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“O desrespeito pela profissão é grande no Brasil”

Ricardo Castro é professor no Conservatório de Friburgo há 12 anos. swissinfo.ch

O pianista visita o País com freqüência. Mas revoltado com as condições existentes para a música erudita no Brasil, dá 1 ou 2 concertos por ano, no máximo.

Mesmo assim dedica-se em janeiro à oficina de Curitiba…

Em Curitiba, todo o mês de janeiro, Ricardo Castro dá, com prazer “master classes” numa cidade onde não existem condições financeiras, mas onde pelo menos ele diz sentir que o artista é respeitado: “Lá se encontra a elite dos professores, do País e do exterior, todos tratados do mesmo jeito”.

Uma motivação adicional é que o jovem brasileiro “tem fome de aprender, de aproveitar da oportunidade oferecida”. Na Europa, dadas as facilidades muito maiores, o interesse é menor, constata o pianista.

Conciliar a vida diária

Ricardo Castro tem opinião bem definida sobre o ensino, em particular no setor da arte. Em se tratando do piano, por exemplo, não basta “encher a cabeça do aluno com informações”, afirma. É preciso desenvolver o senso estético, transformá-lo em “artista na vida”.

O desafio maior para quem ensina seria aplicar uma pedagogia adequada ao aluno porque cada um deles é um mundo diferente: “Estamos diante de um ser humano que talvez tenha a solução. Estamos apenas ajudando a encontrá-la”.

Em Friburgo tem 7 alunos que com ele estudam virtuosidade. E no contato com os alunos sente a necessidade de “abrir a sensibilidade, a cabeça desses jovens, em particular para que aprendam que a vida prática não é diferente da vida de músico”.

Em função disso é preciso saber conciliar a vida pessoal com a vida de pianista porque “a própria relação humana pode enriquecer a vida de artista”, realça.

Dívida

É com esse espírito que Ricardo Castro ensina no Conservatório de Friburgo, onde fez concurso para professor com apenas 27 anos e onde já trabalha há 12. (Ele fala de sua experiência no site dele, no ítem Laboratório/ensino).

Ricardo estima ter uma dívida com a Suíça, onde jovem foi muito bem acolhido e apoiado na busca de uma oportunidade de fazer carreira artística. Em Genebra fez estudos de virtuosidade e, na época, lembra o artista, “não havia bolsa (e, em plena ditadura) nenhuma possibilidade de receber dinheiro dos pais. Ele retribui também essa dívida colaborando com duas fundações européias que ajudam jovens músicos.

Como professor ele sente liberdade total e acha que seu trabalho é respeitado. Tanto que diz se considerar num laboratório e não num conservatório. Condição que o artista valoriza muito num cantão (Friburgo) que “tem contato muito grande com a música”. Ricardo aprecia essa liberdade pelo fato de não suportar pressão: “Nem pressão do mercado, porque se me pressionarem, eu paro…”.

A relação do pianista Ricardo Castro com o Brasil é de amor e crítica. Se o País é seu jardim onde descansa, estima que lá o mundo da música erudita é relegado a segundo plano por desinteresse das autoridades.

Falta de condições

É justamente a falta de um clima semelhante que parece irritar o pianista no Brasil, onde, constata, há público, mas o desrespeito pela profissão é muito grande. Acrescenta não haver mercado suficiente “dentro de condições aceitáveis”, a começar pelos instrumentos, os preparativos, uma boa sala… Em suma, boas condições.

Quanto a ele tocar no Brasil, o problema principal não é o cachê, diz Ricardo. “É saber se estão ou não me valorizando”. Considera uma balela o argumento relativo à propalada pobreza do país: “O Brasil é riquíssimo, só que o dinheiro está mal empregado”.

Em conseqüência, o pianista recusa convite de universidades que pretendem não ter dinheiro nem para comprar papel higiênico. “Aula de graça, não, quando o dinheiro é gasto entre eles, num sistema de autarquia”.

A exceção

Quando o dinheiro sai, o resultado é surpreendente. Em S.Paulo, estima, fez-se “um trabalho excelente” com OSESP, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, que foi reformulada em 1997 sob a batuta de John Neschling.

A argumentação do regente para conseguir ajuda foi muito simples: uma orquestra como a OSESP custa um km de túnel. Como o Brasil tem “um potencial de rapidez e talento muito fortes”, bastou investir para se criar “a melhor orquestra da América do Sul”, afirma Ricardo.

Segundo o pianista, de fato, ela está entre as grandes orquestras do mundo, tirando as “top ten”, ou seja, as dez melhores”.

swissinfo, J.Gabriel Barbosa

Se tivesse que escolher um/a:

– concerto: o n° 1 de Brahms

– peça para piano solo: 4ª. balada de Chopin

– pianista: teria que citar pelo menos 10. Abstenho-me.

– cantor popular: Caetano Veloso

– personalidade: Gandhi

– uma cidade para se viver: Paris

– um livro: a Bíblia

– um prato: moqueca de peixe

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