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O planeta que não devia existir

Visão do artista do planeta Kepler-10c, com sua estrela (Kepler-10a) e seu companheiro planetário Kepler-10b, um pequeno mundo de lava em fusão. Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics/David Aguilar

Um planeta desafia a teoria sobre a formação dos corpos celestes. Ele está na constelação do Dragão, a 560 anos-luz da Terra. Pela sua massa, este monstro apelidado de "planeta Godzila", deveria ser uma esfera de gás. Na verdade, ele é um amontoado de pedras. Em Genebra e em Harvard, os astrofísicos que o descobriram estão perplexos.


Ele nem chamaria mais a atenção, pois já tinha sido observado e assinalado. Desde 2011, o catálogo dos planetas que orbitam em torno das estrelas distantes do nosso sistema solar deu ao astro um nome e um sobrenome: Kepler-10c. O número indica que ele foi o décimo planeta descoberto pelo telescópio espacial norte-americano Kepler.

Então, por que todo este frenesi, três anos depois? A questão é que nem tudo tinha sido descoberto. O telescópio Kepler- como o seu homólogo franco-europeu Corot – foi construído para reconhecer os exoplanetas (planetas extrassolares), através do método de trânsito. Ele mede a diminuição da luminosidade de uma estrela quando um planeta atravessa a sua frente. A partir desta informação, os cientistas deduzem as dimensões do astro celeste e o tempo de rotação ao redor da sua estrela.

Na época da sua descoberta, o diâmetro de Kepler-10c media 29 mil quilômetros (2,3 vezes o da Terra) e ele foi registrado no catálogo, provisoriamente, como “mini Netuno”, ou seja, uma esfera de gás.

Para obter mais informações sobre estes novos planetas, os astrofísicos tentam determinar a massa. Esta é a missão dos espectrógrafos, combinados com grandes telescópios no chão, que medem a velocidade radial das estrelas. Em outras palavras: calculam as mínimas perturbações de suas viagens pela provável galáxia, graças à presença de planetas.

O vídeo explica melhor estas duas metodologias de revelação (trânsito e velocidade radial)

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Bilhões de mundos a descobrir

Este conteúdo foi publicado em Desde a descoberta dos pesquisadores suíços Michel Mayor e Didier Quéloz em 1995, o catálogo de planetas orbitando volta de estrelas que não são o sol (eles são também conhecidos como exoplanetas) aumenta a cada semana. Se já dispomos das primeiras fotos, a detecção desses mundos distantes centenas de milhares de bilhões de quilômetros ocorre…

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Atualmente, os dois espectrógrafos de maior precisão foram construídos no Observatório da Universidade de Genebra. Cada um deles está localizado num hemisfério diferente. O HARPS-Norte, ao contrário do HARPS-Sul, está pouco acima da linha do Equador, na ilha de Las Palmas, no arquipélago das Canárias. Ele foi o responsável pela descoberta do valor da massa e, como consequência, pelo cálculo da densidade de Kepler-10c. O estudo foi publicado na revista Astronomy&Astrophysics, no começo do mês de junho, e pegou de surpresa os especialistas em planetas extrassolares, os exoplanetas.

“Com uma densidade como esta, ele não pode não ser composto por rochas”, explica Boston Xavier Dumusque, principal autor do artigo. “Foi uma grande surpresa quando nos demos conta do que tínhamos descoberto. O resultado contradiz os modelos de formação dos planetas que tínhamos desenvolvido nos últimos dez anos e que, até agora, sempre foram respeitados. Isto significa uma espécie de revolução.”

“A formação dos planetas, assim como a conhecemos hoje, começa sempre a partir de uma grande nuvem gasosa ao redor de uma estrela”, esclarece o jovem astrofísico franco-suíço, que estudou em Genebra e em Porto, antes de passar pelo Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics. “Esta nuvem não contém mais de 1% de material pesado, que formaria o núcleo dos planetas. O resto é formado por elementos em estado gasoso.”

Ao longo das centenas de milhões de anos necessários para o nascimento de um planeta, a força de gravidade do núcleo atrai os gases. E se o núcleo for suficientemente pesado, vai acabar atraindo toda a nuvem inicial, dando forma aos gigantes gasosos semelhantes aos quatro planetas do nosso sistema solar (Saturno, Urano, Netuno e Júpiter) e aos milhares de exoplanetas descobertos até hoje.

Segundo o atual modelo aplicado, um planeta que supere 10-12 vezes o peso da Terra deve, obrigatoriamente, «aspirar» a sua nuvem e transformar-se num gigante gasoso. Kepler-10c tem 17 vezes o peso da Terra. “Não compreendemos porque seja um planeta rochoso. Mas vamos encontrar a resposta”, observa Dumusque.

Enquanto o enigma não é decifrado, o seu colega de Harvard, Dimitar Sasselov, batizou de “planeta Godzila”, este primeiro representante da inesperada categoria dos “Mega-Terras”, em homenagem ao rei de todos os monstros.

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Kepler-10c pourrait réécrire l’histoire de l’univers (en anglais)

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Mas o planeta que não deveria existir pode ser habitado? Os especialistas que se manifestaram depois da descoberta não parecem acreditar nesta hipótese. Provavelmente, o planeta teria a superfície muito quente, pois completa uma volta ao redor de uma estrela como o nosso Sol em apenas 45 dias.

Xavier Dumusque acha que a temperatura às margens de sua atmosfera se aproximaria dos 300 °C. “Dito isto, se a sua atmosfera for coberta de nuvens que bloquem a irradiação da estrela, a temperatura do planeta também poderia ser sempre mais baixa.”

O mecanismo é o contrário do efeito estufa presente na Terra e recorda, tanto mais, o fenômeno do “inverno pós-nuclear” de muitos romances apocalípticos. Mas isto significaria afirmar que os supostos habitantes do Kepler-10c deveriam se virar sem a energia da luz, essencial para o desenvolvimento da vida assim como a conhecemos sobre o planeta Terra…

Ao final, até mesmo Xavier Dumusque acredita que o planeta tenha “pouquíssima probabilidade de ser habitado”. E mesmo sendo “a pesquisa de vida, sem dúvida alguma, uma das coisas que nos estimulam neste trabalho”, no caso do planeta Godzilla aquilo que é mais interessante foi ter “colocado em discussão uma teoria que achávamos correta.”

Os caçadores de exoplanetas ainda não acabaram com todas as surpresas. Em 1995, o primeiro planeta do catálogo, o 51 Pegasi b, já tinha deixado as teorias existentes sob suspeita. Ele é 150 vezes mais pesado do que a Terra e tem uma órbita de quatro dias ao redor da estrela que o deixa incandescente, a cerca de 1000° C. E segundo os conhecimentos da época nem mesmo este planeta, que parece saído de um pesadelo, deveria existir.

“Isto nos demonstra que a natureza tem a capacidade de criar uma grande variedade de produtos. Cada vez que alguma coisa é possível, a natureza o realiza”, observou para a Rádio suíça RTS, Stéphane Udry, diretora do Observatório de Genebra e coautora dos artigos sobre o Kepler-10c.« A característica destes vinte anos de pesquisa está, sobretudo, na diversidade dos objetos que encontramos.”

Até hoje, foram descobertos 4.619 planetas.

1728 descobertas foram confirmadas. Para os outros 2.891 ainda são necessárias outras verificações.

A Universidade de Genebra foi o local onde tudo começou. Nela trabalhavam Michel Mayor e Didier Quéloz quando anunciaram a descoberta de 51 Pegasi b, o primeiro dos planetas extrassolares, em 1995. Na mesma Universidade, foram criados os dois espectrógrafos HARPS, os mais precisos do mundo na revelação de novos planetas com o método da velocidade radial.

CHEOPS acabou de receber a autorização da Agência espacial europeia (ESA,sigla em inglês) para passar à fase do desenvolvimento industrial. A partir do fim de 2017, este pequeno telescópio europeu, de concepção suíça, deverá observar o trânsito dos planetas já identificados na Terra, principalmente, com os dois HARPS.

PLATO  também recebeu a mesma autorização da ESA, em fevereiro. Este satélite, cujo lançamento está previsto para 2024, levará para o espaço 32 pequenos telescópios que irão observar, sistematicamente, até 80% das estrelas mais luminosas em busca de novos planetas. A missão tem um amplo envolvimento das universidades de Genebra e de Berna.

Planet S é o nome do novo polo de pesquisa nacional. Ele foi criado em 2013, pelo governo suíço. Até 2017, mais de 17 milhões de francos vão ser destinados às ciências planetárias e ao estudo das condições necessárias para o desenvolvimento da vida. O polo está sob a direção unificada das universidades de Genebra e Berna.

Adaptação: Guilherme Aquino

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