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O cantão onde o voto é obrigatório

RDB

Quase um enclave dentro da Alemanha, Schaffhausen é o cantão suíço mais setentrional. E esta não é a única característica que o destaca entre os demais: é também o único cantão suíço – e um dos poucos lugares do mundo – onde o cidadão será multado se não votar.

A Assembleia Legislativa do Cantão de Schaffhausen votou a 17 de março último um aumento de 100% no valor da multa, que passou para SFr 6,- (equivalente a US$ 6,60). Pode parecer uma quantia irrisória, mas para os orgulhosos moradores e dirigentes desta região, a multa tem um valor simbólico.

Em uma linda manhã ensolarada de primavera, nosso trem chega à estação ferroviária de Schaffhausen. No caminho, acabamos de passar pelas Cataratas do Reno, a maior queda d’água da Europa. Após o desembarque, em poucos passos chegamos ao coração da compacta capital do cantão.

Embora seja cedo, as pessoas já estão circulando pela principal rua do comércio local, a Vordergasse, passando pela Haus zum Ritter, um dos vários prédios barrocos da cidade, cuja fachada é ricamente decorada com afrescos.

Schaffhausen é um cantão pequeno, com uma população de quase 80.000 habitantes, o que representa 1%  da população suíça. Embora o cantão tenha evoluído de muitas maneiras – um impulso recente para diversificar a economia orientada por Zurique trouxe para a região multinacionais como a Unilever – realmente existe ali um senso de tradição.

E este senso se reflete na atitude em relação ao voto. “O cantão de Schaffhausen é o único na Suíça onde o voto  ainda é obrigatório, tanto para votações quanto para eleições,” esclarece Stefan Bilger, secretário-geral do governo cantonal, de cujo escritório se vê o forte medieval de Munot, uma construção do século XVI, outro ponto turístico importante da cidade.

O voto obrigatório, comum no século XIX, foi abolido nos outros 25 cantões por volta da década de 1970, explicou-nos o alto funcionário do governo, cujas tarefas incluem acompanhar as votações. Mas o cantão de Schaffhausen votou várias vezes contra a iniciativa de abolir esta prática.

Leve pressão

“A vantagem da obrigatoriedade do voto é que os cidadãos são levemente pressionados a se envolverem com questões políticas,” afirmou Bilger à swissinfo.ch.

Na Suíça, que adota o sistema de democracia direta, os cidadãos são convocados algumas vezes por ano para votar questões importantes, seja através de referendos ou de iniciativas populares. A participação da população nas urnas em Schaffhausen é 15 a 20% maior do que a média suíça. A votação de 9 de fevereiro último, para limitar a imigração no país, atingiu no cantão uma participação de 70,5% dos eleitores, comparados com a média nacional que foi de 55,8%.

Bilger assegura que este resultado não se deve à multa. É relativamente fácil conseguir uma dispensa do voto. Entre as desculpas aceitas, e que não precisam ser comprovadas, estão viagens de férias e doenças, e basta uma notificação na cédula de votação. Além do mais, existe uma margem de três dias após a data de votação para a entrega da cédula eleitoral, sem necessidade de justificativa para o atraso.

Apenas se o eleitor não seguir nenhuma destas regras terá que pagar a multa, cujo valor atual é de SFr 3,00. Este valor normalmente é acrescentado a alguma conta oficial que o eleitor tenha que pagar no final do ano.

Este procedimento é bem mais tranquilo do que na Austrália – um dos mais de 20 países que têm voto obrigatório – que aplica uma multa de 20 dólares australianos (SFr 16,00), e o não pagamento da multa pode custar ao eleitor um processo penal.

Na Europa Ocidental: Bélgica, Luxemburgo, Liechtenstein, o cantão suíço de Schaffhausen, Chipre e Grécia.

Leis de obrigatoriedade do voto existem de alguma forma na maioria dos países da América Central e América do Sul com diferentes níveis de aplicação.

Na Austrália, o voto compulsório foi introduzido em 1924, principalmente como reação à baixa participação dos eleitores nas urnas.

Em Singapore o voto obrigatório foi introduzido em 1959. Em Fidji e na Tailândia apenas  em 1997.

(Fonte: Electoral Commission Britain, The International Institute for Democracy and Electoral Assistance / Comissão Eleitoral Britânica, Instituto internacional para a Democracia e a Assistência Eleitoral)

Responsabilidade civil

O que motiva as pessoas é a vontade de assumir a própria responsabilidade civil, afirma Bilger. E como prova ele afirma que o número de votos de pessoas que vão pessoalmente aos postos de votação é bem maior do que o número de votos enviados pelo correio.

“As pessoas veem o cumprimento do seu direito de voto como um privilégio e sentem até um certo orgulho.”

Este sentimento está claramente presente nas ruas da cidade. “Eu nunca me esqueço de votar e todos os meus conhecidos votam”, afirmou uma senhora aposentada, aparentando cerca de 70 anos, que caminhava nos vinhedos perto do forte de Munot. “Somos um cantão pequeno, muito compacto, e todo mundo se encontra nos locais de votação. É uma tradição daqui.”

“Eu sempre voto e meus amigos também,” afirmou um jovem de  vinte e poucos anos que fumava um cigarro ao sol no centro da cidade durante seu intervalo. “É importante levar o direito de voto a sério, especialmente quando há tantos lugares onde não se pode votar”, completou.

Mas ele admitiu que os jovens talvez não se interessem muito pela política. “Essa consciência só aparece realmente depois dos 20 anos”, concluiu.

Alguns não-eleitores vieram a público. O hoteleiro Rene Laville expos sua opinião quando foi entrevistado pela televisão pública suíça.

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De volta ao futuro?

O aumento da multa em 100% – como parte de uma revisão da lei eleitoral – sem nenhuma oposição na assembleia cantonal é sintomático. A opinião era de que a quantia, que permaneceu inalterada por mais de 40 anos, deveria ser corrigida de acordo com a inflação (o que, se levado ao pé da letra, teria feito a multa passar para SFr 7,-). Antes de 1973, a multa permaneceu em SFr 1,00 durante 100 anos.

O valor de SFr 6,- deve entrar em vigor em 2015 e vai contribuir para minimizar alguns custos administrativos do sistema de multas.

Norbert Neininger, o editor-chefe  e diretor do jornal local Schaffhauser Nachrichten, afirmou que o interesse do cantão nos debates políticos é o que dá vida ao seu jornal.

“Pode soar estranho, mas não acho que se deva facilitar o processo de eleições e votações, pois as pessoas precisam ter consciência de que o voto é um instrumento valioso,” afirmou Neininger à swissinfo.ch em seu escritório na rua Vordergasse.

Ele não tem muito apreço pelo voto pelo correio e prefere discutir as questões em casa e depois ir pessoalmente depositar seu voto. Ele sabe, porém, que as pressões da vida moderna nem sempre permitem que se compareça pessoalmente às urnas.

Alguns críticos argumentam que o voto obrigatório nem sempre significa que haja mais poder vindo do povo. É o que afirmou o cientista político Georg Lutz em uma entrevista para uma rede pública de televisão suíça.

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Os eleitores de Schaffhausen vão voltar às urnas em 18 de maio próximo. Os principais temas desta vez serão a introdução de um salário mínimo a nível nacional e a controversa compra de novos caças pela Força Aérea suíça.

A nível local, os cidadãos serão questionados se o cantão deve ser reorganizado, já que 14 das 26 comunas do cantão têm menos de mil moradores, o que encarece a administração local e a faz pouco eficiente.

Desta vez o povo de Schaffhausen não vai ser questionado se quer manter ou eliminar a obrigatoriedade do voto.

Schaffhausen é o cantão mais setentrional da Suíça, um enclave, com 80% do seu território circundado pela Alemanha.

É famoso por seus vinhos, especialmente o Pinot Noir, mas também pelas Cataratas do Reno, a maior queda d’água da Europa, que atraem três milhões de visitantes todos os anos.

Possui uma área de 298 km2, o que equivale a 0,7% do território suíço.

Cerca de 80.000 pessoas vivem neste cantão, e quase a metade da população vive na capital, também chamada de Schaffhausen. Quase 19.000 são estrangeiros.

Nos últimos vinte anos, Schaffhausen investiu forças para atrair indústrias e alta tecnologia e competir com cantões como Zurique, Vaud e Zug. Empresas como a Unilever, Bosch e os Laboratórios Abbott estão presentes no cantão. Wal-Mart e John Deere têm suas sedes principais no cantão.

(Fonte: Cantão Schaffhausen, Ofício de Turismo de Schaffhausen: Schaffhauserland Tourism, swissinfo.ch)

Adaptação: Fabiana Macchi

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