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Partido conservador luta pela aplicação de proposta aprovada nas urnas

As assinaturas necessárias para a concretização da iniciativa foram entregues em 28 de dezembro de 2012 por ativistas do SVP na Chancelaria federal em Berna. Keystone

Lançar mais uma iniciativa para aplicar ao pé da letra uma lei já aprovada em plebiscito, cujo principal objetivo é permitir a expulsão rápida de estrangeiros criminosos do país. Essa é a proposta do Partido do Povo Suíço (SVP, na sigla em alemão), que aproveita mais uma vez dos instrumentos suíços da democracia direta.

Seria a ideia uma “forma de pressão”, um “abuso dos direitos populares”, a “neutralização da divisão de poderes” ou simplesmente “algo inútil” como o governo federal definiu há pouco? Muitos grupos criticam a iniciativa de aplicação apresentada pelo SVP para ser levada à votação popular.

Com a iniciativa intitulada “Pela aplicação da expulsão sumária de estrangeiros criminosos”, o partido da direita conservadora quer permitir o cumprimento à risca de uma lei já aprovada anteriormente. Para seus idealizadores, o Parlamento helvético não havia regulamento a lei em março como se esperava. Ao contrário, esta recebeu uma cláusula que não estava prevista no texto da iniciativa: ela diz que estrangeiros criminosos não podem ser automaticamente expulsos ao serem enquadrados como casos excepcionais.

Iniciativa popular

A iniciativa popular permite propor uma modificação na Constituição federal. Para que ela se concretize, é necessário coletar no espaço de tempo de dezoito meses 100.000 assinaturas válidas de eleitores e entregá-las na Chancelaria federal.

Depois a proposta é levada ao Parlamento. Este pode aprová-la diretamente, refutá-la ou propor uma contraproposta. Em todos os casos, a iniciativa é levada para uma decisão nas urnas.

Iniciativas aprovadas são integradas na Constituição federal e devem ser implementadas em nível legislativo, ou seja, através do Parlamento.

O presidente do SVP, Toni Brunner, considera que as autoridades federais não foram capazes de aplicar como deveria a lei depois da aprovação nas urnas em 2010 e tais mudanças já eram esperadas. Por isso o partido levantou na primavera de 2012 a seguinte questão: “O que iremos fazer se chegarmos à conclusão que o artigo constitucional aprovado pelos eleitores não foi aplicado ou aplicado apenas de forma insatisfatória?”

Um dos instrumentos possíveis seria a proposição de uma nova iniciativa para aplicar a própria iniciativa de expulsão. Ela exige que a iniciativa de expulsão seja aplicada por vias constitucionais. Isso significa que, entre outros, o catálogo de delitos que levariam o criminoso estrangeiro a poder ser expulso do país, deva ser incluído também na própria Constituição.

Referendo sem alternativa

“Trata-se de um novo instrumento, pois tenta anular uma decisão do Parlamento, ou melhor, dizendo, forçar algo de novo”, analisa o cientista político Marc Bühlmann. “Para isso seria mais conveniente termos um referendo. Por isso poderíamos dizer que trata-se de uma iniciativa de referendo.”

Por que então não utilizar esse instrumento contra um projeto de lei, cuja concretização exige o recolhimento de apenas metade das assinaturas? “Nosso temor era de sermos obrigados a apostar em um referendo contra uma lei, que possivelmente é melhor do que a anterior, mas que não corresponde integralmente ao artigo da Constituição aprovado pelo povo nas urnas”, justifica Brunner. A iniciativa de aplicação tem apenas como objetivo “permitir que a vontade popular seja executada.”

Referendo

O referendo facultativo permite que os eleitores na Suíça decidam sobre uma lei já aprovada pelo Parlamento federal. Ele ocorre caso sejam recolhidos 50 mil assinaturas válidas de eleitores no espaço de tempo de cem dias e entregues na Chancelaria federal. Então o referendo é levado à consulta popular.

O referendo obrigatório ocorre sempre que o Parlamento propõe modificações da Constituição federal. 

“A iniciativa de aplicação foi, do ponto de vista da estratégia partidária, uma jogada muito inteligente. Ela quase conseguiu que a iniciativa de aplicação entrasse em vigor exatamente como o SVP gostaria”, considera Bühlmann.

Já Markus Schefer, professor de Direito Público e Administrativo na Universidade da Basileia, critica esse tipo de iniciativa popular. “Eles fazem através dela uma campanha eleitoral, na qual provocam conscientemente violações do direito internacional e outras violações legais. Para mim isso é uma nova combinação e bastante lamentável.”

Schefer considera que, através da iniciativa de aplicação, “o princípio básico da proporcionalidade, que permeia todo o nosso sistema legal e que é de fundamental importância, está sendo ferido de maneira significativa.”

Separação de poderes anulada?

O professor aposentado de ciência política na Universidade de Berna, Wolf Linder, vê o princípio da separação de poderes em perigo. “O problema é que a separação de poderes é quebrada através de uma iniciativa popular a partir do momento em que o Parlamento, o governo e os tribunais passam a receber instruções diretas e ordens. Quem faz as leis, não devem as impor a si mesmo. Quem as aplica, deve estar sujeito a uma supervisão independente. Esse princípio é fundamental”. Comparações internacionais mostram: “Sem separação de poderes, não há Constituição. E quando a Constituição se perde, existe o perigo de cair em um regime autoritário.”

No entanto, Linder ressalta que os limites da separação de poderes também podem ser extrapolados em outras situações. Isso ocorre quando o Tribunal Federal (n.r.: última instância legal na Suíça) imiscui-se em questões dos cantões e comunas no que diz respeito à legislação eleitoral.

Kurt Fluri, deputado-federal do Partido Liberal e membro da Comissão de Assuntos do Estado do Conselho Nacional (Câmara dos Deputados), vê o Parlamento sob pressão e a separação dos poderes minada através da iniciativa de aplicação. “Através dessa iniciativa, e via Constituição, o povo já faz uma legislação local de caráter obrigatório, ressalta o jurista. “Quando o povo passa a atuar diretamente como legislador, a Constituição não corresponde seguramente mais ao sentido na origem.”

“Separação de poder, então por favor…O legislador não pode arrogar para si o direito de decidir”, reage Brunner. “E quanto aos tribunais: temos cada vez mais na Suíça uma tendência dos tribunais se aproveitarem do direito internacional ou acordos internacionais para relativizar as decisões populares.”

Margem de manobra do legislador

Através da iniciativa de aplicação, o SVP quer implementar ao pé da letra sua iniciativa de expulsão de estrangeiros criminosos. Todavia isso não corresponde ao sentido da Constituição “querer regular por si só determinações legais tão detalhadas”, considera Fluri. O Parlamento como órgão legislador tem a função de regulamentar uma lei depois desta ter sido aprovada pelo eleitor. Fluri vê como severamente restringida essa margem de manobra. “O Parlamento não fez o seu trabalho”, contrapõe Brunner.

Separação de poderes

Quando a Suíça moderna foi fundada em 1848, os fundadores determinaram na Constituição federal a separação em três poderes: legislativo (Assembleia nacional, Parlamento), executivo (governo federal) e judiciário (Tribunal federal e hoje, vários tribunais).

Esses três poderes estão separados entre si no estado de direito (separação de poderes, checks and balances). É o que permite evitar uma acumulação de poder nas mãos de uma única autoridade do Estado.

A aplicação das iniciativas é uma tarefa que ocupa o Parlamento há alguns anos cada vez mais frequentemente. Desde a introdução do instrumento da iniciativa popular, 22 delas já foram adotadas. Se entre 1893 e 1949, sete foram levadas às urnas, desde 1982 não menos de 15 iniciativas foram aceitas. Desde 2008, praticamente em ritmo anual. Em 2014, pela primeira vez, duas foram aceitas em um ano.

“O direito constitucional deveria se limitar às normas básicas da organização e das funções governamentais. A partir disso é que o Parlamento tem uma margem suficientemente grande de manobra para legislar”, diz Linder.

Fluri ressalta que, nesse caso concreto, a iniciativa de aplicação seria aplicada diretamente e o Parlamento não teria nenhuma margem de manobra na sua implementação. “Nos preâmbulos da iniciativa de aplicação está expressamente definido que ela é diretamente aplicável e que não necessita mais de nenhuma forma de regulamentação”, ressalta.

“Nenhuma decisão é sempre sacrossanta”, ressalta contrariamente o cientista político Bühlmann. “Tinha preocupações semelhantes no início. Pensava que ela seria como contornar a ideia da democracia direta”. Mas de fato, analisando de forma objetiva, a inciativa de aplicação “não é nada mais do que um impulso de baixo, que, caso seja aprovada pelos eleitores, será mais uma vez debatida no Parlamento com uma certa margem de manobra.”

Adaptação: Alexander Thoele

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