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O segredo era saber maturar o queijo

Stephan Gaehwiler e seu filho, Lucas, exibem o queijo alpino produzido na fazenda em Goías. swissinfo.ch

Um suíço emigra para uma região rural do cerrado no Brasil e encontra uma fórmula de fazer um queijo tão bom como nos Alpes, mesmo com as adversidades do clima e o perigo das serpentes. Hoje o produto agrada os paladares dos gourmets da capital.

A estrada de terra parece que chegou ao fim. Nesse forte declive cheio de pedras e buracos, o carro não passa mais se uma chuva pesada cair. Do outro lado da cerca, um grande descampado coberto pelas típicas árvores do cerrado e outros arbustos rasteiros. Embaixo de uma árvore dezenas de olhos, escuros, curiosos de vacas pardas. Será que chegamos ao sítio do queijeiro suíço?

Para quem sai de Brasília são 170 quilômetros na direção oeste até chegar à região de Corumbá de Goiás. Depois de abandonar o asfalto ainda há muito chão a percorrer. Ao passar por alguns mata-burros, surge enfim a placa indicando o sítio Pica-Pau. Stephan Gaehwiler, 55 anos, abre o grande portão e apresenta o que chama de “meu paraíso”, 165 hectares de terra espalhados por suaves colinas. Os postes com os cabos de energia elétrica indica que a civilização já não está tão distante.

Nascido em Pieterlen, um pequeno vilarejo nas proximidades da capital Berna, mas crescido na região de montanhas do cantão de Zurique, Gaehwiler sonhava desde criança em ser fazendeiro. “Porém era um sem-terra”, brinca com um forte sotaque suíço-alemão, para justificar o que o levou a emigrar. Depois de concluir uma formação profissional agrícola, estagiou no Canadá por seis meses e então foi picado pelo mosquito da aventura. Em 1982 desembarcou no Brasil para trabalhar em uma fazenda de dez mil hectares na cidade de Baliza, em Goiás, cujos proprietários eram conhecidos do seu pai. “Era um lugar distante de tudo, sem televisão, energia e distante cinquenta quilômetros do vilarejo mais próximo”, lembra-se, contando também nunca ter sido picado, apesar da grande quantidade de serpentes venenosas e escorpiões no mato.

De trutas ao queijo

A vontade de ter seu próprio negócio levou-o a pedir demissão e procurar outras terras. A ideia inicial era criar trutas em uma região nas proximidades de Brasília. Ao descobrir que a temperatura da água não propiciava as condições ideias, vasculhou e descobriu um sítio à venda na região de Corumbá de Goiás, próximo à cidade turística de Pirenópolis. “Então pensei que o melhor seria produzir algo de valor agregado, o queijo”. O gado foi comprado no Paraná. “Tinha de ser a raça Braunvieh, que é muito boa para a produção de leite e também de dócil e manso”. Hoje já são cem vacas, sendo que 24 produzem leite.

Assim como seus compatriotas nos Alpes suíços, o trabalho na fazenda Pica-Pau começa bem cedo. Gaehwiler e seus dois filhos acordam às cinco horas da manhã. Depois de recolher as vacas, a ordenha é feita. Nicolaus, 19 anos, cuida dos animais. Lucas, 20, faz o queijo. “E o pai fiscaliza tudo”, brinca o suíço. No total, a família produz mensalmente 600 quilos de queijo do tipo alpino – ideal para o prato típico suíço raclette – ; tomme e o chancliche, uma especialidade árabe indicada a ele por um técnico agrícola devido às condições locais. Depois os produtos são distribuídos pessoalmente por Gaehwiler ou pela namorada, Cornelia Casotti, imigrante suíça radicada em Brasília e secretária do embaixador da Suíça, diretamente em restaurantes e lojas de iguarias finas na capital.

O que era apenas um meio de sobrevivência, acabou se tornando um verdadeiro negocio. “E olha que aqui no Brasil não existe subvenções para pequenos produtores como eu, ao contrário do que ocorre na Suíça”, afirma o suíço sem esconder o orgulho. Os queijos se tornaram um sucesso, especialmente por estarem tão próximos do sabor original dos tipos suíços. Inclusive o rotulo tem brasão vermelho com a cruz branca abaixo da indicação “produto artesanal rural”.

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Como produzir o autêntico queijo suíço

Este conteúdo foi publicado em swissinfo.ch visitou uma fazenda e uma queijaria em Ursenbach, no coração do vale do Emmental, onde os queijos são feitos desde a Idade Média. Este é um autêntico Emmental, elaborado de maneira a receber o selo oficial AOC de origem comprovada. (Julie Hunt, swissinfo.ch)

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O segredo do produtor

Mas qual é o segredo? Ele e Lucas convidam a conhecer a fábrica de queijos, construída por ele mesmo a poucos metros de distância da casa. “Fazer queijo é fácil, o difícil era saber maturar”, explica Gaehwiler depois de alguns segundos de reflexão. Então ele conta que o maior problema é o clima tropical da região, onde as estações se dividem em período de chuva e de seca. “São dois climas extremos, onde em uma época tudo mofa e na outra, a secura pode te levar até ao hospital”, conta.

Assim foi obrigado a instalar duas grandes câmaras frigoríficas, que simulam as mesmas condições das adegas subterrâneas nas fazendas alpinas, onde as temperaturas podem variar de 6 °C a 12 °C. Depois fez muitos testes até encontrar a receita perfeita, mas que também exige muito trabalho: cada queijo precisa ser escovado com água e sal diariamente até chegar ao ponto certo, por até dois meses. “Mas para os bem curados, esse tempo chega a quatro anos”, acrescenta Lucas.

Além dos dois filhos, Gaehwiler conta com a ajuda de quatro funcionários. Para garantir a qualidade do leite – “sem bom leite não existe bom queijo” – é preciso cuidar da ração. As vacas pastam ao ar livre (na Suíça ficam confinadas uma grande parte do ano), mas quando não há capim, um trator ajuda a recolher cana, milho e soja. O resultado de vê na produtividade. “Cento e vinte litros de leite dão para fazer dez quilos de queijo”, ensina.

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Autonomia

Nas mais de três décadas que vive no Brasil, o suíço se considera completamente adaptado à natureza local. As tilápias que serve aos amigos ou compradores que os visitam diretamente na chácara vêm de um lago artificial, construído por ele no terreno frente à casa. Com um amigo suíço mata porcos e vacas e utiliza a carne para fazer linguiças, defumadas depois em um receptáculo especial. “Também sei fazer sabão e os remédios tiro todos do meu jardim”, afirma Gaehwiler, acrescentando não vai a médicos e nunca toma medicamentos. “Se estou doente, deito-me e espero melhorar.”

Mas, além dos queijos, seu grande orgulho é o quintal e pomar ao lado da casa. “Veja só que beleza essa flor, a maior do Brasil”, aponta o suíço para uma espécie de planta trepadeira com uma grande flor conhecida popularmente como “Papo de Peru” (Aristolocjia gigantea), também popular devido às propriedades medicinais. Depois leva o visitante ao cafezal, com os galhos repletos das frutinhas vermelhas. Todos os pés de frutas foram plantados com uma perfeição geométrica e o gramado está bem cortado. “Experimente agora as tangerinas”, oferece. Com o dedo, mostra ainda os pés de gariroba, carambola, acerola, caqui ou maracujá.

Gaehwiler está convencido que não existe outro país no mundo melhor para viver. Ele sente um pouco falta dos Alpes ou da neve, mas se apaixonou pela natureza tropical. Seus filhos já passaram uma temporada na Suíça, mas terminaram retornando mais cedo, pois sentiam falta de casa. Os dois cresceram quase no mato, onde vivem antas, capivaras, seriemas ou queixadas. Lucas mostra até o pequeno criadouro de cobras, seu animal preferido. “Essa é uma das mais bonitas”, diz, segurando uma jiboia na mão.

Durante a Copa do Mundo, Gaehwiler receberá vários familiares em casa. Eles compraram ingressos para assistir o primeiro jogo da seleção suíça em Brasília, em 15 de junho. Para alguns será a primeira vez no Brasil. Questionado sobre o time que irá torcer, o queijeiro considera que estará feliz com qualquer resultado. Mas após cortar um pedaço de tomme e oferecê-lo às visitas, mostra que o patriotismo é com o próprio trabalho. “Até os suíços dizem que meu queijo é melhor do que os suíços”.

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