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Kurt Sieber: 57 anos no Japão – reflexões de um pensionista

Kurt E. Sieber
Kurt E. Sieber durante a entrevista em um café de Tóquio. swissinfo.ch

Ele se mudou em 1960 para o Japão. O suíço Kurt E. Sieber dirigiu primeiramente uma empresa comercial suíça e depois uma austríaca. Em 2011 se aposentou e não voltou à Suíça. Como ele vê e percebe esse país, no qual vive há tanto tempo? Quais desafios a sociedade japonesa têm de enfrentar?

“Minha visão do Japão mudou muito nos 57 anos em que vivo em Tóquio”, diz Kurt Sieber. “Tenho pensado muito sobre a posição do Japão no mundo, a economia e a política japonesas e o que precisa ser feito para enfrentar os problemas sociais do país.”

Ele utiliza alguns exemplos para explicar o que lhe preocupa no momento.

Baixos salários para empregos em tempo parcial

No Japão, o salário-hora em empregos em tempo parcial são muito baixos. Supermercados pagam uma média de 800 a 900 ienes (cerca de 7-8 francos suíços), o que é desproporcional ao custo de vida relativamente alto no país. Já na Suíça o salário é de 20 a 25 francos por hora. Pessoas em cargos de administração ganham muito mais.

Os apartamentos em Tóquio – em comparação com os da Suíça – são pequenos e estreitos. Em geral, nos últimos vinte ou trinta anos, a pobreza aumentou no Japão. Preocupa o fato de que uma em cada sete crianças cresce hoje na pobreza.

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Falta de reforma da economia japonesa

Durante anos não houve reformas na economia japonesa. O Japão é reconhecido como uma grande potência econômica, atrás dos EUA e a China, mas, na verdade, é um país altamente endividado. A dívida per capita é quase o dobro da Grécia. Alguns especialistas consideram a possibilidade de o sistema financeiro do Japão entrar em colapso. O medo está sempre rondando.

Luta sem convicção contra o declínio populacional

Em Tóquio, existem inúmeras maneiras de se divertir à noite. Tanto, que muitas pessoas nem sequer têm tempo para o sexo (risos). Talvez seja por isso que aqui, em comparação com áreas mais rurais do Japão, nascem poucas crianças.

A diminuição da taxa de natalidade, aliada ao aumento do envelhecimento, é um dos maiores problemas do Japão. É apenas uma questão de tempo para que o número de habitantes caia abaixo da marca de 100 milhões. É por isso que o governo Abe está fazendo campanhas para promover uma taxa de natalidade de 1,8 crianças por mulher. Mas isso não é suficiente para impedir que a população diminua.

Necessidade urgente: migrantes

O Japão necessita de imigrantes bem-educados, que seriam capazes de ajudar o país a sair dessa situação miserável. Partindo da minha experiência profissional, sei que o que os investidores mais desejam é um aumento da população. O que, por sua vez, provoca um aumento na produção de bens e daria ao mercado japonês um impulso e uma perspectiva duradouros.

Na Suíça, com seus 8,4 milhões de habitantes, a proporção de estrangeiros é de cerca de 25%. No Japão, com 126 milhões de habitantes, é obviamente difícil a aplicação política de medidas e mudanças. Além disso o Japão é uma ilha, geopoliticamente não comparável a um país como a Suíça.

E, no entanto, o Japão pode aprender lições da Suíça: especialmente quando se trata de lidar com estrangeiros. Num mundo cada vez mais globalizado, o Japão deve estar aberto a imigrantes capazes, e aceitá-los como uma parte importante da sociedade. Espero muito que o Japão, assim como a Suíça, se torne um país cosmopolita. As Olimpíadas de Tóquio em 2020 poderiam ajudar a chegar um pouco mais perto disso.

Aliás, na Suíça não poucos migrantes se tornaram famosos mais tarde, como Albert Einstein. A Suíça deve a eles muitas invenções, patentes, etc.

Reforma do mundo do trabalho

A maneira como se trabalha precisa de melhorias. Além disso, as longas jornadas de trabalho deveriam ser encurtadas, e mais oportunidades para o trabalho em casa deveriam ser criadas. Uma organização mais flexível do mundo do trabalho, adaptada às diferentes necessidades, certamente ajudaria a aumentar a taxa de natalidade.

recorte de jornal de 1973
Um artigo sobre a hiperinflação. Recorte do jornal NZZ de 25.11.1973, guardado por Sieber. swissinfo.ch

Minha filha nasceu e cresceu no Japão, mas atualmente ela mora e trabalha nos EUA. Ela tem uma criança. Lá é natural que seu marido ajude na casa e nos cuidados da criança. Assim, viagens de negócios no exterior não são problema para eles, e a família e o trabalho podem ser conciliados.

As mulheres deveriam poder desenvolver-se livremente

Tenho quatro filhos, três filhas e um filho. Todos nasceram e cresceram no Japão. Minhas filhas gostam muito do Japão, mas aqui não é fácil para as mulheres serem ativas fora da família, fazer uma carreira, desenvolver-se livremente. É por isso que elas vivem no exterior com seus filhos – meus netos.

Meu filho esteve no exterior por um longo tempo, mas depois retornou ao Japão, e agora é pai de dois filhos em Tóquio. Os filhos das minhas filhas são bilíngues, falam inglês e japonês, e também são cuidados por babás japonesas. Para minhas filhas, manter o contato com o Japão é muito importante.

Não é fácil para as mulheres alcançarem posições mais altas no Japão. Em termos de igualdade de gênero, o Japão ocupava o 111º lugar, num ranking de 144 países, de acordo com Relatório de Igualdade de Oportunidades entre gêneros de 2016, com tendência decrescente. As mulheres deveriam ter mais oportunidades no Japão, para se envolver não apenas com a família, mas também em seus empregos. Isso requer um ambiente de trabalho amigável para a criança, e uma sociedade que esteja pronta para reconsiderar os modelos clássicos.

O que a Suíça pode aprender com o Japão

A amabilidade dos japoneses: isso a Suíça poderia tomar como um exemplo. Essa amabilidade é uma das razões pelas quais eu quero permanecer no Japão até o fim da minha vida. Outro motivo: segurança pública, baixa criminalidade. Claro, a Suíça é um país relativamente seguro, mas uma ilha como o Japão é, obviamente, melhor protegida.

Minha aposentadoria no Japão

Em 2011, quando o desastre nuclear atingiu Fukushima, não estava claro como a situação se desenvolveria. A Embaixada da Suíça e também a minha empresa nos informaram que os funcionários deveriam se deslocar para Osaka, e todos empacotaram suas malas. Eu decidi ficar em Tóquio. Se eu morresse, então que fosse no Japão. Qualquer outra coisa estava fora de cogitação para mim.

Embora meus comentários sobre a sociedade japonesa sejam bastante críticos, eles também mostram o quanto eu me importo com o Japão. Eu amo o Japão, e acho que ainda há espaço para mudanças para melhor.

Nacionalidade? Suíça

Depois de 57 anos no Japão, muitas vezes ouço: “Você é como um japonês.” Mas então eu respondo: “Não, não sou japonês.” Nunca pensei em ser japonês. Por que não? Porque então eu teria que abdicar do passaporte suíço. Eu definitivamente não quero isso. O passaporte suíço tem um valor alto e um significado especial para mim.

Minha avó fugiu da Alemanha para a Suíça quando os nazistas chegaram ao poder, depois da República de Weimar, e se casou com meu avô. Até hoje eu não posso esquecer como ela, na década de 1950, me mostrou no quarto de seu pequeno apartamento de Zurique, as notas do Reichsbank, cada uma delas, coladas na parede, como um papel de parede, com um valor de um bilhão de marcos!

As notas estavam em circulação durante a hiperinflação da República de Weimar. Precisamente porque conheço a importância da cidadania suíça para minha avó fugitiva, não posso deixar de fazer-lhe esta homenagem.

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As opiniões manifestadas neste artigo, dentre outros sobre o país de acolho e sua política, são pessoais e não correspondem às posições da plataforma de informaões swissinfo.ch.
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Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos

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