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Uma viagem ao Monte San Giorgio

O monte San Giorgio com o vilarejo Brusino Arsizio abaixo. Keystone

Mesmo se o Ticino pertence à Suíça, o cantão no extremo sul do país lembra mais uma Itália ensolarada, cheia de sabores, mas bem organizada. Uma das suas "pérolas" é a capital Bellinzona, cujos castelos foram tombados como patrimônio mundial pela Unesco em 2000.

E não muito distante o monte San Giorgio, um lugar que convida turistas a fazer uma viagem de 250 milhões de anos no passado. Entre fósseis e vinho Merlot, uma experiência inesquecível.

A viagem começa no fim de uma tarde ensolarada no terraço do Serpiano, um hotel escondido no meio das florestas numa colina do monte San Giorgio. O gerente pega no braço dos jornalistas e os leva até o último andar do prédio. “Tenho uma surpresa para mostrar”, diz o simpático italiano. Ao abrir a porta do sótão, ele pede aos hóspedes que caminhem sobre o teto com cuidado até a murada. Lá se descortina uma paisagem de perder o fôlego: grandes montanhas cortadas pelas águas cor de esmeralda do lago de Lugano e pequenos vilarejos coloridos às suas margens.

“Estamos na Suíça italiana”, explica a representante do órgão local de turismo e passa os copos de vinho branco de uvas Merlot. Para alguns, a primeira impressão de latinidade vem no trem Cisalpino, que sai de Zurique e vai até Milão. Os anúncios no auto-falante são feitos primeiro em italiano. Os passageiros falam mais alto do que no resto da Suíça e alguns podem até tirar um salame da mala e cortá-la na mesa. Ao atravessar os Alpes pelo túnel do Gotthard, outros têm a impressão do céu se tornar mais luminoso e alegre.

No dia seguinte, Andrea Tintori, professor de paleontologia da Universidade de Milão, convida o grupo a fazer um passeio pelas matas do monte San Giorgio. A trilha leva a diversos sítios de escavações, onde ele e sua equipe já trabalharam por muitos anos. “Este é um dos locais mais importantes do mundo para o estudo da fauna terrestre no período do Triássico”, relata, lembrando do período compreendido entre 251 milhões e 199 milhões de anos atrás. Com uma pequena picareta, Andrea quebra pedaços de sedimentos e explica que mais de 10 mil exemplares de fósseis, dos quais 30 espécies de répteis e 80 de peixes já foram encontradas na área protegida de 849 hectares.

Patrimônio tombado

Não é de se espantar que a idéia de apresentar o monte San Giorgio à Unesco tivesse partido de um geólogo. Markus Felber elaborou praticamente sozinho o dossiê e viu seu esforço ser recompensado em 2003. Como reconhecimento, seu nome foi dado a um fóssil de uma espécie de peixe – Felberia excelsa – descoberto por dois pesquisadores italianos e conservados no Museu cantonal de História Natural de Lugano.

Porém o monte San Giorgio não se limita à pré-história. Mesmo um pesquisador dedicado como Andrea Tintori não ignora os prazeres gastronômicos da região. Depois de apresentar o minúsculo Museu de Paleontologia de Meride, um idílico povoado no cume da montanha, ele leva os jornalistas por uma pequena estrada ladeada de figueiras a um dos seus lugares preferidos: um tradicional “grotto”, cabanas rústicas utilizadas no passado por camponeses para armazenar vinho, linguiças e outros mantimentos.

Hoje esses espaços são restaurantes que só abrem nos meses quentes e são especializados em servir pratos típicos da cozinha rural do Ticino. A especialidade do grotto de Fossati, em Meride, é a polenta, cozinhada em forno de lenha e panela de cobre. Ela acompanha ossobuco e cogumelos cozidos com legumes. Na mesa vizinha, um grupo de músicos americanos, membros de uma banda de blues que se apresenta em um festival local, degustam um “nocino”, uma espécie de licor de nozes. “Seu segredo é que cada família da região tem sua própria receita. Cada um tem seu próprio gosto”, revela Riorella Lupi, que administra o local com seu esposo, Mario.

As impressões gastronômicas fazem esquecer que toda a região era o fundo de um oceano de 100 metros de profundidade em uma região subtropical há 200 milhões de anos. O guia faz então um salto na história e leva os jornalistas para a Idade Média.

Castelos de Bellinzona

A capital do Ticino, com apenas pouco mais de 17 mil habitantes, acaba eclipsada pelas cidades de Locarno e Lugano. Talvez elas sejam mais procuradas pelos turistas pela sua localização à margem do lago. Muitos dos visitantes do famoso festival de cinema de Locarno acabam só vendo a zona industrial de Bellinzona ou a pequena estação de trem. Porém essa cidade esconde as verdadeiras “jóias” do Ticino.

Ela é um paraíso para fãs de castelos medievais. Localizada estrategicamente na base dos desfiladeiros do Gotthard, Lucomagno e San Bernardino nos Alpes e a Lombardia na Itália, Bellinzona foi durante séculos o ponto de controle e migração de povos entre norte e sul do continente europeu. Não é à toa que os primeiros a construir fortificações no local foram os romanos.

O menor e mais recente castelo, Sasso Corbaro, é também o mais elevado. Dos seus muros é possível avistar a planície de Magadino e o lago Maggiore. Construído em 1479, ele servia para complementar o sistema de defesa da cidade. Hoje abriga um restaurante fino e salas de exposições.

Já o segundo castelo, Montebello, foi construído em cima de um rochedo, na parte leste, no final do século 13. Provavelmente para ser residência da família Rusca. Seu fosso, torres, muralha e pontes movediças poderiam servir de cenário para filmes de época. Largado ao abandono no século 19, ele só começou a ser reformado em 1903. Atualmente abriga o Museu cívico e sua coleção arqueológica, além de receber anualmente uma festa anual no estilo da Idade Média, a “La Spada nella Rocca”.

O maior castelo e o mais antigo, Castelgrande, tem suas origens no século 4 d.C. Construído em cima de uma rocha de granito no seu centro histórico, com vista de 360° para o vale, ele passou por várias reformas durante os séculos. As mais marcantes ocorreram na época do ducado de Milão entre o século 14 e 15, quando se transformou em uma verdadeira fortaleza. Mesmo quando Bellinzona entrou, em 1503, para a Confederação Helvética, sua importância militar foi mantida.

A restauração dos castelos de Bellinzona ocorreu em diferentes épocas. O Sasso Corbaro foi reformado pelos arquitetos Tita Carloni (1964) e Paola Piffaretti (2005). Já Montebello, em 1972 por Mario Campi. O “renascimento” de Castelgrande ocorreu pelas mãos do arquiteto Aurelio Galfetti entre 1982 e 1992. Oito anos depois, o conjunto inteiro era declarado patrimônio da humanidade pela Unesco.

A “alma” do Ticino

A guia de turismo, Julie Guidotti, é originária dos Estados Unidos, mas adora sua cidade de adoção. Os dados históricos estão na ponta da língua. Através do centro, ela explica pela fachada dos prédios como a arquitetura italiana está presente em Bellinzona. Um exemplo é o teatro construído em 1847 pelo arquiteto milanês Giacomo Moraglia. Ele ocupa o espaço onde ficava, no passado, o antigo fosso frente ao portal da cidade.

Porém o grande segredo de Bellinzona não está relacionado à história. “Se você quer conhecer realmente a cidade, venha no sábado pela manhã. É o dia do mercado, quando produtores de todo o Ticino vem para cá vender seus produtos. Além de encontrar tanta coisa gostosa, ainda aproveito para saber das novidades”, revela, admitindo ter se tornado um pouco italiana…na Suíça.

Alexander Thoele, swissinfo.ch

Patrimônio cultural

– Cidade antiga de Berna (1983),
– Convento de St. Gallen (1983),
– Convento beneditino St-Jean-des-Soeurs em Müstair (1983),
– Castelos de Bellinzone (2000),
– Vinhedos em terraço do Lavaux (2007),
– Estrada de ferro no desfiladeiro de Albula e de Bernina (2008).
– Cidades relojoeiras La Chaux-de-Fonds e Le Locle (2009).

Patrimônio natural

– Região da geleira do Jungfrau-Aletsch-Bietschhorn (2001),
– Monte San Giorgio (2003),
– Arena tectônica suíço de Sardona (2008).

“O local é o melhor testemunho da vida marinha na época do Triássico (período compreendido entre 251 milhões e 199 milhões e 600 mil anos atrás) e apresenta igualmente vestígios da vida terrestre.”

“Os fósseis lá encontrados são variados e numerosos, dos quais muito estão em perfeito estado de conservação.”

“O estudo do sítio e a gestão disciplinada dos seus recursos criaram uma coleção bem documentada e catalogada de espécies de qualidade excepcional.”

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