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Uma viagem às culturas indígenas da Amazônia

Cerâmica da cultura Nazca, feita há 100 ou 200 anos antes de Cristo. (Museu Etnográfico de Burgdorf) Museum für Völkerkunde Burgdorf

O Museu Etnográfico de Burgdorf celebra seu centenário com a exposição permanente "Às margens do Amazonas". Ela mostra pela primeira vez ao público objetos de culturas indígenas do Peru, da Colômbia e do Brasil.

As peças – as de maior valor científico entre as mais de duas mil procedentes da América do Sul – oferecem um vislumbre do mundo cotidiano e das crenças dos habitantes da Amazônia. Um mundo que começou a desaparecer após seu encontro com o Ocidente.

O enfeite ostentoso de plumas de tucano é a “estrela” da exposição. Ao seu impactante efeito estético se junta um grande simbolismo. Suas cores brilhantes referem-se ao sol, fonte da vida. Essa criação da etnia Tucano parece estar conectada com pássaros e, através deles, com o céu, o cosmos, o mundo dos espíritos e o sobrenatural.

“O ornamento é único na Suíça e, provavelmente, na Europa”, diz orgulhosa Erika Burí, diretora do museu. “Um especialista trazido da Alemanha determinou seu valor científico”, acrescenta Alexandra Küffer, codiretora da instituição.

Ela é uma das 40 peças de elevado valor científico que o médico alemão Lothar Petersen vendeu ao Museu de Burgdorf em 1946. A coleção “foi comprada por 850 dólares, cerca de 3450 francos suíços na época. O custo de transporte de Bogotá a Burgdorf oscilou entre 500 e mil francos…O custo total corresponderia a cerca de 40 mil a 50 mil francos hoje em dia”, escreve a comissão de aquisição do museu.

A mostra também apresenta cerâmicas, instrumentos musicais, máscaras e tecidos decorados com figuras geométricas. “Começamos a revisar e a catalogar as peças sul-americanas com esta exposição”, afirma Bürki.

Objetos que “falam” de outros mundos

A exposição explica através das peças a forma de vida desses povos, a religião, as visões dos xamãs que ligam a vida cotidiana com o mundo invisível dos espíritos.

Porém, não é sempre fácil ilustrar o contexto cultural e espiritual de algo como as cabeças humanas reduzidas. As curadoras optaram por não mostrar essas peças, pois “são originárias dos jíbaros, um grupo étnico que, todavia, ainda existe. Não queremos transmitir a imagem falsa dos indígenas selvagens”, justifica a enóloga.

A coleção, que inclui objetos da época pré-colombiana até o século 20, “nos permite compreender a história fascinante dos povos amazônicos, como os tucanos, etnia desconhecida apesar da sua grande riqueza cultural”, assinala Küffer.

O começo do fim

Uma história cujo declínio começou com o encontro do ocidente. “Basta pensar em tudo de ruim que aconteceu durante o colonialismo e a evangelização, nessas tentativas de europeizar esses povos”, explica Bürki.

“Petersen, que conviveu com essas culturas e voltou a visitá-las nos anos de 1930 e 1940, quase não pôde reconhecê-los. O ‘boom’ da borracha havia destruído as bases da sua existência e os indígenas já não tinham mais identidade. Esse é o tema da exposição: esses objetos quase não existem”, analisa Küffer.

As enólogas sabem da luta travada hoje pelos indígenas amazônicos pela sua sobrevivência para salvar suas terras da exploração da madeira, petróleo, gás e minérios…”Existem grupos que entraram em contato conosco, que estão se organizando, mas é difícil ajudá-los”, diz Bürki.

Küffer lembra que as culturas também sofrem modificações. “Hoje os shipibo-conibo fazem essa pequenas cerâmicas somente para os turistas”. Seria correto ou não vender a própria cultura? “Creio que se deveria encontrar um caminho intermediário para preservar uma certa identidade. Por que impedir que essas populações também se beneficiem?”, sustenta Bürki.

Um queijeiro, pioneiro do museu

Uma das pessoas que colocou a primeira pedra para a criação do Museu Etnográfico foi Heinrich Schiffmann, cidadão nativo de Burgdorf, herdeiro de uma dinastia de queijeiros e doente de tuberculose como seu pai.

Schiffmann dispunha de uma grande fortuna e seguiu o conselho médico de mudar-se para regiões mais quentes. Na década de 1890, ele viajou de barco pelo mundo, incluindo a América do Sul, onde colecionou inúmeros objetos culturais. Antes de morrer em 1904, aos 32 anos, legou toda sua coleção à escola de Burgdorf.

“Esta coleção despertou em alguns estudantes o desejo de viajar e adquirir mais objetos de culturas estrangeiras. Em 1909, foi criado um museu próprio com os objetos acumulados, que se enriqueceu paulatinamente. Não faz muito tempo, um diplomata nos ofereceu uma seleção de objetos da sua rica coleção”, afirma Bürki.

Comércio ilegal de bens culturais

Em 1972, foi firmada a Convenção da Unesco contra o comércio ilegal de obras de arte. A Suíça, que tinha a reputação de ser uma plataforma para a transferência ilícita de bens culturais, ratificou o documento em 2003, 31 anos depois.

“Entre 1910 e 1920 houve uma verdadeira egiptomania. Hoje não é possível adquirir objetos introduzidos após 1972. É necessário saber aonde e como foram adquiridos. Cada museu etnográfico na Suíça tem a lista negra de bens culturais em perigo”, precisa Bürki.

A possibilidade de devolução das peças a seus países de origem é, segundo ela, “um tema atual que iremos certamente discutir por muito tempo. Posso imaginar que parte desses objetos sejam devolvidos. Isso já é feito pelo Museu das Culturas da Basileia com o Brasil.”

E Küffer acrescenta: “Essa possibilidade existe, sobretudo, com os restos humanos. Por exemplo, nos questionamos sobre o que irá passar com a múmia peruana que exibimos se esta exposição for para outro lugar. O objetivo não pode ser manter restos humanos em um depósito. Devolver essa múmia com todas suas peças funerárias seria viável. A cooperação é a solução.”

Enquanto não chega o momento do retorno, as pessoas interessadas podem viajar até as costas semidesérticas peruanas até as estranhas da Amazônia através de uma rapida visita ao Museu Etnográfico de Burgdorf.

Rosa Amelia Fierro. swissinfo.ch
(Adaptação: Alexander Thoele)

O Museu Etnográfico foi fundado em 1909 em Burgdorf, cidade conhecida desde 1850 pelos seus queijos e seus tecidos, exportados a vários países do mundo.

Heinrich Schiffmann deu o primeiro impulso para a sua fundação

Hoje o museu tem aproximadamente cinco mil objetivos de diversas civilizações na Ásia, África, América e Oceania, dentre eles exemplares de extraordinária qualidade e únicos na Suíça e inclusive na Europa.

Cerca de 90% estão armazenados em depósitos por falta de espaço.

A exposição “Nas margens do Amazonas” está aberta apenas nos domingos entre novembro e março e todos os dias entre abril e outubro.

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