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O ensino de inglês como opção para uma vida melhor

Marcia Ferreira da Costa, Simone Littlejohn (ao centro) e Jakeline Laureno (a professora de inglês das crianças). ASA

Proprietária de escola de inglês em Basileia angaria fundos na Suíça para levar educação bilíngue gratuita para crianças da Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro.

Como em uma colcha de retalhos, a ideia de ensinar inglês gratuitamente para as crianças carentes da Rocinha foi sendo montada passo a passo, encaixada nos mínimos detalhes. Algumas peças apareceram como uma feliz coincidência, outras foram buscadas e aparadas até ganharem a forma que se gostaria que tivessem.

O curso de inglês, que funciona desde dezembro de 2015, alcança hoje cerca de 40 crianças da creche da Organização Não Governamental (ONG) União de Mulheres Pró-Melhoramentos da Roupa Suja (UMPMRSLink externo), um dos bairros de população mais carente da Rocinha.

O encaixe dos retalhos foi só o ponto de partida para algo muito maior, que é ver gerações da comunidade saírem ilesas da influência do tráfico de drogas e provar que, por meio da educação, todos têm direito a condições melhores de vida. Para quem não sabe, a RocinhaLink externo, no Rio de Janeiro, já foi considerada a maior favela da América Latina; hoje é um bairro com 70 mil habitantes, de acordo com o censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os moradores discordam e dizem há entre 180 e 220.000 habitantes.

Guia que falava inglês

Tudo começou com um passeio que Simone Littlejohn fez no Morro da Rocinha há quase três anos –  a primeira feliz coincidência de todo o processo de concepção da ideia.  Americana, Simone se impressionou com o jovem guia de turismo Rodrigo, que falava inglês com certa destreza apesar de sua origem humilde.

Como Simone passou oito anos de sua juventude no Rio de Janeiro, ela sabia que não era normal tal desprendimento com uma segunda língua para um alguém sem recursos. De acordo com ela, a experiência foi tão interessante e intensa que, o passeio se estendeu de três horas para o dia inteiro, com direito à visita da casa da mãe do guia, na Rocinha.

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“Fiquei muito impressionada com a vida daquelas pessoas e com alegria e força que elas carregam, apesar de todas as dificuldades. Quem nunca subiu numa favela, não tem noção do que essas pessoas enfrentam. O simples transporte de uma geladeira para a parte alta do Morro pode parecer inimaginável aos nossos olhos, mas eles fazem acontecer”, explica.

“O objetivo não é tirar essas pessoas de lá, como se morar no Morro fosse um castigo. A ideia é promover a inclusão social por meio da educação. O ensino de inglês é um diferencial nesse processo”.  (Simone Littlejohn)

Motivos sentimentais

De acordo com Simone, a força de vontade dele a tocou tão profundamente que ela teve a ideia de perguntar sobre a necessidade das crianças locais. A resposta então veio como a segunda peça de encaixe na história: Rodrigo respondeu que era o ensino de inglês, porque foi esse conhecimento que lhe abriu as portas e propiciou a profissão de guia turístico.

Simone saiu dali com já com uma meta: ajudar crianças a aprenderem a língua inglesa e, com isso, terem mais chance no mercado de trabalho.

A escolha da Rocinha foi por motivos sentimentais, ela estudou na Escola Americana do Rio de Janeiro quando menina, que fica exatamente em frente ao Morro. Como é professora e proprietária de uma escola de inglês, a Ahead With EnglishLink externo, na cidade de Basileia, na Suíça, Simone mais uma vez se viu diante de outro encaixe: a experiência como educadora, com a língua inglesa e a portuguesa, e em trabalhos voluntários com crianças, sua primeira atividade após chegar na Suíça.

O exemplo de Márcia

Marcia é prova viva dessa dinâmica social, em que a pobreza e a falta de acesso à educação podem dificultar o futuro. Moradora do Morro da Rocinha, filha de pais alcóolatras, engravidou aos 14 anos. Mesmo com as dificuldades, ela continuou com seu sonho.

Prestes a completar 50 anos, Marcia está terminando a faculdade de pedagogia. A diretora serve como exemplo para os moradores: determinação, luta e vontade de ajudar fazem parte do seu dia a dia. “Eu tento mostrar a esses jovens e crianças que o mundo é muito maior que a Rocinha. Não existe fronteira quando se tem conhecimento. Conhecimento é poder”, diz. 

Baixo impacto e alto rendimento

Outro facilitador foi o fato dela ter feito certificação em Paz Civil, pela Universidade de Basileia em conjunto com a Organização Swisspeace. Ao utilizar a metodologia aprendida, decidiu que não iria reinventar a roda, fazendo novo prédio ou interferindo demais na rotina dos moradores. Pelo contrário, a professora optou por trabalhar com a ideia de baixo impacto e alto rendimento, acrescentando valor àquela comunidade, que é o segredo do sucesso para esse tipo de projeto. Além do mais, era importante ter um ensino de forma sistêmica e contínua. Simone entrou na Rocinha por intermédio da UMPMRS e implantou na creche, já existente, o ensino de inglês para crianças de dois a quatro anos e de quatro a cinco anos, três vezes por semana. A professora de inglês Jakeline Laureano é da própria comunidade, o que mais uma vez, casa perfeitamente com as necessidades do Projeto. “A Jakeline serve como um modelo para as crianças. Ela é uma prova de que com sacrifício e força de vontade dá para quebrar as barreiras sociais”, explica.

Doações na Suíça

A coordenação do projeto é feita parte da Suíça, de onde Simone angaria fundos com eventos e doações de amigos e até de alguns funcionários, que doam às vezes seus salários voluntariamente. Para isso, abriu a Organização Não Governamental ASA – Step Ahead. O dinheiro é usado para pagar os salários da professora Jakeline e compra de material didático. A outra parte da coordenação é feita pelas diretoras da UMPMRS, Marcia Ferreira da Costa e Carminha Barbosa, que administram a creche e os serviços de educação continuada para adolescentes e crianças, como educação sexual para adolescentes, aulas de apoio à tarde etc.

Quando Simone foi ao Rio, em fevereiro deste ano, ficou boquiaberta e emocionada ao ver as crianças falando as primeiras palavras em inglês. Simone não para por aí, quer fazer parceria com outras favelas do Rio de Janeiro e levar a metodologia do ensino de inglês para outras crianças carentes. A professora sabe que ainda tem um longo caminho a percorrer, mas o sucesso da linha de largada a motiva para passos maiores. 

Educação nas favelas: luta contra a violência e a pobreza

Para a classe média, o domínio da língua inglesa pode aumentar em até 50% o salário. Mas para a população carente, o acesso à educação é simplesmente arma contra o tráfico de drogas, pobreza, gravidez na adolescência e imobilidade social. Para quem vive à margem da sociedade há tantas décadas, o aprendizado é fator chave na promoção de dignidade e de inclusão.

De acordo com a diretora da creche UMPRS Marcia Ferreira da Costa, só a educação vai diminuir o charme da promessa de dinheiro fácil dos traficantes. Nesse caso, o aprendizado da língua inglesa funciona como um diferencial, capaz de atrair mais crianças e de garantir um futuro mais promissor. “A educação na favela é essencial em todos os sentidos, é o que forma um cidadão.  Eu sempre falo para as crianças daqui: quem não estuda, não sabe dos seus direitos. Se vai parar no hospital, por exemplo, nem consegue nem se comunicar ou reclamar de um mau atendimento”, explica. 



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