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Os mundos da lusofonia na Universidade de Genebra

Nazaré Torrão em sua sala de trabalho na Universidade de Genebra. Nelson Pereira

A língua portuguesa tem seguidores na Universidade de Genebra. Um grupo de apaixonados da literatura lusófona e algumas dezenas de alunos frequentam as aulas da Unidade de Língua Portuguesa da UNIGE. 

A par do curso de Português, este núcleo da Universidade de Genebra organiza ciclos de cinema, conferências e colóquios sobre temas ligados à história e literatura dos países lusófonos. swissinfo.ch falou com a responsável por este planeta da lusofonia em Genebra, a professora Nazaré Torrão, que nos revela alguns dos projectos para o próximo ano lectivo.

A iniciativa mais recente da Unidade de Língua Portuguesa teve lugar no início de Dezembro, para assinalar os 40 anos das independências das ex-colónias. “Organizámos o colóquio ‘Diálogos culturais em contexto pós-colonial’ [ http://www.unige.ch/lettres/roman/portugais/actualites/dialogos-culturais-em-contexto-pos-colonialLink externo consagrado à criação literária dos países lusófonos nas últimas décadas”, recorda a responsável de ensino.  

 Nazaré Torrão explica que no grupo dos 30 alunos deste ano lectivo há um angolano, duas brasileiras e cinco portugueses, e acrescenta com satisfação que “há também pessoas que se inscrevem como auditores livres, pagam 50 francos por semestre e vêm assistir às aulas”. Neste grupo de aficionados, há alguns que frequentam regularmente, ano após ano: “Já falam muito bem a língua, mas continuam a vir porque gostam da literatura lusófona e querem descobrir novos autores”.

Convidados de primeiro plano e novidades para 2016

A Unidade de Língua Portuguesa já trouxe à Universidade de Genebra nomes de primeira linha da literatura e cinema de expressão lusófona. Já por aqui passaram Luísa Costa Gomes, José Saramago, Maria Alzira Seixo, Teolinda Gersão, Lídia Jorge, Agustina Bessa-Luís, Mia Couto e Ana Paula Tavares. O presidente do Instituto Camões, Jorge Couto, participou num ciclo de conferências nos 500 anos do Brasil, as literaturas africanas têm sido apresentadas por especialistas conceituados como Alberto Carvalho, Eduardo Prado Coelho e Bénard da Costa vieram falar de cinema.

Para o próximo ano lectivo, há planos ambiciosos em rampa de lançamento. “Estamos a preparar um novo projecto – organizaremos a partir de Setembro conferências às segundas-feiras, das 16.00 às 18.00, abertas ao público, em francês, consagradas a várias áreas da literatura e da história do universo lusófono”, revela Nazaré Torrão.
Entre a literatura e o cinema

Doutorada em Literaturas Comparadas pela UNIGE, o percurso académico de Nazaré Torrão começou na Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa. Em seguida fez um curso de leitores e foi colocada em 1989 como leitora em Ruão, onde desenvolveu durante quatro anos iniciativas de divulgação do cinema português. “Organizámos semanas de cinema português, divulgando filmes dos realizadores mais destacados – Manoel de Oliveira, João Botelho, Paulo Rocha, Teresa Villaverde, etc.”, recorda. Como o marido é suíço, decidiu aproximar-se da Suíça e durante dois anos deu aulas de português a filhos de imigrantes portugueses na região de Zurique. Para além da licenciatura em Portugal, do curso no Instituto Camões de formação de leitores, e do estágio pedagógico para professores do ensino secundário, fez em Paris, na Sorbonne, o correspondente ao mestrado em Portugal, um DEA em Literatura Portuguesa.

Há vinte anos que começou a dar aulas na UNIGE. Concorreu com sucesso a um posto de leitorado em Genebra, que foi depois transformado num posto pago. Esteve três anos como leitora e depois desse período entrou nos quadros da universidade. Explica que “houve em determinado momento uma outra leitora, mas esse leitorado foi cortado devido a questões de verba”. A ameaça dos cortes orçamentais regressa regularmente: “Houve durante muito tempo um professor catedrático, o professor Maurizio Perugi, agora aposentado, que se dedica principalmente à filologia, ao estudo dos textos antigos, sobretudo da época renascentista. Quando ele saiu foi aberto um posto de ‘chargé de cours’, de duas horas semanais, sobre história de Portugal, do Brasil e do Império Português, que funcionou nos últimos quatro anos, mas que muito provavelmente deixará de existir”, lamenta.

“No mercado é uma mais-valia”

Nazaré Torrão dá aulas de língua portuguesa, de iniciação e de continuação – B1, C1, depende do nível dos estudantes. A maioria dos alunos lusófonos da Unidade nasceu na Suíça, alguns em Portugal, alguns já fizeram o curso de Língua e Cultura Maternas oferecido pelo Ministério da Educação português. O motivo principal que os faz inscreverem-se é “a consciência de que no mercado é uma mais-valia e quando já dominam parcialmente a língua querem ter um documento que o confirme”. É também muito importante do ponto de vista da identidade e uma forma de se sentirem valorizados, pois “sentem que têm carências linguísticas e desejam dominar a língua como aqueles que vivem em Portugal, até porque em Portugal existe uma grande falta de compreensão para com os emigrantes que não falam perfeitamente a língua”.

A grande maioria pretende aprender português de Portugal. Até porque há em Genebra muitos mais portugueses do que brasileiros. Segundo a professora Nazaré, muitos vêm aprender português por motivos profissionais, mas alguns também por motivos pessoais, “porque querem.

Carga horária

São oito horas semanais, divididas em três horas para iniciação, uma hora de trabalhos práticos e duas horas de seminário. No nível mais avançado da língua, há em média três horas de língua e duas horas de literatura. Os alunos de primeiro ano, que são de Letras e que obrigatoriamente têm de fazer outra disciplina para além da língua, fazem as duas horas de história do Brasil e de Portugal e do Império Português. “Eu lecciono oito horas, mas a unidade oferece semanalmente, em média, dez horas de ensino”, remata Nazaré Torrão.

Português ou “brasileiro”? 

Contrariando aquilo que se pensa frequentemente em Portugal, Nazaré Torrão diz que Portugal tem uma política mais afirmativa da língua no estrangeiro do que o Brasil. Reconhece uma maior presença do “Português do Brasil” no espaço digital, mas explica que é consequência de um muito maior grau de utilização por portugueses e brasileiros de sites informativos em língua portuguesa. No Brasil é praticamente obrigatório publicar na internet os trabalhos científicos, o currículo é estabelecido a nível nacional com base em trabalhos publicados na internet e “por isso encontramos mais artigos científicos de autores brasileiros e quase nenhuns de portugueses”.
Admite um maior interesse histórico e institucional pelo Brasil que por Portugal e avança um exemplo concreto: “No curso de Relações Internacionais havia uns vinte estudantes em História do Brasil e uns cinco ou seis em História de Portugal e do Império Português, e isto porque eram obrigados.”

Ensina Literatura de Portugal, do Brasil e da África lusófona. No primeiro ano ensina Português de Portugal. Como há sempre alunos que conhecem a norma do Brasil, nas primeiras aulas explica quais são as diferenças fundamentais entre o português e Portugal e o português do Brasil: “A utilização dos sujeitos, do ‘você’ e do ‘tu’, colocação dos pronomes, dou-lhes a conhecer a diferença de pronúncia, indico diferenças de vocabulário.”

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