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“A Suíça multicultural é uma fonte de inspiração”

Regina Ribeiro e o músico Claude Bowald em Schwellenmätelli, em seu lugar preferido em Berna. swissinfo.ch

Cantora, bailarina, professora, formada em marketing e publicidade. A paulista Regina Ribeiro é uma mulher multiface que, depois de um périplo pelo mundo, chegou à Suíça há 27 anos.

A partir de Berna, onde vive, difunde a música e dança brasileiras com influências de todo o mundo. Em entrevista à swissinfo.ch ela fala de suas dificuldades e possibilidades como artista do sul na Suíça de hoje.

Regina Ribeiro já tem uma longa carreira e muitas histórias para contar. Não escolheu cantar ou dançar, mas fazer as duas coisas, quase ao mesmo tempo. Na entrevista a seguir, ele explica o significado da dança afro-brasileira para o público europeu e fala, entre ouras coisas, da riqueza da multiculturalidade que encontrou na Suíça.

swissinfo.ch: Como você foi marcada artisticamente pela Suiça?

Regina Ribeiro: A música e a dança afro-brasileiras são a base do meu trabalho. Mas observar a disciplina e a dedicação com que meu esposo Teddy Bärlocher, músico suíço, trabalhava no Brasil, me chamou a atenção e me inspirou. Ele mostrou-me novas formas de trabalhar independentemente de aulas.

A Suíça me marcou pelo interesse, respeito e reconhecimento que o povo deste país sempre mostrou pelo meu trabalho. A organização e a infraestrutura que me ofereceu, permitiu que eu pudesse continuar desenvolvendo e aprimorando minha arte.

A interculturalidade que existe na Suíça nos últimos 15 anos me inspirou muito e motivou-me para participar e realizar projetos com artistas suíços e do mundo inteiro. A oportunidade de poder ter contato direto com estes artistas é sem dúvida muito enriquecedor.

A localização geográfica da Suíça foi muito importante para mim principalmente no anos 80 e 90, pois permitiu que eu pudesse trabalhar em toda a Europa. A tranqüilidade e o silêncio, que no início eram um tédio em minha vida aqui, com o tempo transformaram-se em fatores positivos para minhas fases criativas. E aqui pude praticar e aprimorar os idiomas que falo, fator importantíssimo para a realização de meus projetos interculturais e para o lado pedagógico minha carreira.

swissinfo.ch: Quais são as principais barreiras e possibilidades para um artista do Sul na Suíça?

RR: Antes de ministrar cursos como professora de dança afro no conservatório Santa Rosa em São Paulo, fiz um curso de marketing e publicidade e trabalhei seis anos em funções administrativas, acumulando assim experiências que colaboraram para o sucesso do meu trabalho no exterior.
O fato de Teddy Barlocher ter sido um músico muito respeitado aqui, também colaborou para a divulgação de nossos projetos quando chegamos. O sucesso de um artista estrangeiro na Suíça dependerá da organização e seriedade do artista, da determinação, da perseverança, do equilíbrio, da força de vontade, além do talento e de muito trabalho.

As principais dificuldades na minha opinião são o domínio do idioma (pelo menos um dos 3 idiomas oficiais); encontrar uma agência que promova e venda o trabalho, ou uma pessoa que se ocupe da organização e do trabalho administrativo; poder organizar-se para vender seu próprio trabalho se necessário e manter firme o objetivo, independente das dificuldades, da saudade, da solidão e dos outros problemas.

swissinfo.ch: É possível viver aqui só do arte?

RR: E possível, mas na maioria dos casos o trabalho de palco deve ser combinado com o trabalho de aulas. Com a recessão, que também atingiu a Suíça, o orçamento para a cultura, como sempre, foi o primeiro a ser seriamente afetado. Por esta razão a situação mudou muito nos últimos anos. Hoje em dia, a realização com sucesso de um projeto requer muito mais tempo e energia que há dez anos.

swissinfo.ch: Seu grupo é multicultural. Com quem você trabalha você mais de perto?

O baixista Toni Schiavano está comigo desde o início do meu projeto atual: “Relacionamentos”. Ele participou da fase em que iniciamos o trabalho das composições e tocou com a banda de estreia em 2006; com o percussionista Luis Ribeiro (meu irmão radicado em Viena) e o guitarrista suíço Sandro Schneebeli.

Com Toni, Florian Reichle (baterista e percussionista suíço) e Elias Moreira (brasileiro), podemos ver o resultado do trabalho que desenvolvemos há dois anos com a segunda fase do projeto que iniciou-se após a gravação do CD. Antes de começar o trabalho comigo, Toni e Florian, formados pela escola de jazz de Lucerna, estudaram e pesquisaram no Brasil e na África.

Em nosso último concerto contamos com a presença do músico, compositor, arranjador e maestro Claude Bowald, mais novo integrante da banda, que além de enriquecer nosso repertório com maravilhosos solos de guitarra, nos surpreende com encantadoras ideias para back vocais. O encontro entre diferentes personalidades e culturas e a bagagem musical de cada artista cria uma intensa alquimia. O nível destes profissionais é altíssimo e acrescentam muito para a boa qualidade da minha música.

swissinfo.ch: Com eles você consegue uma maior proximidade como público suíço?

RR: Dependendo de onde tocamos, os músicos suíços trazem uma parte do público, mas não é possível generalizar esta questão. Acredito que o público suíço gosta do meu trabalho pela proposta diferenciada com que represento a cultura afro-brasileira. Eles dizem que não conheciam esse lado do Brasil.

swissinfo.ch: Como você vive sua condição de mulher negra na Suíça?

RR: Aqui vivo minha negritude de diversas formas. Depende muito do meu estado de espírito. Por exemplo, na semana passada fui ao lago de Locarno sozinha e senti-me uma turista comum. Quando trabalho, sinto-me uma artista estrangeira, sinto-me especial e normalmente sou muito bem tratada. Em certos lugares na Suíça, como certos vilarejos, tenho que fortalecer muito minha autoimagem e autoestima, pois as pessoas me olham com certa superioridade.

Em tais situações, é a minha ‘real autoimagem’ quem comanda “meu emocional”. Minha identidade de mulher negra pode balançar se meu estado de espírito estiver fraquinho ou se eu for pega de surpresa por uma situação violenta.

swissinfo.ch: Diz-se que todo começo é difícil.

Nos primeiros dez anos tive problemas sérios com minha condição de mulher negra devido ao desrespeito por parte dos homens. Eu podia ler no olhar deles que me viam como uma prostituta. Isto foi um grande choque pra mim que estava chegando dos Estados Unidos, onde nunca havia me deparado com situação tão grave.

Demorou 11 anos para eu criar uma defesa contra este tipo de situação e resgatar totalmente minha autoestima e sensualidade que havia perdido por medo de ser confundida.

Em certa ocasião, viajava com dois amigas brasileiras por uma estrada nacional. Nos perdemos e paramos numa oficina para pedir informação. Quando abri a porta, uns seis homens riram de mim, falaram algumas abobrinhas e me perguntaram: O que você quer? Com muita tranqüilidade respondi em alemão: respeito. A atitude deles mudou na hora.

A consciência de que não sou mais nem menos do que outras mulheres, que as diferenças são complementares, dão-me a tranqüilidade de andar com meu corpo reto e minha cabeça erguida, acompanhado do meu leve rebolado, movimento típico das mulheres da raça negra.

swissinfo.ch: O que você mais valoriza deste país?

RR: A Suíça é minha segunda pátria. Foi muito incrível ao desembarcar em Zurique no final de 1992, pela primeira vez senti-me em casa. Nesta mesma época, passei a dedicar-me mais aos idiomas alemão e suíço-alemão. O que mais valorizo hoje na Suíça e a natureza, a honestidade das pessoas, a qualidade do atendimento no comércio, a seriedade na organização dos eventos artísticos e o intercâmbio com artistas do mundo inteiro.

Rosa Amelia Fierro, swissinfo.ch

Regina Ribeiro nasceu em São Paulo, onde passou sua infância e juventude.

Aos 23 anos foi para os Estados Unidos, onde representou o Brasil no Festival Lowell Arts, dirigiu workshops em Boston e aprimorou seus estudos de dança em Nova York.

Em 1983 veio para a Suíça. Desde então participa de projetos interculturais.

Há 27 anos trabalha em diferentes setores e países, com projetos de formação e turnês.

Apresentou-se no Brasil, Estados Unidos, França, Alemanha, Áustria, Itália, Escandinávia, Costa do Marfim, Gana, Japão e Suíça.

Trabalhou com artistas como: Arthur Beat, Talib Kibway, Teddy Bärlocher, Zé Eduardo Nazário, Fábio Freire, Sérgio Otanazetra, Noel Ekwabi, Glaucus Linx, Jon Otis, Billy Summers, Susanne Daeppen, Paco Yê, Farafina, Marianne Harklees, Othella Dallas.

Toni Schiavano (Berna), baixista, compositor e arranjador
Elias Moreira (Boa Vista/Zurique): guitarrista e vocalista.
Florian Reichle (Zurique), baterista e percussionista
Claude Bowald (Basileia): guitarrista e vocalista
Luiz Ribeiro (S.Paulo/Viena): percussionista, baterista, compositor e arranjador.
Fábio Freire (S.Paulo/Basileia): percussionista
Drissa Sanon (Bobo Diolasso/Solothurn): percussionista
Naïma Barlocher (Berna/S.Paulo): sua filha, bailarina
Isabel Lunkembisa, Luanda/Zurique: coreógrafa e bailarina
Moritz Stäubli (Berna), bailarino
Reinier Powell (Havana/Zurique): bailarino
Seu projeto atual, ‘Relacionamentos’ tem 4 versões em que atuam indistintamente esses artistas.
Além dos membros do seu grupo, tem contato com outros artistas brasileiros com Mauro Martins (baixista, baterista e guitarrista que tocou e colaborou como assistente de produção musical do seu CD), Dudu Penz, Ademir Cândido e Fábio Freire.

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