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“As prisões suíças são puro luxo”

Natalie Rickli (esq.) entregando as assinaturas da iniciativa de expulsão de estrangeiros criminosos, em 15 de fevereiro de 2008. Keystone

Para Natalie Rickli, uma das mais jovens deputadas federais suíças, criminosos têm conforto demais nas prisões do país. Ela defende penas mais severas, expulsão de delinqüentes estrangeiros e pena perpétua para maníacos sexuais.

Depois de visitar a penitenciária de Witzwil, considerada por algumas mídias como uma “prisão-hotel”, ela conversa com swissinfo.ch sobre suas idéias.

O rosto é bonito, com traços delicados. As mechas do cabelo louro caem sobre os ombros. Porém, por traz da beleza, está uma jovem parlamentar que não cede nenhum milímetro das suas idéias.

Aos 32 anos, Natalie Rickli foi intitulada no início de junho por um grande jornal do país como “uma estrela ascendente que ganhou respeito”. Graças à aprovação de cinco projetos de lei apresentados por ela, todas relativas a um dos seus cavalos de batalha: a questão da criminalidade na Suíça.

Com sua ajuda, o Código Penal suíço se tornou mais severo com penas maiores para violadores de crianças menores de 12 anos e a criação de um registro nacional para pedófilos reincidentes.

Após criticar o luxo nas prisões suíças em um debate de TV, Rickli foi convidada por Hans-Rudolf Schwarz, diretor da penitenciária de Witzwil, para conhecer as suas instalações. swissinfo.ch encontrou-a horas depois no Parlamento federal.

swissinfo.ch: Como foi sua experiência em Witzwil?

Natalie Rickli: Foi muito interessante. Vi bastante coisa. É um lugar gigantesco, o que já esperava, pois é a maior propriedade agrícola da Suíça. Visitei diferentes setores como a alfaiataria, a oficina onde os tratores são consertados e até uma cela.

O que levou o diretor de Witzwil a convidá-la para conhecer suas instalações?

Ele me convidou, pois estou engajada na discussão sobre a reforma do Código Penal. Estive com ele em um programa de debates na televisão (Arena) e antes havia me informado diretamente no site da penitenciária. Lá vi que se falava de concidadãos que se tornaram criminosos, das ofertas de lazer como a piscina coberta ou a quadra de tênis. Critiquei isso e disse que não é possível. Nem o povo e, sobretudo, as vítimas podem entender algo parecido. Esse debate na TV foi realizado, pois temos na Suíça um sistema penal e uma justiça influenciados pela geração de 1968. Elas só tratam dos criminosos, da sua recuperação e ressocialização. O diretor me convidou para mostrar o seu ponto de vista.

E o senhor Schwarz conseguiu convencê-la do seu trabalho?

Na minha compreensão, não mudou nada. Tenho a mesma opinião que antes. Porém, passei a ter uma visão mais ampla do trabalho que eles fazem por lá. Eles têm uma missão. O fato é que os criminosos serão soltos um dia – isso se foram, de fato, colocados na prisão um dia.

Esse é o problema que temos na Suíça. A missão do diretor é, de fato, fazer com que essas pessoas não voltem a cometer outros crimes e possam ser reintegradas na sociedade. Nesse sentido a penitenciária de Witzwil faz um bom trabalho. Mas o que falta ao meu ver é a parte da punição. O senhor Schwarz diz que a pena é a privação da liberdade. Mas quando vejo o ambiente em que isso ocorre e como esses penitenciários podem se movimentar, não tenho a impressão de uma punição.

Você sugere então pão, água e solitária para criminosos?

O que percebi durante a minha visita é que existem muitas diferenças nas prisões suíças. Uma crítica feita por mim é de que detentos não devem ter acesso à internet. Concordo: isso não existe em Witzwil. Lá os presos podem ter um computador na cela, mas sem acesso à rede. Apenas quando estão no final da pena, eles podem navegar. Mas só com acesso a páginas para procurar emprego. Acho muito bom esse conceito.

Os presos também têm televisão. Eles pagam para ter esse conforto. Também não tive a impressão de que as celas de Witzwil sejam luxuosas. Elas são pequenas, não posso criticar esse ponto. Mas a área ocupada da penitenciária é bem grande. Os detentos ficam ao ar livre e têm bastante possibilidade de lazer…Estou ciente de que não podemos retirar tudo deles, mas sou de opinião que é preciso adotar outro princípio: em primeiro lugar, a punição antes de começar o processo de ressocialização. E no caso de Witzwil, a ressocialização está em primeiro lugar.

Geralmente as penitenciárias suíças em regime “aberto” são o último estágio no cumprimento das penas. Existem também prisões com um regime bem mais severo, como Lenzburg.

Não podemos comparar Witzwil com outras prisões da Suíça. Para mim a diferença está no tipo de delito cometido. Seguramente existem jovens que cometeram um erro. Neles é necessário fazer um trabalho e permitir que tenham uma perspectiva de vida.

Mas existem criminosos – uma questão que considero fundamental – como estupradores e pedófilos. Eu acredito que irão repetir seus crimes ou têm um grande probalidade de fazê-lo. Neste caso precisa haver a punição. Mas precisamos intervir no Código Penal, pois existem penas condicionais ou multas pecuniárias até para estupradores

Ao contrário das prisões brasileiras, que muitos chamam de “universidades do crime”, as prisões suíças não preparariam melhor os detentos para a vida em liberdade?

Sim, concordo. Também procurei saber quantos presidiários encontram um trabalho quando saem da prisão. Descobri que são quase todos. Isso me impressionou bastante. Tudo está relacionado, ou seja, o sistema penal, a polícia, as penas e os serviços de assistência social. Obviamente esse é o objetivo, pois essas pessoas estarão um dia nas ruas. Nesse sentido a filosofia de Witzwil está correta. O objetivo é que essas pessoas sejam ressocializadas e não sejam reincidentes.

Qual sua opinião geral das penitenciárias na Suíça?

Em comparação com outros países, nossos presidiários estão passando muito bem aqui. Isso pode ser visto no número de estrangeiros e requerentes de asilo que estão presos na Suíça por curto período. Aqui é luxo puro!

Penso mais na questão: as prisões suíças ajudam a resolver o problema da criminalidade?

Cerca de 70% dos presidiários são estrangeiros. Não é possível que as nossas prisões estejam cheias e não podermos mais receber detentos. Por isso imaginamos a construção de prisões em outros países como no balcãs ou na Turquia.

Witzwil cumpre seu papel ou é uma prisão-hotel, como já foi criticada nos jornais?

Se os detentos forem soltos depois de terem refletido sobre seus atos, e não voltarem a cometê-los, acho que o trabalho de Witzwil vale a pena. Porém, você pode imaginar se as vítimas forem a Witzwil e verem como é o dia-a-dia nessa penitenciária?

O que você acha que elas iriam pensar? Ver como criminosos que abusaram de crianças, estupraram mulheres e as agrediram deixando marcas físicas, se movimentam mais ou menos livres através dela. Esses detentos têm seus trabalhos, televisão nas celas e podem até sentar juntos tranquilamente para um bater-papo. A questão sobre o que é realmente uma punição ainda deve ser discutida no país.

Se você tivesse a possibilidade de reformar as penitenciárias suíças, como elas seriam?

Percebi que existem vários tipos delas. Mas seguramente elas não teriam acesso à internet. Uma piscina também não é necessária. Eu iria reduzir a oferta de lazer a um mínimo. Mas eu já gosto da idéia de que os presidiários contribuam com algo.

Em Witzwil estive na alfaiataria e vi que os presidiários costuram seus próprios uniformes de trabalho. Também vi que preparam a comida. O que não gostei foi de saber que na prisão existem casos de consumo de drogas. Eu perguntei para o diretor quais eram as sanções. Ele me disse que as férias dos detentos podem ser cortadas se forem pegos após exame de laboratório. Descobri então que, a cada seis meses, essas pessoas podem ter férias.

Como o diretor justificou essas “férias”?

É para a ressocialização deles. Então eu me pergunto se para um crime grave como um estupro o criminoso precisaria de férias? A resposta que tive é que essa pessoa será solta um dia.

Isso significa que temos de rever o Código Penal e, sobretudo, a prática da pena perpétua. Lembro o caso de Lucie (n.r.: jovem de 16 anos assassinada na Suíça por um criminoso reincidente libertado em condicional no início de março). O autor do crime poderia ter sido mantido na cadeia. E os pedófilos? Eles são criminosos que potencialmente repetem seus atos. Nesse caso, nada ajudam as melhores medidas de ressocialização.

O modelo severo das prisões americanas seria a solução para a Suíça?

Temos um sistema diferente aqui. Se fosse no esquema de uma vez preso, sempre preso, então não necessitaríamos dessas medidas de ressocialização, de todo esse aparato, das terapias para preparar o preso para uma vida em liberdade.

O que precisamos reavaliar é a prática de prisão perpétua para os criminosos de alta periculosidade, que podem repetir seus atos. Eles não precisam ser ressocializados, mas concordo que o resto sim. Mas lembro que se alguém já não era sociável antes, não poderá ser “ressocializado” depois.

Então as melhores terapias não funcionam nesse caso. Não defendo o modelo americano, mas é preciso discutir a questão. O importante é ter penas dissuasivas, intimidar antes que o crime seja cometido.

Você também exigiu no Parlamento a criação de um registro geral para pedófilos?

Sim. Eu me lembro de um caso de um pedófilo, que havia criado uma rede pornográfica com crianças, nos anos 1980. Essa pessoa sofreu condenações em quatro diferentes lugares, por fim na Basiléia. Ela não tem mais cura, mas agora está na prisão para o resto da vida.

Eu digo apenas que se as autoridades tivessem informações sobre ela – não digo que a proteção dos dados individuais deixe de ser respeitaa, como colocando um cartaz na frente da casa do pedófilo – mas ele sabe que a polícia está informada do seu paradeiro e deve ser obrigado a comunicar qualquer mudança de endereço e onde trabalha.

Isso é importante, sobretudo no caso dos pedófilos. No caso de desaparecimento de uma, a policia pode ir à sua casa, mesmo não sendo ele o criminoso. Hoje em dia isso não ocorre na Suíça.

Comparando os índices de criminalidade com outros países, inclusive na Europa, a Suíça pode ser considerada segura. Por que o tema ‘segurança” é tão debatido agora?

Em comparação com outros países somos, de fato, um país seguro. Mas tenho certeza que muitas coisas foram jogadas para baixo do tapete nos últimos tempos. A opinião pública não soube delas, a não ser quando ela é atingida diretamente. Segundo as estatísticas: 70% de estrangeiros nas prisões ou que estupradores que não precisam ir para a cadeia, etc.

O povo não concorda mais com isso! E esse problema ocorre desde a revisão do Código Penal suíço (n.r.: entrou em vigor em 1° de janeiro de 2007), com a introdução das penas pecuniárias, com o fim das penas de curta duração, com a introdução das penas de trabalho obrigatório em condicional – ou seja, o criminoso nem precisa necessariamente cumpri-las.

Tudo isso é idiota e precisa ser modificado. O perigo é que o povo apele para a auto-justiça, algo que não podemos permitir. O importante é dar às vítimas a certeza de que os criminosos estão sendo verdadeiramente punidos.

Seu partido, a União Democrática do Centro (UDC) é conhecido na Suíça pela forte crítica feita a estrangeiros criminosos. Como seus vizinhos ou amigos estrangeiros vêem essas posições?

Eles reagem de forma positiva. Essas pessoas vivem aqui, são integradas, seus pais também, e aprenderam os idiomas locais. Porém tudo depende. Não podemos comparar alemães e italianos com pessoas dos Bálcãs em termos de potencial de violência. Mas também estes ficam extremamente desgostosos com seus concidadãos. Eles são obrigados a ler diariamente na imprensa os crimes cometidos por delinqüentes dos Bálcãs ou dos países do leste, algo que prejudica imensamente a sua boa reputação. Pelo contrário, eles até concordam com as nossas opiniões e aderem à UDC.

Então você considera as críticas da UDC ser um partido xenófobo sem fundamento?

Essa acusação de racismo é sempre repetida. Mas a verdade é que os outros partidos contemporizaram demais. Temos hoje em dia um problema na Suíça.

Com 70% de estrangeiros nas penitenciárias, isso significa um problema, sobretudo levando-se em conta que a proporção de estrangeiros é de apenas 21% da população.

Nos casos de estupro, a proporção de criminosos estrangeiros chega a 60%. Para mortes, é de 53%. A UDC não pode resolver esse problema sózinha. Mas a população está mudando de opinião. A iniciativa apresentada por nós, pedindo a expulsão de estrangeiros criminosos conseguiu recolher em tempo recorde 230.000 assinaturas.

Nossa política é positiva para os estrangeiros corretos, bem integrados e que querem viver e trabalhar na Suíça. Assim eles não são mais estigmatizados.

Alexander Thoele, swissinfo.ch

Natalie Rickli nasceu em 19 de novembro de 1976 em Winterthur, no estado de Zurique.

Ela aderiu à União Democrática do Centro (UDC) em 1996. Em 2000 se tornou membro da Ação por uma Suíça independente e neutra (Asin), da qual já foi presidente.

De 2002 a 2007, Rickli foi vereadora em Winterthur. De maio a junho de 2007 foi deputada estadual no cantão de Zurique.

No final de 2007 foi eleita por 146.742 votos para a Câmara dos Deputados.

A deputada federal é formada em marketing e trabalha como gerente na empresa Goldbach Media em Zurique.

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