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“Ninguém quer viver de assistência social”

Colunas com casos pessoais na exposição "Im Fall" em Berna cortesia

Pela primeira vez, entidades de assistência social helvéticas organizam uma exposição itinerante para discutir as origens da pobreza. Nove por cento dos suíços são considerados pobres segundo as estatísticas oficiais.

Walter Schmid, presidente da SKOS, explica à swissinfo como funciona o sistema de ajuda social na Suíça e porque a maior parte dos seus beneficiários só sonha em voltar a ter uma vida normal através do trabalho.

A exposição ocupa uma área não muito espaçosa no Fórum Kornhaus, uma sala de exposições em Berna. Ela não se resume apenas a dar estatísticas e falar do problema da pobreza na Suíça, mas também apresenta casos pessoais. Colunas com vídeos mostram o rosto de pessoas pobres. Neles, eles contam suas histórias de tragédias pessoais e a vida na penúria.

Intitulada “Im Fall” (No Caso) em alemão e “Si Jamais” (Se acontecer) em francês, o evento chama a atenção por tratar abertamente de um tabu. Walter Schmid, presidente da Conferência Suíça de Instituições de Ação Social (SKOS, na sigla em alemão), revela porque não existem favelas ou mendigos em um dos países mais ricos do mundo.

swissinfo.ch: Senhor Schmid, existem pobres na Suíça?

Walter Schmid: Sim, também existem pobres na Suíça. Porém é preciso imaginar que a pobreza aqui e na Europa existe de outra forma do que nos países do Terceiro Mundo ou Brasil. Neles os pobres enfrentam, em parte, uma situação de franca miséria, vivendo em favelas e sem ter absolutamente nada. Na Suíça a pobreza não é tão aberta. Aqui as pessoas têm apenas comparativamente pouco e, por isso, necessitam de auxílio do Estado para sobreviver.

Para que uma exposição sobre a ajuda social? A pobreza está escondida?

W.S.: De fato, falamos pouco sobre a pobreza. Ela também não é vista. Mas sabemos que os custos da ajuda social e das organizações de assistência têm aumentado consideravelmente. Assim chegamos à conclusão que existem cada vez mais pobres no país. Estamos falando especialmente este ano sobre esse tema, pois também na Europa é debatida a questão da exclusão social. A União Europeia declarou 2010 como o ano da luta contra a pobreza. Ela quer que seus membros e outros países sejam incentivados a tomar iniciativas para reduzir o problema.

swissinfo.ch: Na Suíça o limite de pobreza é de 4.650 francos (7.694 reais) para uma família com duas crianças. Em uma sociedade do lazer como a nossa, o que significa ser pobre? É não ter comida no prato ou apenas uma televisão antiga?

W.S.: Esse limite mostra que o custo de vida na Suíça é muito elevado. Se uma pessoa quiser alugar um apartamento precisa pagar muito por isso. Os custos de saúde também são elevados. No final, talvez, sobra apenas dois mil francos para uma família custear sua sobrevivência. E isso não é muito: se você pensar que, com esse dinheiro, é necessário cobrir os custos de transporte, telefone, taxas de televisão, roupas e, obviamente, também a comida, então significa se restringir ainda mais. Também não é possível ter hobbies como outras pessoas, esquiar ou sair de férias, frequentar restaurantes ou até passear. Você precisa se limitar em muitos pontos.

O Departamento Federal de Estatísticas indica que 9% da população vive abaixo da linha de pobreza. Por que não se vê essas pessoas na rua?

W.S.: A Suíça é, de fato, um país rico. Os pobres não precisam mendigar ou viver embaixo das pontes. Aqui eles têm o mínimo de ajuda. É por isso que não se vê essa pobreza. Porém, 9% da população é considerada pobre e necessita de ajuda pública para ter, pelo menos, o mínimo para sobreviver.

Quem concretamente é atingido pela pobreza na Suíça?

W.S.: Em primeiro lugar, jovens e famílias, sobretudo aquelas onde apenas um dos pais está presente. Também famílias com muitas crianças são bastante atingidas pela pobreza, ainda mais se o marido tem um salário muito baixo e a mulher fica em casa para cuidar das crianças. É muito caro viver na Suíça só com um salário. Outros atingidos são os imigrantes. E por quê? Pois eles vêm à Suíça e só encontram trabalho em funções mal pagas, onde não é possível custear a vida de uma família com o que se ganha.

Qualquer habitante que se encontre em uma situação emergencial tem direito de receber ajuda social, ou seja, dinheiro do Estado para sobreviver. O que é uma situação emergencial?

W.S.: Existem várias formas. Uma delas é não ganhar o suficiente para sustentar a família. Outra é estar sem trabalho e não receber mais ajuda-desemprego. Pessoas com problemas psíquicos também podem se encontrar nessa situação. Ela está incapacitada de trabalhar, mas não recebe aposentadoria precoce. Também existem os casos de dependentes de drogas. Existem muitas formas que levam à pobreza…

Segundo a tabela atual da ajuda social, uma família com duas crianças recebe 2.054 francos (aprox. 3.400 reais) fora o dinheiro do aluguel e do seguro de saúde. Isso é suficiente?

W.S.: Por um lado essa quantia limita bastante a vida, mas, por outro, é considerada como o suficiente para sobreviver. Esse cálculo está baseado no que 10% mais pobre da Suíça têm à disposição. Não é agradável viver assim, mas é dessa forma que 10% vivem aqui no país.

Como o senhor explica esse sistema a um africano ou latino-americano, que vêm de lugares onde praticamente não existe ajuda social? Isso seria um luxo ou é uma necessidade?

W.S.: É uma necessidade. Pois nossa sociedade é diferente dessas outras. No passado a Suíça também funcionava dessa maneira: era a família que garantia a segurança social. Em caso de necessidade, uma pessoa podia contar com o tio, os avós, os irmãos ou os filhos. Esses parentes, mesmo os distantes da grande família, estavam obrigados a ajudar. Mas com o desenvolvimento, o crescimento econômico, houve um processo de individualização. Assim as pessoas perderam a proteção familiar, o que levou os Estados a desenvolver um sistema de seguridade social organizado nacionalmente. Ou seja, um sistema de solidariedade nacional, onde todos os habitantes têm de contribuir. Pagamos impostos e esse montante financia esse sistema. Essa realidade também chegará nesses outros países a partir do seu desenvolvimento econômico.

A organização que o senhor preside apresentou um programa de 31 medidas concretas para diminuir pela metade a pobreza no país em dez anos. Quais seriam as mais importantes?

W.S.: Nunca será possível acabar com a pobreza. Mas o objetivo da ONU, também nosso, é de diminuir a pobreza pela metade em dez anos. Porém não é possível combater o problema apenas com dinheiro. A pobreza tem várias razões e, por isso, também são diversas as formas de tratá-la. Por exemplo, a educação é um fator importante na nossa sociedade. Quem tem uma formação profissional, tem um risco menor de se tornar pobre. Quando a mulher tem a possibilidade de deixar seus filhos em algum lugar, ela consegue trabalhar e ganhar algum dinheiro. Existem muitas formas de ajuda que não são necessariamente financeiras, mas que permitem as pessoas de ter seu sustento de forma independente. Por isso apostamos em medidas de prevenção nas áreas de educação, saúde ou do mercado de trabalho para possibilitar que o maior número de cidadãos não necessite de ajuda estatal para viver.

Uma das propostas prevê acréscimo financeiro aos baixos salários por parte do Estado. Isso está correto ou é a economia de pagar salários mais justos?

W.S.: É difícil falar em salário justo, pois estamos em uma economia de mercado e globalizada. Ela determina quem e por que preço alguém pode produzir. É por isso que não podemos fazer produtos baratos na Suíça já que os custos salariais são muito elevados.

Nos últimos anos a imprensa falou de vários casos de abuso do sistema social. Em Berna houve a história com um traficante de drogas, proprietário de carros de luxo e que recebia ajuda social. Existem abusos no sistema?

W.S.: Essa discussão foi, de fato, muito intensiva. Mas, em primeiro lugar, é preciso dizer que, em qualquer sistema onde um grande montante de dinheiro tem de ser redistribuído, existe o risco de haver abusos. Mas isso não ocorre apenas no sistema social da Suíça, mas também com os seguros, com os impostos e em qualquer área, e isso precisa ser combatido. Na ajuda social também existem abusos, mas os controles e as avaliações das autoridades são tão rigorosos, que o número de casos é ínfimo.

Muitos políticos da direita afirmam que se vive muito bem na Suíça com a ajuda social. Alguns estrangeiros até viriam para cá só para viver da assistência pública sem precisar trabalhar. Isso é verdade?

W.S.: Existem situações – pegue o exemplo de solicitantes de asilo da África na Suíça. No caso deles é verdade que se recebem aqui o mínimo de ajuda, isso já é mais do que eles ganhavam no país deles. Nesse sentido essa afirmação está correta. Por outro lado, essas pessoas não têm direito de trabalhar e, em muitos casos, também serão expulsas do país. Fora esses casos, o mínimo que uma pessoa pode ganhar com o trabalho na Suíça, ou seja, o salário mínimo, é sempre muito maior do que o que se ganha com a ajuda social. Em todo caso, isso vale somente para um indivíduo. Quando falamos de uma família – onde o salário do marido não é suficiente para bancar quatro ou cinco pessoas – então pode ser que ela tenha uma situação melhor recebendo ajuda do Estado. Se tanto faz trabalhar ou não, isso então não é uma situação positiva. Nosso objetivo é estruturar a ajuda social para que o trabalho compense.

Com toda sua experiência na área de ajuda social, como se sente alguém na Suíça que recebe ajuda do governo para viver?

W.S.: Normalmente essas pessoas não desejam receber essa ajuda. Elas gostariam de ter um trabalho. Elas só sonham com uma vida normal com um rendimento normal. Quem recebe assistência social tem quase sempre um passado de dificuldades. Ela perdeu o trabalho, a família se desintegrou, teve doenças graves ou outros problemas. Para elas a ajuda social é a última saída. Eu praticamente não conheço ninguém que seja feliz recebendo dinheiro do Estado. O governo tem, sim, interesse de ajudar as pessoas que querem sair dessa situação. Por isso a ajuda social não é apenas uma distribuição de dinheiro, mas sim dar a elas uma nova perspectiva. A mensagem central do nosso trabalho é que pobreza não é apenas ter pouco dinheiro, mas sim não ter perspectivas. Combater a pobreza é dar as pessoas uma visão de futuro.

Alexander Thoele, swissinfo.ch

A exposição sobre a ajuda social na Suíça é intinerante e será realizada até 15 de novembro de 2010.

Além dos objetos expostos, o programa prevê a realização de simpósios e outros eventos locais para debater o tema.

13 a 30.04: Berna
07 a 17.04: St. Gallen
26.04 a 03.05: Basilea

Atualmente cerca de 200 mil pessoas na Suíça recebem dinheiro da assistência social.

Cerca de 60% dessas pessoas vivem sós, 22% são mães ou pais solteiros e 15% são famílias com crianças.

Especialistas consideram que 50% das pessoas necessitadas na Suíça não procuram a assistência social, apesar de estarem qualificadas para um pedido de ajuda.

Assistência social é responsabilidade dos cantões (estados). Ela é regulada de diferentes formas segundo o cantão. No total, os cantões gastam anualmente cerca de 3 bilhões de francos (cerca de 5 bilhões de reais) com a ajuda social.

44% das pessoas que recebem ajuda são estrangeiros.

Pagamentos mensais de ajuda social segundo as diretrizes do SKOS:

1 pessoa: 960 francos (1.592 reais)
2 pessoas: 1.469 (2.437)
3 pessoas: 1.786 (2.963)
4 pessoas: 2.054 (3.407)
5 pessoas: 2.323 (3.854)
6 pessoas: 2.592 (4.300)

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