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“Elas sabiam que sou contra a prostituição”

O fotógrafo acompanhou mulheres e transexuais por 8 meses. Jacek Pulawski

O polonês-suíço Jacek Pulawski ganhou um dos mais importantes prêmios da fotografia suíça com um trabalho sobre transexuais e prostitutas em Chiasso.

Os brasileiros retratados, como confessa o próprio fotógrafo, não tinham problemas em mostrar sua triste realidade. O resultado: imagens discretas, mas cheias de emoção.

O principal prêmio de um dos mais importantes concursos de fotografia da Suíça – o Swiss Photo Award – foi atribuido a um trabalho realizado no Ticino, sul da Suíça. Porém Jacek Pulawski não é um fotógrafo como os outros: além de autoditada, ele é um polonês que vive desde 1999 nesse cantão (estado) de expressão italiana.

Nas suas palavras, a série em preto-e-branco intitulada “Um final de semana com um transexual em Chiasso” trata da prostituição no Ticino, uma atividade exercida em sua grande maioria por pessoas de outras nacionalidades. “Atraídos pela oportunidade de ganhos profícuos e rápidos, os trabalhadores do sexo de origem estrangeira vêm ao país na esperança de construir um futuro melhor.”

Ao contrário de apenas ser um relato da realidade, as imagens de Pulawski servem como uma alerta. “Muitas vezes o que lhes atrai é a falsa imagem de uma Suíça rica e aonde a vida é fácil. Essa ilusão desaparece em poucas semanas, revelando histórias de exploração e grande sofrimento. O alto custo de vida, a ilegalidade e os confrontos com a polícia são a causa de ansiedade, que muitas vezes levam estas pessoas à triste solidão do isolamento…”

swissinfo.ch entrevistou-o por telefone.

swissinfo.ch.: Como foi fazer esse trabalho?

Jacek Pulawski: Apesar do título, o fato é que acompanhei essas pessoas durante oito meses de forma permanente, encontrando-as duas a três vezes por semana.

swissinfo.ch: Porém esse não é um meio que costuma ser avesso às câmaras fotográficas?

J.P.: Quando você aborda uma pessoa de forma natural e também é honesto com ela – isso não significa dizer tudo, mas simplesmente não mentir – então esse tipo de trabalho pode funcionar. E se você a acompanha por oito meses, isso cria uma forte confiança entre mim e ela.

swissinfo.ch: Então foram oito meses de convívio e não apenas um final de semana?

J.P.: Sim, não apenas tive com essas pessoas, mas também eu as acompanhava à igreja. Elas sabiam que eu era contra a sua profissão, mas não lhes dizia que estavam fazendo algo errado. Eu mostrava-lhes como elas são exploradas e algumas reagiam reclamando ou até chorando. Tentei propor-lhes outras soluções.

swissinfo.ch: Mas o senhor era contra o que?

J.P.: Contra a prostituição, apesar de ela existir na sociedade. Prostituição é como política: existe desde que a humanidade está na face da terra. Porém sou contra! Com as minhas fotos tentei mostrar a essas mulheres e homens do Brasil o que lhes espera quando sonham em vir à Suíça ou Europa para fazer esse tipo de trabalho.

swissinfo.ch: Você fotografou brasileiros?

J.P.: Não só. Fiz fotos com uma mulher do Cazaquistão que aceitou que eu a fotografasse. Mas em grande parte trabalhei com brasileiros.

swissinfo.ch: E por quê?

J.P.: Eles são mais abertos, mais católicos. Paraos sul-americanos, essa abertura é uma forma de verdade. Antes a Polônia era assim também, mas hoje isso mudou. Quando procurei essa sinceridade, era impossível deixar de esbarrar em brasileiros. As prostitutas polonesas, por exemplo – eu conhecia três – achavam que eu queria prejudicá-las. Elas fizeram um grande teatro, sobretudo porque pensavam que eu, como um fotógrafo polonês, iria destruir a imagem delas na Polônia. E por quê? Pois elas mentiram em casa. Seus familiares pensam que estão fazendo outra coisa na Suíça.

swissinfo.ch: E como foi a reação dos brasileiros?

J.P.: Eles disseram simplesmente “mas que boa ideia” e que tinham tempo para me ajudar. E para mim, o mais importante é dizer que, antes de tudo, sou um ser humano e que eu iria lhes acompanhar e estar com elas. Até dei meu número de celular para um caso de emergência, caso precisassem da minha ajuda. Os bordéis aqui em Chiasso têm sempre muita rotatividade e uma pessoa pode ser colocada rapidamente na rua. Por isso até cheguei a abrigar uma mulher na minha casa, durante dois dias. Eu deixei que ela usasse a minha cama até conseguir arrumar outro trabalho na parte alemã da Suíça. Durante esse tempo eu estava em Varsóvia.

swissinfo.ch: Na autodefinição do seu trabalho, você fala de decepções com a realidade encontrada na Suíça. Como isso funciona?

J.P.: São fatos. Eu não falo português, mas como é muito parecido com o italiano era possível compreender o que diziam. Essas pessoas chegam falando que querem juntar dinheiro para depois montar um negócio no Brasil. O Júlio falou claramente que se prostituía para montar um bar em uma praia do Rio de Janeiro. Ele voltou e parece que conseguiu realizar seu sonho. Porém é um dos poucos que conseguiram. Ele era um sujeito muito positivo, cheio de força. Eu gostava muito dele…

swissinfo.ch: Júlio é um dos transexuais que aparecem nas fotos?

J.P.: Sim, era uma pessoa com muita força. Ele também ajudava muitas prostitutas, arrumando moradia para elas, por exemplo. Elas riam bastante com o Júlio.

swissinfo.ch: Parece que ele não dá a impressão de ser uma vítima?

J.P.: Sim, eu o acompanhei durante um mês. Mas muitas vezes ele mostrava também que era uma pessoa só. Mas algumas das suas amigas não escondiam o desespero. Muitas delas vieram à Suíça pensando que iam ganhar dinheiro rápido. Mas a realidade é que tem de pagar para fazer propaganda, que lhes custa 50 francos por dia. Também a situação de moradia é uma exploração absoluta: esses trabalhadores do sexo dividem um buraco com três pessoas, no qual cada um tem de pagar 100 francos suíços por dia.

swissinfo.ch: Transexuais e prostitutas brasileiras formam um grupo?

J.P.: Os transexuais têm problemas entre eles, pois, como o Júlio me explicou, existem muita inveja. Mas com as mulheres os transexuais se dão bem, já que os dois não concorrem pelos mesmos clientes. Tive muita sorte de ter encontrado o Júlio, pois ele me abriu todas as portas para esse mundo, os bordéis e as pessoas. Para mim ele é o verdadeiro ganhador do projeto.

swissinfo.ch: Quantos transexuais e prostitutas brasileiras trabalham em Chiasso?

J.P.: São muitos. É muita gente. Mas não existem números oficiais.

swissinfo.ch: E quanto aos brasileiros que você encontrou: o que eles tinham em comum?

J.P.: (risos). Saudade! Essa era a palavra que eu mais escutava. Todas sonham em voltar. Afinal, elas sofrem não apenas pela vida que levam, mas também pela falta de contato social. Elas necessitam de um espírito mais aberto, de “fiesta” ou do sorriso no rosto das pessoas. Porém existe muito pouco disso aqui na Suíça.

swissinfo.ch.: Assim como os personagens dos seus trabalhos, você também tem origens estrangeiras (polonês). Há quanto tempo está na Suíça?

J.P.: Desde 1999.

swissinfo.ch: E sempre trabalhou com fotografia?

J.P.: Não, mas sempre sonhei em me tornar fotografo. Em 2000, aos 20 anos, me candidatei na Reuters para trabalhar como fotógrafo. Foi uma burrice, pois não tinha nenhuma ideia de fotografia. Era só um sonho. Então compreendi que o mais importante era trabalhar em mim mesmo. Eu faço agora o que eu sinto.

swissinfo.ch: Você é um autodidata?

J.P.: Sim, mas também já fiz um workshop na National Geographic. Quando lhes mostrei meu primeiro trabalho, a recepção foi muito positiva. Então os professores disseram que, na realidade, era para eu sair às ruas e começar a tirar fotos. Foi meio chato, pois tinha gasto bastante dinheiro para fazer esse curso, mas eles decidiram me motivar dessa forma agressiva. Uma mensagem importante foi dar bastante valor à edição do trabalho. Outra foi de não me preocupar com as minhas vaidades, mas sim com a mensagem contida no meu trabalho.

swissinfo.ch.: E como você sente de ganhar o Swiss Photo Award de 2009?

J.P.: Eu estou muito orgulhoso. É uma grande honra para mim ter ganho esse prêmio como um fotógrafo do Ticino e de estar representando, com isso, a Suíça. É como dizer que também pertenço a este país. Meu sonho agora é poder fazer um livro, nem que seja dentro de 20 anos. Só espero que alguém me ajude a fazê-lo.

Alexander Thoele, swissinfo.ch

Jacek Piotr Pulawski nasceu em 1978 em Breslávia, Polônia.

Vive desde 1999 na Suíça.

Trabalha como fotógrafo para jornais e revistas da Suíça. Seu trabalho é distribuído através da agência Keystone, baseada em Zurique.

Atualmente trabalha em um projeto sobre a fé na Suíça.

Seu trabalho sobre candidatos a asilo político em Chiasso foi publicado por várias mídias, inclusive também a swissinfo.ch. Clicar na galeria “Clandestinos de Chiasso” acima.

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