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Programa completa 28 anos como exemplo de participação social

Cidadãos debatem durante o seminário sobre orçamento participativo local na Cinemateca Capitólio, em Porto Alegre, em 23 de março de 2017. Brayan Martins/ PMPA

Exemplos de democracia participativa pipocam por todo o planeta. Mas, quando se fala em vanguarda nesse modelo de gestão uma cidade brasileira tornou-se referência mundial. É Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, reconhecida por sediar as primeiras edições do Fórum Social Mundial, um contraponto ao Fórum de Davos. 

Além dos ex-craques de futebol Ronaldinho Gaúcho e Falcão, a cidade deu ao mundo o Orçamento Participativo (OP).  O programa nasceu em 1989 no governo de Olívio Dutra (PT) e permite a população propor e escolher obras e projetos de melhorias urbanas em 19 áreas prioritárias, que depois entrarão no orçamento do município. 

Completando 28 anos este ano, os números do OP impressionam: de seu nascimento até 2016 foram 9.268 demandas escolhidas. Agora, no governo de Nelson Marchezan Junior (PSDB), empossado em janeiro, o programa terá mudanças na sua característica: não apenas apontar onde o dinheiro será gasto, mas também discutir de onde virão as receitas.

Empoderamento social

Pensado para transformar em prática o empoderamento social a gênese do OP partiu de uma concepção verdadeiramente democrática. A de que o governo tem que ir onde o povo está, consultá-lo e colher o que o cidadão considera prioritário para sua região e a cidade. Desde o início o OP se estruturou em assembleias regionais abertas, espaços onde as demandas são elencadas, escolhidas no voto e depois entregues a Prefeitura até setembro, para então serem inclusas na Lei Orçamentária Anual (LOA) do ano seguinte. “É um instrumento poderoso de exercício da cidadania e controle público sobre o governante, para a máquina pública trabalhar com transparência e devolver cidadania.

Texto publicado no site#DearDemocracyLink externoLink externo, a plataforma sobre a democracia direta da swissinfo.ch.

E já no nascedouro evitar processos de corrupção, sem vaidade do governante ou pressão de grupos poderosos, mas controle cidadão e popular comunitário”, diz Olívio Dutra, um ex-bancário e líder comunitário e que depois viria a ser também governador gaúcho e ministro das Cidades na primeira gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Presidência da República. 

Olívio destaca que a partir da Constituição de 1988 e da redemocratização do País ficou nítido que era preciso fazer a discussão pública do orçamento e dos recursos para investimento na cidade, a partir de temas do interesse coletivo. E o OP era a melhor ferramenta para isso.  “E naquelas reuniões tínhamos curiosidade de saber como era a questão do orçamento, pois sempre se dizia que orçamento era cobertor curto, que tem duas pernas, a receita e despesa. Ou seja, discutir isso, saber quem paga imposto, quem não paga, anistia, isenção. Buscar um equilíbrio entre as duas pernas, senão fica claudicante”, conta ele. 

O caminho das propostas

Para que a organização social e a construção das propostas tivessem um caminho formal, o OP nasceu com um regimento interno. Atualmente, são 23 Assembleias (17 Regionais e 6 temáticas), onde se definem os quatro temas prioritários (de 19 possíveis) e são eleitos pelos votos dos participantes dois conselheiros titulares e dois conselheiros suplentes.

Cada participante da assembleia está vinculado a uma entidade da sua região e a cada dez participantes credenciados por uma mesma entidade, esta indica um delegado para compor o Fórum Regional do Orçamento Participativo (Frop) ou o Fórum Temático do Orçamento Participativo (Ftop).

Formato que também abriu espaço para o reconhecimento e fortalecimento de pessoas até então pouco ouvidas pelo poder público. Caso da União das Associações de Moradores de Porto Alegre (Uampa), nascida há 37 anos da consolidação dos conselhos populares. “Somos defensores e entendemos que o OP é uma ferramenta fundamental”, diz o presidente da Uampa, Getúlio Vargas Júnior. 

Ao fazer uma linha do tempo do OP, Vargas Júnior recorda que o programa se consolidou nos anos 90 pelas diferentes obras de infraestrutura consolidadas, como acesso asfáltico, regularização fundiária e redes de esgoto, mas avançou mesmo a partir dos anos 2000. “Acabou se aprovando ao final de 2001 o Estatuto das Cidades, via projeto de lei de iniciativa popular. E isso foi importante por que muito do que se tentava no município não se conseguia por falta de disciplinamento de lei federal, caso do IPTU progressivo, só regulamentado em 2001”, ressalta. 

Os resultados 

Balanço de março deste ano da Prefeitura de Porto Alegre revela que em 27 anos (1989-2016) o OP soma 9.268 demandas. Desse total, 6.873 concluídas (74,16%) até novembro de 2016, com outras 2.395 (25,84%) ainda em aberto. Quanto ao total de valores orçados e o efetivamente executado pelo Executivo, o secretário-adjunto da Secretaria de Relações Institucionais da Prefeitura, Carlos Siegle, esclarece. “Não dispomos desse número. Até 2003 o processo orçamentário era todo manual e não temos esses valores discriminados”, diz Siegle. Mas, argumenta. “Estamos com o Observa POA, uma ONG local, fazendo um levantamento que mostra que o índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de 2000 para 2010, onde houve monitoramento por região, que nós melhoramos em todas as regiões, principalmente na calota da cidade, na periferia”, garante ele. No exercício 2016/17 o OP dispõe de R$ 310,7 milhões para investimentos.

Os gargalos

Mas se o OP marcou pela democratização e acesso real a decisões de governo, nem tudo foram maravilhas. “O problema é que começou a aprofundar um aparelhamento da prefeitura. Tem regiões que lideranças do OP não são lideranças comunitárias, mas se perpetuaram por algumas temáticas. Criou distorção, aquele CC que não trabalha no gabinete, mas faz trabalho político”, critica Getúlio Vargas Júnior.

Olívio Dura foi deputado-federal (1986-1989), prefeito de Porto Alegre (1989-1993) e governador do Rio Grande do Sul (1999-2003) e ministro das Cidades (2003-2005). Arquivo pessoal

Posição acentuada pelo sociólogo André Luís Borges Martins, há mais de uma década estudando o OP na capital gaúcha e outras cidades brasileiras. “Quando não se coloca regras no papel e não se fiscaliza esse processo há margem para a fraude e corrupção. E o OP sofre hoje com desvios das suas regras”, afirma.

Para Martins, os governos petistas não tornaram lei o programa pelo medo de perder a influência da autoria e controle do projeto. “Além disso o OP não representa o todo da população, mas segmentos de vilas de Porto Alegre”, frisa. O sociólogo é taxativo ao afirmar que o programa perdeu sua razão. “O processo morreu porque já não é mais novidade como gestão e força de transformação para o eleitor médio, que avalia o governo. Há oito anos para terminar era impossível, hoje já não há legitimidade para esse eleitor médio”, opina Martins. 

Os novos rumos

Com assunção do tucano Nelson Marchezan Junior ao governo de Porto Alegre para o quadriênio 2017-2020 a sinalização é de novos rumos para o OP, que precisará se reinventar. A prefeitura aprovou a manutenção do mandato dos atuais Conselheiros (mandato 2016/2017) para o ciclo (2017/2018), mas, justificando cofres vazios, suspendeu a apresentação de novas propostas ao programa no biênio 20717/18 enquanto não for vencido o passivo de 2.395 demandas inconclusas. “Levamos ao Conselho do OP essa posição e foi o conselho que decidiu isso em 21 de março passado”, ressalta o secretário Carlos Siegle.

Pontua que até o fim da primeira quinzena de maio o colegiado deverá indicar quais projetos na fila de espera serão priorizados por região. “E a partir dessa priorização faremos a análise técnica e escolheremos”, explica ele. Siegle deixa claro que mudanças virão. “Vamos propor modernizações, alterações no OP.

Nada que mexa na sua essência, mas como o prefeito mesmo já disse, qualquer alteração passará pela aprovação dos conselheiros-delegados, mas a ideia é transformar o OP no mais real possível. Poderíamos discutir aumento de impostos municipais, salários do funcionalismo, gastos e receitas. Hoje se discute despesa, mas não a receita, de onde vai sair o dinheiro”, antecipa.  

O que é o Orçamento Participativo de Porto Alegre?

Processo onde a população em 23 plenárias públicas por região da cidade indica obras e propostas em 19 áreas temáticas (saúde, segurança, habitação, esporte e lazer, saneamento básico, pavimentação, educação, trabalho e renda, turismo, cultura, saneamento ambiental, transporte e mobilidade urbana, assistência social …).

Dessas, quatro são escolhidos como prioritários e encaminhados ao governo municipal, para inclusão na Lei Orçamentária Municipal.

Nas plenárias são eleitos pelos votos dos participantes dois conselheiros titulares e dois conselheiros suplentes. Cada participante da assembleia está vinculado a uma entidade da sua região e a cada dez participantes credenciados por uma mesma entidade, esta indica um delegado para compor o Fórum Regional do Orçamento Participativo (Frop) ou o Fórum Temático do Orçamento Participativo (Ftop). 

Total de demandas: em 27 anos (1989 até novembro de 2016) o OP soma 9.268. Desse montante, 6.873 concluídas (74,16%) até novembro de 2016, com outras 2.395 (25,84%) ainda em aberto.

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