uma outra tonalidade: a nossa democracia do tipo de democracia semidireta não contribuiria também para agitar a angústia da população ao eletrizar suas paixões mais doentias?

Como de hábito no nosso país, no domínio da democracia direta, os cantões são os pioneiros, pois inventaram a partir de 1830 o direito de veto e depois, a partir de 1845, o referendo legislativo e a iniciativa, que permite uma revisão parcial da Constituição. A Constituição federal de 1848 se mostra prudente. Ela permite o direito à iniciativa, mas o procedimento é complexo e só pode ter como resultado a revisão total. A situação mudou em 1874. A Suíça busca um novo equilíbrio: qual o peso a dar aos cantões? Qual força atribuir ao povo suíço em sua unidade? Um compromisso foi encontrado: as competências de Berna federal aumentam e as do povo, reforçada. O referendo legislativo é adotado.

O sistema foi completado em 1891 pela iniciativa popular. Os partidos minoritários, os conservadores católicos, depois os socialistas, aproveitam dela para exercer uma poderosa influência sobre o desenvolvimento do país, além das disputas eleitorais. Se o Parlamento conserva a capacidade de sintetizar as ideias que vêm de todos os lugares, o povo decide em última instância. A ideia do consenso em nível governamental vem naturalmente do jogo livre dos direitos populares. O diálogo é necessário para evitar a paralisia. As eleições proporcionais, a partir de 1919, coroam o nosso edifício democrático.
 

Ponto de vista

A nova série swissinfo.ch acolhe doravante contribuições exteriores escolhidas. Tratam-se de textos de especialistas, observadores privilegiados, a fim de apresentar pontos de vista originais sobre a Suíça ou sobre uma problemática que interessa à Suíça. A intenção é enriquecer o debate de ideias.

Esse equilíbrio seria mais pertinente? Nós duvidamos. Durante o período entre as duas grandes guerras, um período propício a todos os excessos, ele vai obrigar as forças atuais a colaborar, mantendo o vagão helvético sobre os trilhos de uma moderação incomum para essa época. Esses últimos anos certamente viveram iniciativas infelizes. Mas esse fenômeno condena, assim, o princípio? É fácil de estigmatizar a iniciativa como fator de “populismo”, um termo tão impreciso. Mas elas são a única causa?

A iniciativa ainda é, de fato, o melhor meio de conter o mal-estar vivido em todas as democracias, na medida em que ela autoriza justamente sua expressão, canalizando um ressentimento que, ele próprio, seria mortífero. Como a Europa espreita a esperança de uma democracia participativa, a Suíça já a tem, ainda melhor. Pois a sua está enquadrada em procedimentos sólidos, apesar de passíveis de melhora. Ela não é sempre confortável, mas sua ausência seria, com segurança, a alavanca de um distanciamento fatal entre governo e governados.

* os pontos de vista exprimidos nesse artigo são apenas do autor e não refletem obrigatoriamente as posições da swissinfo.ch.


Adaptação: Alexander Thoele

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