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“Os garimpeiros querem a nossa morte”

"Dirty Paradise" conta o dramas dos índios Wayana na Guiana Francesa.

O diretor suíço de cinema, Daniel Schweizer, se interessou pelo destino dos índios Wayana. Na Amazônia, a lavagem de pepitas de ouro polui os rios onde eles vivem.

Apresentado no Festival de Cinema de Vancouver, no Canadá, seu documentário é um grito de alarme. Entrevista.

Paraná, Mélanie, Akama, Muriel, Etume. Seres humanos que, como nós, habitam o planeta.

Seus nomes, rostos, olhares cheios de tristeza e seus destinos ameaçados também são um problema nosso, pessoas que habitam na parte mais favorecida do planeta.

Pois a pilhagem sistemática dos recursos naturais, a destruição da natureza por questões especulativas, tantos problemas que muitos se obstinam a ignorar, são antes de tudo os nossos.

É isso que conta, com muita sensibilidade, “Dirty Paradise”. Assinado pelo diretor suíço de cinema Daniel Schweizer, o documentário projetado atualmente no Festival Internacional de Cinema de Vancouver, é a crônica desoladora de uma morte anunciada e, portanto, não inelutável.

No coração da floresta amazônica, na Guiana francesa, uma catástrofe dupla, humana e ecológica, está em curso. Pelo fato deles viverem nas margens dos rios, os índios Wayana veem sua sobrevivência ser hipotecada pela extração intensiva de ouro através do mercúrio.

Eterna reprodução da luta entre Davi e Golias: um povo confrontado a um desafio que lhe ultrapassa, ou seja a onipotência supranacional da economia globalizada. “Nessa pequena área ligada à Europa em terras do Amazonas, o pior da mundialização está ocorrendo”, resume Daniel Schweizer.

Quanto às opiniões de Mélanie, chefe do povoado de Kayodé e mãe de seis crianças, elas também não são ambíguas. “Os garimpeiros querem a nossa morte.”

swissinfo.ch: Após uma trilogia sobre o extremismo de direita, trata-se de um projeto completamente diferente. Como ele surgiu?

Daniel Schweizer: Após essa série sobre a extrema direita radical, eu senti uma enorme vontade de poder filmar mais uma vez com empatia, com pessoas que poderia amar, seguir, acompanhar e, talvez, ajudar como foi o caso do meu documentário sobre a AIDS “Vivre Avec” (Viver com).

O destino quis que eu encontrasse pessoas que me falaram dos índios Wayana. Então me lembrei de um livro da infância: “Paraná, o pequeno índio”. Para mi, esse livro foi a revelação do paraíso, da beleza na Terra, da paz e da harmonia. Quando soube que esses índios estavam sendo ameaçados, quis saber o que estava acontecendo de tão grave na Guiana francesa, um território europeu na Amazônia.

Quando foi seu primeiro contato com eles?

Eu parti à procura de Paraná. No primeiro ano não o encontrei. Ele havia partido em direção às montanhas à procura de argila. Mas conheci seus filhos e sobrinhos e prometi-lhes de voltar.

Com o tempo e muito respeito, conquistei a confiança deles e, ao mesmo tempo, a legitimidade de poder filmar-lhes e contar a sua história: o drama humano e ecológico de uma tribo ameríndia que se recusa a desaparecer no silêncio e indiferença.

Você então tomou todo o tempo necessário para realizar o documentário e estabelecer uma verdadeira ligação com os Wayana?

O documentário é fruto de uma aproximação gradual que durou quatro anos. Foram necessárias várias viagens à Amazônia e inúmeros encontros. Para mim era importante compartilhar com os índios Wayana cada fase do meu documentário. Não houve nenhuma imagem roubada e nenhum comportamento forçado. “Dirty Paradise” é um projeto que seguiu seu desenvolvimento. A originalidade e a força do filme estão precisamente no papel ativo assumido nele pelos Wayana.

São eles que assumem o discurso. São eles diretamente que contam a solidão, o sofrimento, a inquietação e o desespero que fazem parte da sua vida cotidiana. E são eles sempre que nos pedem ajuda para lutar. Em certo censo, “Dirty Paradise” é porta-voz do drama dessa gente.

A forma dada por você ao documentário parece quase um luxo em um mundo que não encontra mais tempo para parar e refletir…

É verdade. Hoje em dia é cada vez mais raro de se dar tempo para rodar um documentário. É quase um luxo. Mas eu não poderia tê-lo realizado de outra forma. As reportagens onde tudo é misturado em três semanas não me interessam. Esse formato talvez funcione em alguns temas, mas se o objetivo é de encontrar o outro lado, de compartilhar algo, a aproximação deve ser feita de uma forma completamente diferente.

Na era da informação “fast-food”, rapidez, precipitação, superficialidade e parcialidade se encadeiam. Eu recuso categoricamente essa maneira de trabalhar: ela á apenas a ilusão de conhecer a realidade.

O que você descobriu ao rodar o documentário?

Que não basta sobrevoar uma região de avião ou helicóptero para conhecer a realidade. É necessário aproximar-se da terra, encontrar as pessoas, tocar com a mão o seu cotidiano. Não basta escrever teorias sobre o aquecimento do planeta, mas sim ir diretamente lá, onde vivem as vítimas das mudanças climáticas.

Foi isso que eu fiz com os Wayana, que até então nunca tiveram a possibilidade de falar. Os documentários sobre a extração de ouro, sobre o desperdício dos recursos naturais da Amazônia, sobre o tráfico de seres humanos já foram rodados. Mas quase todos eles esquecem sistematicamente os índios.

Portanto, eles continuam vivendo em harmonia com a natureza. Eles aplicam os princípios do desenvolvimento sustentável, respeitam o ecossistema e os seres vivos com os quais compartilham a terra. Hoje em dia, a globalização lhes rouba a terra sob seus pés.

Quais são as esperanças que você coloca no seu documentário?

O destino dos Wayana é, no fundo, uma história universal: é um povo que, como tantos outros, luta contra a pilhagem dos recursos naturais e pela sua própria sobrevivência. Eles vivem no mesmo mundo que nós. Com meu filme, espero que ninguém mais poderá simular ignorância, fechar os olhos e dizer “que não sabia”.

Françoise Gehring, swissinfo.ch

Após os Festivais de Locarno e Sarajevo, o documentário “Dirty Paradise” foi selecionado para o Festival Internacional de Cinema de Vancouver (Canadá), realizado de 1° a 16 de outubro.

O documentário deve ser exibido na Suíça a partir da primavera de 2010. Ao mesmo tempo, inicia a campanha em favor dos índios Wayana.

O WWF e a ONG “Survival France” tentarão através dela sensibilizar a opinião pública sobre o impacto dos comportamentos ecológicos não responsáveis sobre as comunidades indígenas.

ONGs da Guiana também participarão da campanha.

O mercúrio é utilizado como revelador pelos garimpeiros desde a antiguidade. Para amalgamar um quilo de ouro, são utilizados 1,3 quilos de mercúrio.

Na Guiana Francesa, entre o Suriname e o Brasil, cerca de 5 a 10 toneladas de mercúrio são jogadas nos rios que banham a região habitada por 1.200 índios Wayana.

50% da população indígena apresentam taxas de mercúrio quatro vezes superior às normas admitidas pelas autoridades sanitárias europeias.

Cerca de 10 mil garimpeiros clandestinos atuam nos territórios dos Wayana.

Em 2001, uma queixa criminal contra desconhecido por envenenamento através de mercúrio foi feita no Tribunal de Cayenne por um grupo de índios. O processo ainda não foi julgado.

Daniel Schweizer nasceu em 24 de março de 1959 em Genebra, Suíça.

Formação: Escola Superior de Artes Visuais de Genebra e Escola Superior de Estudos Cinematográficos em Paris.

Desde 2003, ele atua como professor de vídeo na Escola de Arte e Design de Genebra.

Membro de diversas associações profissionais, Schweizer divide seu tempo entre Genebra, Sion, Paris e Zurique. Ele trabalha também como diretor de cinema e produtor independente, colaborando também com vários canais europeus de televisão como Arte (França/Alemanha), TSR/TSI/SFDRS (Suíça) e ZDF (Alemanha).

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