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“O sigilo bancário é a nossa mentalidade” (continuação)

Sede do banco privado Lombard Odier e Cie. em Genebra. Keystone

Na segunda parte da entrevista, Michel Y. Dérobert fala sobre a inclusão da Suíça na lista "cinza" da OCDE, da pressão feita por países vizinhos e das imensas fortunas depositadas por estrangeiros em contas nos bancos helvéticos.

A imprensa francesa já fala de casos de cidadãos com dinheiro depositado em contas suíças e que se perguntam: o que fazer? Como declarar esse dinheiro, muitas vezes ganho de herança? Anistia é a solução?

A questão da anistia é legítima. Penso que quando se mudam fortemente as regras do jogo – estou falando dos países em questão – seria inteligente dar uma anistia. Esta é uma maneira inteligente de recuperar ou fazer reaparecer dinheiro. Porém preciso dizer uma coisa: geralmente, a motivação para colocar dinheiro em uma conta na Suíça não é fiscal. A questão dos impostos vem por tabela. Vimos isso no caso da anistia italiana. Ela era extremamente generosa e não custava nada para as pessoas declarar suas fortunas. Na verdade custava 2,5%, mas os banqueiros (italianos) estavam tão felizes de poder regularizar a situação dos seus clientes, que até lhes pagavam as multas.

E para a Itália essa anistia foi um sucesso?

Uma parte considerável desses clientes italianos acolheu essa oportunidade, mas houve outros que disseram: não, eu não acredito nesse governo e por isso não quero colocar meu dinheiro na Itália.

O governo alemão também ofereceu em 2004 anistia para poupadores com dinheiro depositado no exterior, mas que não funcionou.

Mas nesse caso eles não foram de forma nenhuma generosos. Já na Itália as pessoas preferiram deixar seu dinheiro na Suíça e não queriam repatriá-lo, mesmo com a promessa de não haver punição. Temos na Suíça as regras mais severas contra a lavagem de dinheiro, o que significa que esse dinheiro não poderia ser sujo. Essas pessoas, por razões próprias, não confiam nos seus Estados. Não se trata de um problema fiscal, mas de uma questão mais profunda. Toda essa questão toca os bancos suíços indiretamente, mas a verdadeira é a desconfiança que os clientes estrangeiros de bancos suíços têm nos Estados onde vivem. Se eles tivessem confiança absoluta ou se o sistema bancário nesses Estados fosse suficientemente desenvolvido a ponto de lhes economizar a viagem, eles não viriam para cá. Finalmente, como dizia na época o ministro francês de Relações Exteriores, Michel Jobert, a “Suíça é o espelho das nossas inconseqüências”.

Então a culpa está mais nos países de onde vem o dinheiro?

Se esse cidadão estima que as chances de que lhe retirem seu dinheiro é grande – pois há muita inflação, ou um governo que não é correto ou que o dinheiro é tão mal gerido que os riscos são grandes de perdê-lo – então ele tomará medidas. É evidente que a Suíça deve colaborar, até certo ponto, com Estados legítimos, democráticos e onde os direitos humanos são respeitados. Mas eu teria muito problemas de colaborar com países onde esses valores não são respeitados e os direitos de defesa não são reconhecidos. Para mim é um problema o fato de Merz (ministro das Finanças e atual presidente suíço) afirmar que fará 70 acordos de bitributação e que se dispõe a colaborar com todo mundo. Tenho muitas reservas com relação a isso.

Depois de ameaçar colocar a Suíça em uma lista “negra” da OCDE, o G-20 acabou se limitando à chamada lista “cinza”. A pressão aumenta cada vez mais, não?

Essa história de lista “cinza” impressiona fortemente a classe política suíça, mas também os cidadãos dos países que a fizeram. Isso, pois as relações de confiança entre esses países, muitos deles europeus, e seus cidadãos não são forçosamente muito boas. Agora eles dizem que é necessário bater na Suíça para fazer que seus próprios cidadãos compreendam que essa opção não está aberta para eles.

E nessa queda-de-braço entre a Suíça e o G-20, quem irá vencer?

Nós suíços não somos especialistas em pôquer e nem mesmo em xadrez, mas sim um país razoável, onde os cidadãos é que tomam definitivamente as decisões. Por isso, se alguns países querem fazer pressão, eles poderão até impressionar o nosso governo e, talvez, até mesmo o Parlamento. Mas as chances que eles terão de impressionar o povo é, do meu ponto de vista, muito fracas.

O risco de a Suíça ser considerada “pária” é levado a sério até pelas classes econômicas…

É totalmente normal que nossos políticos, governo e Parlamento se preocupem com essa questão. Mas em definitivo, o que conta é o cidadão. Você verá partidos que irão aproveitar essa ocasião para mostrar que estão lá para defender as pessoas. Esses partidos, alguns deles relativamente populistas, serão tão felizes de poder se projetar, que irão pressionar os outros. Não tenho muitas preocupações. A Suíça cumprirá suas promessas. Esse processo levará mais tempo do que para Jersey, Guernsey ou as Ilhas Cayman, pois devemos negociar acordos de bitributação que são instrumentos complexos. Não é só assinar um simples documento de troca de informações. Um verdadeiro acordo de bitributação exige mais tempo do que seis meses. E se eles nos colocarem em uma lista cinza após os seis meses, iremos sobreviver.

Jersey e Guernsey foram colocados na lista “branca” da OCDE. Eles assinaram acordos de troca de informações fiscais. Por que a Suíça não fez o mesmo?

Mas veja: esses acordos (n.r.: Tax Information Exchange Agreements – TIEAs) são especialmente voltados para os paraísos fiscais. Um acordo de bitributação é para dois países normais, que possuem sistemas fiscais de taxação. Nele os países trocam informações dentro de regras pré-estabelecidas. Mas se você é um paraíso fiscal e não tem impostos? Então não é possível fazer um acordo de bitributação! A OCDE criou os TIEAs para esses países, onde você simplesmente dá as informações pedidas. Mas para países como a Suíça ou o Brasil, isso é impossível! Não dá para oferecer esses dados sem ter nada em troca. Isso é impossível ou se trata de suicídio. Talvez o senhor Steinbrück (ministro das Finanças alemão) ficaria contente de assinar algo assim. Mas iremos pedir-lhe algo em troca.

A Associação Suíça de Banqueiros fala que clientes estrangeiros teriam 2.150 bilhões de francos (US$ 1.851 bi) depositados em contas no país. Quanto desse dinheiro é não declarado?

Não tenho a menor idéia. Sempre respondo a essa questão dizendo: meu banqueiro nunca me perguntou se declarei o dinheiro que depositei na minha conta. Nós pensamos que uma parte desse dinheiro pode não ter sido declarado no seu país de origem, assim como uma parte do dinheiro que está depositado em Cingapura, Miami ou Londres. Finalmente, esse é um problema de relação entre o cliente e sua própria autoridade fiscal. Só existe um domínio onde um banqueiro tem de ter dúvidas: quando é dinheiro do crime, ou seja, dinheiro sujo, etc. Nesse caso o banqueiro procura um juiz suíço – não um estrangeiro – e diz que em algum ponto existem dúvidas e pede uma investigação.

Se for necessário fazer isso também para as questões fiscais, então o banqueiro estará se transformando na consciência fiscal do seu cliente. Isso significa que ele precisa ter um nível de conhecimento tão profundo do seu cliente, que eu teria, como banqueiro e como cliente – problemas com isso. Não gostaria de ir para o meu banqueiro com a impressão de que ele não está me servindo, mas sim a uma entidade terceira, um Estado, o fisco. Então ele não seria a pessoa a quem eu estaria dizendo as coisas. Se chegarmos a essa situação, então acho melhor colocar meu dinheiro em outro lugar.

O ministro alemão das finanças declarou que haveria 200 bilhões de francos de dinheiro alemão depositado em contas na Suíça. A uma taxa de juros de 4%, isso renderia 8 bilhões. Segundo o acordo de taxação da poupança com a União Européia, a Alemanha deveria receber 2 bilhões desse dinheiro, mas só recebe 80 milhões por ano.

Como você chega a uma taxa de juros de 4%? Eu adoraria ter um banco que me pagasse isso (risos).

Quem falou foi Steinbrück. Seu ministério diz que essa é uma generalização, possível segundo o tipo de investimento combinado com o banco e a quantia depositada.

O ministro alemão das Finanças teve um predecessor, o ministro Eichel, que já dizia as mesmas coisas. Ele assinou de própio punho uma diretriz européia sobre a fiscalidade da poupança, que determina exatamente como deve ser taxado esse dinheiro. Sabemos que esse acordo tem algumas lacunas, algo que a Suíça não queria, mas que era do desejo da Alemanha e de outros países. E por quê? Pois Luxemburgo queria isso, os franceses aquilo, etc, etc. Os países da UE chegaram a um acordo sobre um texto que é bem pitoresco. Quando o mostraram à Suíça, nós o aceitamos na íntegra. Se o senhor Steinbrück não está satisfeito com esse acordo, então deve criticar seu predecessor.

Os cofres públicos estão vazios na Alemanha e em outros países. A evasão fiscal não é hoje um sério problema?

A verdade, a triste verdade, é que apontamos os dedos para os chamados fraudadores ou evadidos, mas nunca haverá suficientemente dinheiro para encher os buracos que abrimos. É muito prático atacar as pessoas que não pagaram seus impostos e que efetivamente não merecem respeito. Mas meu sentimento é que nunca haverá suficientemente fraudadores para preencher esses rombos. Por isso esses ministros estão se lançando em debates tão emocionais.

O que o senhor achou da prisão em 2008 do ex-chefe dos Correios Alemães, Klaus Zumwinkel? Suas contas secretas em Liechtenstein foram descobertas pelo serviço secreto alemão.

O caso de Zumwinkel é típico de um estado de espírito que acho triste. Se ele não fosse o chefe dos Correios Alemães e alguém bem conhecido, teria sido tratado de forma diferente. A polícia não o teria buscado em casa às seis da manhã. Ele não teria sido exibido no jornal das oito da TV. Ele teria tido outro tratamento, pois não teria sido possível fazer dele um caso. Estamos em uma situação de saber se essas pessoas podem ser úteis na paisagem midiática. Não quero defender alguém que não respeitou as leis, mas penso que alguns Estados estão agindo por encomenda.

A Suíça pode viver uma situação semelhante?

Penso da mesma maneira em relação à Suíça, mas não somos os únicos a ser atingidos por esse problema. Eu digo sempre: se temos uma banheira que está vazando, o problema não é descobrir aonde a água escoa, mas sim em consertar a própria banheira. Li hoje no jornal NZZ um artigo sobre o direito fiscal alemão, um tema que não me cabe julgar, mas se existem tantos alemães que querem colocar seu dinheiro em outro lugar, é porque a Alemanha está tendo um problema. Se você disser para mim que a Suíça não deveria ter leis tão facilitadoras, o problema não é nosso.

A Suíça aproveita da evasão fiscal no mundo?

Não podemos dizer isso. A Suíça não se aproveita da evasão fiscal. Nós firmamos acordos com a Alemanha e os respeitamos. E ela está pronta para firmar acordos com outros países também. Os bancos suíços também respeitam as leis e se não o fazem são punidos como mostra o caso do UBS.

Para finalizar, li em um jornal que “o sigilo bancário é como o vinho que acompanha a boa comida: o excesso não é bom, mas não podemos abdicar”. O que o senhor acha da frase?

(Risos). Bom, se compreendi bem, posso dizer que a defesa da privacidade financeira é algo legítimo. Se você tem um vizinho gentil, em quem você confia totalmente, será possível dizer-lhe que tem 100 mil francos na conta e até pedir dicas de onde investir o dinheiro. Se esse vizinho é mau, você não dirá nada. Se o Estado é gentil e correto, então não seria um problema declarar-lhe tudo que se ganha, pois você sabe que não será espoliado. Se o Estado for mau e pode confiscar seu dinheiro, pois sua religião, pele ou origem étnica não são as corretas, então você não dirá nada. Não devemos simplificar a realidade. Isso não apenas é incorreto, como pode ser perigoso.

swissinfo, Alexander Thoele

Michel Y. Dérobert se formou em administração de empresa na Universidade de St. Gallen. Ele trabalhou em diversas posições no setor bancário e financeiro em Genebra e Londres antes de ser chamado para trabalhar na Economiesuisse, a federação das empresas suíças, em 1981.
Desde 1990, ele é secretário-geral da Associação de Banqueiros Privados Suíços.

Dérobert também é secretário-geral do Grupo de Banqueiros Privados Genebrinos.

A ABPS foi fundada em 1934 e compreende atualmente 14 membros, que empregam cerca de seis mil funcionários na Suíça e outros países do mundo.

Através do secretariado permanente sediado em Genebra, a associação tem por missão essencial defender os interesses profissionais e do estatuto de banqueiros privados. Ela também tem um papel fundamental na manutenção de um contexto econômico e político favorável ao exercício de atividades de gestão de fortuna na Suíça.

Bancos privados associados à ABPS:

-Baumann & Cie
-Bordier & Cie
-E. Gutzwiller & Cie
-Gonet & Cie
-Hottinger & Cie
-Landolt & Cie
-La Roche & Co Banquiers
-Lombard Odier Darier Hentsch & Cie
-Mirabaud & Cie
-Mourgue d’Algue & Cie
-Pictet & Cie
-Rahn & Bodmer
-Reichmuth & Co
-Wegelin & Co

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