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Especialistas brasileiros e suíços discutem “legado olímpico”

Da esquerda para direita (sentados): Jean-Jacques Fontaine, Augusto Ivan Pinheiro, Eduarda La Roque, Christopher Gaffney e Pedro da Luz Moreira. swissinfo.ch

Passada a euforia provocada pela realização da Olimpíada, evento considerado bem-sucedido pela grande maioria da população carioca, o Rio de Janeiro começa agora a discutir o "legado olímpico", ou seja, a herança que as obras e projetos de reurbanização e mobilidade urbana feitos para os Jogos deixarão para a cidade.

Interessado em “falar sobre o futuro do Rio”, como registrou o cônsul-geral, Giancarlo Fenini, o governo suíço organizou em 31 de agosto o debate “Rio Pós-Jogos – desafios de uma cidade reinventada”, que reuniu especialistas dos dois países. O debate fez parte da programação do Baixo Suíça no intervalo entre a Olimpíada e a Paralimpíada, que terá início no dia 7 de setembro.

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Os convidados para o debate mostraram visões discordantes sobre o legado olímpico. Especialista em megaeventos e professor na Universidade de Zurique, o geógrafo e urbanista norte-americano Christopher Gaffney fez uma dura análise crítica: “Na boca dos organizadores do evento, a palavra legado é sempre uma coisa boa. Mas, também pode haver legado negativo. O balanço dos grandes eventos no Brasil – e no Rio de Janeiro, em particular – vai ser bastante negativo”, disse.

Gaffney morou no Rio entre 2009 e 2015, período em que deu aulas na Universidade Federal Fluminense (UFF). Conhecedor dos problemas locais, ele afirma que o maior legado negativo deixado pela Olimpíada é a privatização da cidade que, diz, ainda está em curso: “Veremos a transferência de terrenos urbanos públicos para as mãos privadas na Zona Portuária e na Barra da Tijuca. Houve privatização do espaço público e há também a dívida feita para construir essa farra de três semanas”.

O especialista da Universidade de Zurique cobra as promessas feitas pelo poder público: “Daqui a pouco todo mundo vai esquecer a Olimpíada e não vai ter dinheiro para desmontar a Arena do Futuro, para transformá-la em quatro escolas públicas. Não tem instituição do legado para garantir que esses projetos sejam realizados. Eu vejo muita promessa, muita falta de contabilidade, e um futuro muito incerto para esses projetos que foram implantados para a Olimpíada no Rio”, diz.

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Uma análise mais otimista sobre o legado olímpico foi feita pela economista Eduarda La Roque, que foi secretária de Fazenda da Prefeitura do Rio e este ano passou a militar na ONG Cariocas em Ação e a se dedicar à conclusão do Pacto do Rio por uma Metrópole Sustentável: “O projeto do Porto Maravilha é um processo de revitalização urbana fantástico. Há gente tem um espaço aqui no Rio que é várias vezes o tamanho de Puerto Madero, que é uma reforma da Argentina muito fundamental. Temos uma área turística fenomenal”, diz.

Propulsão

Para a economista, existem “alguns desafios para serem enfrentados ainda, principalmente com relação à habitação social e à moradia de uma forma geral” na Zona Portuária da cidade: “O Porto não pode ser uma reprodução do Centro, tem que ser muito habitado, não só com turistas. Esse é o grande desafio dos próximos anos: transformar realmente aquele local num lugar de turismo, de cultura, de moradia, de geração de emprego. E uma área de propulsão da cidade”, diz.

La Roque diz que valeu a pena para o Rio, do ponto de vista econômico, receber os Jogos: “A Olimpíada teve um processo de orçamentação muito apropriado, que aproveitou muito dinheiro privado. Então, o saldo econômico é positivo. A única pergunta que faço é se, dado o montante financeiro, a utilização desses recursos com relação ao legado de longo prazo talvez pudesse ter sido feita de uma forma melhor. Foi tudo muito rápido, e talvez a gente precisasse de um planejamento de mais longo prazo para garantir maior aumento de qualidade de vida para a população. A sustentabilidade fiscal do município é boa, mas a sustentabilidade do nosso modelo de desenvolvimento não está garantida”, diz.

Exclusão

O jornalista suíço Jean-Jacques Fontaine, que vive no Rio e é autor do livro “Rio, Uma Cidade Reinventada”, avalia que parte da população carioca começa a ter sérios questionamentos sobre o legado olímpico: “Depois do início das competições, a população modesta da Zona Norte percebeu que talvez a transformação da cidade tenha sido mais para os Jogos do que para ela. Os mais pobres tiveram limitações de deslocamento por causa dos Jogos e viram que todas as forças de segurança eram concentradas nos locais de competições e nos trajetos dos turistas, abandonando um pouco o resto da cidade e as favelas. Eles perceberam também que para entrar nas competições o preço era muito alto, seja na compra de bilhetes ou nos transportes”.

Segundo Fontaine, “para reconquistar a opinião pública, os governantes da cidade têm que fazer o que resta fazer, tem que terminar o que não foi terminado, como a linha do BRT Transbrasil, que está feita a 50%, o circuito do VLT no Centro e a extensão da Linha 4 do metrô até a Gávea. O mais importante será fazer funcionar o que já existe, e para isso já haverá dificuldades”.

Presidente da seção carioca do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Pedro da Luz Moreira diz que a Olimpíada não deixará o Rio menos desigual: “Não há equidade. Basta observar o grau de urbanização dos bairros mais ricos, como Lagoa, Ipanema, Copacabana, Botafogo, e compará-lo com o índice de urbanização de São Gonçalo e de outras partes do Rio de Janeiro. Há um desequilíbrio, não há uma universalização do acesso às infraestruturas urbanas. Os nossos graus de saneamento básico, por exemplo, são criminosos. Quarenta e oito por cento do esgoto da cidade do Rio de Janeiro não é corretamente destinado”, diz.

Copa em dívida

Urbanista da Universidade de Zurique, Christopher Gaffney acompanhou também os projetos ligados à realização da Copa do Mundo no Brasil em 2014. Para ele, o “legado” do mais importante torneio do futebol mundial também é alvo de críticas: “A dívida foi o principal legado da Copa. Temos hoje projetos espalhados pelo Brasil não cumpridos e superfaturados. Elefantes brancos andando e comendo o dinheiro público em Cuiabá, Natal, Manaus, Brasília, Fortaleza, Recife… Há projetos de transporte sequer cumpridos ou mal completados”, diz.

Gaffney também aponta o que qualifica como legado negativo cultural: “No Rio de Janeiro vimos a privatização do Maracanã, a destruição de um patrimônio histórico. Os melhores torcedores do mundo foram transformados em meros consumidores de um espetáculo. Estamos perdendo esse panorama cultural, e ninguém fala disso. Hoje há adolescentes no Rio que não podem ir ao Maracanã torcer para seu time. Essa é uma perda fantástica que tivemos com a Copa”, diz.

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