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“Não vale a pena chorar o passado”

Carlos Ribeiro durante a entrevista no Pastéis de Belém. swissinfo.ch

Se as condições adversas fazem com que muitos filhos de migrantes portugueses se tornem trabalhadores como os pais, Carlos Ribeiro é a prova de que existem exceções.

O biólogo de 35 anos nasceu e cresceu na Basileia em um bairro popular. Ele retornou às “origens” e hoje lidera um grupo de sete cientistas internacionais no maior centro privado de pesquisas de Portugal. Reportagem swissinfo.ch







































O encontro havia sido marcado no Pastéis de Belém, um dos mais tradicionais cafés de Portugal. Às nove da manhã, turistas e outros clientes habituais já ocupavam suas mesas e pediam aos garçons os tradicionais doces, cuja produção, contam os cronistas, foi iniciada em 1837 nessa comuna vizinha à Lisboa.

Carlos Ribeiro chega na hora marcada. Ele brinca lembrando que, apesar de já viver desde o verão de 2009 no país, ainda tem hábitos bastante helvéticos. Um deles é o da pontualidade. Porém como os outros presentes, ele também preza os valores gastronômicos da terra do pai e pede quatro pastéis de nata com uma “bica”, como o café é chamado carinhosamente pelos lisboetas.

Seus trajes são despojados. A mochila à tiracolo, a barba e os óculos dão-lhe uma aparência de estudante. Porém apesar dos 35 anos, ele já é um dos grandes nomes da ciência em Portugal. No seu cartão é possível ler as iniciais “Ph.D”, indicando seu grau acadêmico, e o local de trabalho: o Centro Champalimaud para o Desconhecido.

Tudo começa na Suíça

Criado por testamento pelo banqueiro António de Sommer Champalimaud em 2004, essa instituição recebeu o impulso inicial através da sua doação de 500 milhões de euros. Hoje se tornou o maior centro privado português para pesquisas nas áreas biomédicas. Suas novas instalações – um complexo de laboratórios, centros de tratamento, auditório e anfiteatro localizadas na beira do mar ao lado da famosa Torre de Belém – foram inauguradas em outubro de 2010. O caminho que Carlos Ribero passou para chegar como pesquisador dos seus quadros foi longo e passou pela Suíça.

“Nasci na Basileia, em 1975, de pai português e mãe espanhola. Meu pai imigrou à Suíça no final dos anos 1960, tendo sido quase um dos primeiros migrantes portugueses no país”, lembra Carlos. Na sua memória surgem imagens de “Kleinbasel”, o bairro em que cresceu, onde grande parte da população é até hoje de imigrantes e trabalhadores. Para ganhar a vida, o pai começou trabalhando em um restaurante e depois virou operário de uma das várias fábricas localizadas nessa metrópole industrial.

Normalmente nessas condições, as chances para uma criança de alcançar níveis superiores no sistema educacional helvético são reduzidas. Porém a família teve um papel importante no seu sucesso. “Meu pai era uma pessoa muito simples, sem instrução. Ele quase não havia frequentado a escola, mas sentava comigo para ajudar a fazer os deveres da escola. E quando ele não podia mais, me pagava aulas particulares”, acrescenta Carlos. Nem o falecimento da mãe quando tinha doze anos esmoreceu sua vontade de vencer.

Dos alunos na sua sala – “havia italianos, turcos e outras nacionalidades” – apenas dois conseguiram chegar à universidade. Carlos Ribeiro estudou biologia molecular na Universidade da Basiléia e se doutorou em 2003, nas áreas de genética e biologia celular, no Centro Biológico da mesma instituição. Um ano depois, o português foi fazer o pós-doutorado no Instituto de Patologia Molecular em Viena, Áustria, onde permaneceu cinco anos.

Volta às “origens”

Na metade de 2009, Carlos recebeu um convite irrecusável do Centro Champalimaud para o Desconhecido: liderar um grupo de sete pesquisadores oriundos de diferentes países em um projeto de pesquisa pura na área de genética. “Fazemos estudo de drosófilas, um grande número de espécies de pequenas moscas para compreender como o comportamento influencia o processo de decisão”, explica de forma simplificada o seu atual trabalho.

Depois de comer seus pastéis de nata, o português levou o repórter da swissinfo.ch às novas instalações, que ainda no final de dezembro estavam recebendo os últimos acabamentos e a instalação dos equipamentos científicos. “Aqui será o laboratório onde iremos trabalhar”, afirma, apontando para uma grande sala envidraçada e com dezenas de mesas especiais, de onde se avista o rio Tejo e o mar distante alguns quilômetros no horizonte. “Na Suíça teria de trabalhar muitos anos na universidade até poder ter uma chance dessas”, completa orgulhoso.

Questionado se a vinda à terra do pai também teria um fundo sentimental, o pesquisador ri, mas nega com a cabeça. “Foi não apenas uma decisão pragmática por causa das condições que me deram aqui, mas também a oportunidade de iniciar um grande projeto nessa nova instituição”. Ele confessa que poderia ter ido aos Estados Unidos ou continuado a pesquisar na Suíça, um país que considera ainda sua pátria, apesar de nunca ter se naturalizado. “Pelo contrário, até perdi o meu visto permanente, pois já estou há mais de seis meses fora”.

Com sua esposa, uma alemã que como ele também cresceu na Basileia, o casal aproveita agora a qualidade de vida de Portugal. Os anos que passava férias no país do pai deram ao pesquisador uma forte familiaridade com a cultura portuguesa. Aos poucos, ele confessa que vai se integrando, até mesmo reforçando seus conhecimentos do idioma paterno, já que estudou em alemão e hoje fala no dia dia-a-dia a língua franca da comunidade científica, o inglês.

Otimismo

Carlos Ribeiro não se considera um típico imigrante português que retornou às suas origens depois de anos no estrangeiro. Ao contrário da maioria deles, ele também não está no seu vilarejo natal. “Lisboa é muito diferente da aldeia da minha avó ao norte do país, onde costumava passar as férias. Aqui é mais cosmopolita”, diz.

E longe de ter o espírito nostálgico e melancólico, tão comumente creditado aos portugueses, ele explica que o país mudou. “Portugal que fez um percurso difícil e longo, mas que não acabou. Não vale a pena chorar o passado, temos que ver o futuro”, ressalta, acrescentando que mesmo o seu projeto é uma prova disso, já que os resultados só irão aparecer em muitos anos de pesquisa.

200 mil portugueses viviam na Suíça até o final de 2009

O grupo corresponde a 12% da população estrangeira.

A primeira presença portuguesa na Suíça ocorreu na metade do século 20. Eram estudantes e membros da intelectualidade do país, refugiados políticos. Eles concentravam-se em Genebra.

Hoje o principal motivo da imigração portuguesa é o trabalho.

Natural de Basileia, Suíça. Filho de um pai português e uma mãe espanhola. Cidadania: portuguesa.

Graduação em biologia molecular na Universidade da Basileia.

Doutorado na área de genética e biologia celular em 2003 no Centro Biológico da Universidade da Basileia. 

Pós-doutorado de 2004 a 2009 no Instituto de Patologia Molecular em Viena, Áustria.

Atualmente trabalha como chefe de um grupo de pesquisas no Centro Champalimaud para o Desconhecido em Lisboa, Portugal.

Vive com sua parceira alemã em Lisboa.

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