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Estrangeiras com alta qualificação penam no mercado de trabalho suíço

Prédio do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH Zurich)
O Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH Zurich) está entre as dez melhores universidades do mundo. Keystone

A publicitária carioca achou que conseguiria facilmente um emprego. A especialista em Relações Internacionais paulistana, fluente em inglês, também. A jornalista curitibana, responsável pela edição de reconhecidas revistas no Brasil, bebeu da mesma ilusão.

As três não se conhecem mas têm um histórico em comum: vieram para o país depois de se casar, tentam há anos se recolocar no mercado de trabalho e se sentem desvalorizadas. Apesar de enviarem diversos currículos todos os meses, até agora não tiveram êxito.

Embora especialistas destaquem a importância dos trabalhadores migrantes para a economia suíça, a realidade se mostra um pouco diferente. Para as mulheres latino americanas, a situação é desfavorável, principalmente quando as analisadas apresentam alta qualificação profissional, com nível universitário ou mestrado e até doutorado. A dificuldade de reintegração ao mercado de trabalho torna o processo de imigração ainda mais dificultoso, tornando as mulheres mais vulneráveis.

A professora Yvonne Riaño, professora da Universidade Berna e de Neuchâtel, mapeou em alguns estudos, a problemática desse grupo social em relação à acessibilidade do mercado de trabalho no território suíço. A professora é uma ativa estudiosa do assunto, atuando como uma das líderes do Centro Suíço de Competência em Pesquisa em migração, denominado On the move – The Migration-Mobility Nexus. 

Artigo do blog “Suíça de portas abertas” da jornalista Liliana Tinoco Baeckert.

Diplomas desvalorizados – De acordo com o trabalho, o capital cultural dos emigrantes é desvalorizado: os certificados do país de origem não são reconhecidos; experiências profissionais e certificados de fora da Europa são menos valorizados devido à falta de informação e ao preconceito cultural. “As diretivas do reconhecimento desses documentos não são claras e mal coordenadas, tornando o acesso ao mercado laboral ainda mais complicado”, alerta o estudo.  Preconceitos sobre estereótipos de origem e gênero relacionados a competências técnicas podem possibilitar o acesso a empregos no mercado de engenharia e construção. Para piorar, existe pouca informação sobre treinamentos e mercado de trabalho acessível, tornando o processo de integração mais difícil.

– Tem dias que eu choro, me sinto um lixo. Depois me recomponho, busco forças nem sei onde, e volto a buscar trabalho de novo. Meu marido me apoia muito. A cobrança vem de mim mesma, porque sempre trabalhei e não consigo me imaginar como dona de casa por muito tempo – desabafa a especialista em Relações Internacionais, que tem sete anos de experiência no Brasil e um ano de residência no cantão de Argóvia.

Retorno às universidades – Entre algumas das descobertas dos estudos da Dra. Riaño, sabe-se que é difícil adquirir capital social e uma cultura suíça: refazer a universidade tem importantes consequências financeiras e inclui uma forte carga psíquica; os migrantes não conseguem conciliar família, estudos e profissionais devido à falta de estrutura da creche para as crianças e também pelo tempo das escolas e do trabalho. Representa um desafio particular para os migrantes que não possuem uma rede social.

Além disso, não existe um projeto de integração que corrija a desvalorização do capital social e cultural dos migrantes qualificados. Outro agravante é o de que recursos familiares são investidos normalmente na formação e carreira do marido.

Para mães é mais difícil – A nordestina Sueli Furtado* nunca conseguiu voltar aos bancos de estudo desde que chegou ao país, há oito anos. “Eu tenho muita vontade de iniciar um curso de extensão em enfermagem, já que finalizei o curso universitário nessa área no Brasil. Mas com minha filha pequena, não encontro tempo. Não dá para pagar creche e educação ao mesmo tempo. Fico muito frustrada com essa situação”, desabafa Sueli.

Além de precisarem ficar em casa devido à família, aliado à dificuldade com o idioma, essas mulheres não têm acesso à tão valorizada rede de contatos.

Dialetos complicam – O idioma funciona como critério de exclusão: um conhecimento perfeito da língua alemã tem muito mais pontos do que as experiências profissionais e as competências sociais. Os dialetos tornam a vida dos migrantes ainda mais difícil.

Entrevistada pela swissinfo.ch, a brasileira Madalena Sampaio* passa por alguns dos problemas descritos pelo estudo desde que chegou ao país, há 15 anos. “Não adianta. Nós não temos as mesmas chances profissionais porque nunca seremos suíças. Mesmo que você tenha capacidade, dificilmente será considerada. As dificuldades começam pela validação do diploma, que é trabalhosa, mas no final das contas, não ajudará a conseguir uma vaga que tenha um suíço se candidatando”

Preconceito – De acordo com o trabalho da Dra. Riaño, os migrantes têm uma grande desvantagem no mercado devido à origem, religião e gênero. A origem, em combinação com o gênero, pode ter uma influência negativa. A percepção europeia de que estrangeiros fora da Europa são simplesmente menos competentes existe. Muitas são vistas somente como donas de casa, reduzindo o acesso às vagas de trabalho mais qualificados.

*Os nomes dos entrevistados foram modificados para preservar as identidades

A engenheira baiana é um exemplo de que dá para vencer os obstáculos

Fabiana da Silveira Cavalcante ocupa hoje o cargo de líder de vendas para a Suíça de uma multinacional da área de energia. Ela é um exemplo motivacional por alguns importantes motivos: é mulher em um setor dominantemente masculino, brasileira e de origem humilde. Oriunda do interior da Bahia, venceu as barreiras da falta de condições financeiras na juventude e se superou até na Europa. Fabiana vem driblando com muito estudo e simpatia baiana o árido dia a dia de comandar homens na Suíça.

Fabiana Cavalcante
Fabiana Cavalcante swissinfo.ch

Ela fez doutorado em Eletrônica de Potência na ETH, universidade referência mundial na área técnica em Zurique. A especialidade, como o próprio nome diz, está relacionada com a eletricidade de alta potência, que é usada em equipamentos de grande porte como de uma hidroelétrica, sistemas ferroviários ou energia eólica.

swissinfo.ch: Como você conseguiu vaga para o doutorado na ETH em Zurique?

FSC: Sempre fui muito estudiosa e tive a sorte de ser aluna de um professor que era uma lenda na área de Eletrônica de Potência, o professor Ivo Barbi, da Universidade Federal de Santa Catarina, onde me graduei e fiz meu mestrado. Ele me adorava e fez uma carta de recomendação para a ETH. Tenho certeza de que ele abriu as portas da Suíça para mim. Claro que também tive a sorte de escolher uma área que é carente de profissionais.

swissinfo.ch: Como você dribla o fato de ser mulher e estrangeira em um mercado tão masculino?

F.S.C.: O título de doutora pela ETH me dá credibilidade. Quando eu chego a uma reunião, geralmente com muitos homens europeus, sei que é importante já entregar o meu cartão. A primeira reação deles é a surpresa de não ser um homem ali.

Eu preciso também ser muito competente, mais que eles. Como mulher e estrangeira, eu não posso estar na média quando o assunto é entrega de resultados. Tenho que produzir mais, porque corro o risco de ser substituída por um homem. Eu preciso provar constantemente que mereço estar ali. Uma vez, fui elogiada por um cliente, que disse ao meu chefe que eu aguentava pressão e sabia me comportar como um homem.

swissinfo.ch: E o fato de ser brasileira não dificulta?

F.S.C.: No meu caso, a questão do gênero joga mais contra. Pela minha profissão, eu passaria por esse tipo de dificuldade no Brasil também. Eu tenho que ser dura, exigente comigo e com meu time para mostrar produtividade. Mas um fator que me traz sucesso é o fato de eu não ter medo de tomar decisões.

Eu trago a minha brasilidade para o lado da vantagem. Nós temos de sobra uma habilidade que o suíço não dispõe: a competência social, um misto de saber ser firme com o cliente mas envolver ao mesmo tempo. Enquanto eles fazem curso de como lidar com pessoas, a gente já tem doutorado em gente. Mas obviamente tive que aprender a controlar o hábito de tocar nas pessoas, costumes que temos no Brasil, mas que podem nos comprometer aqui na Europa.

Outro fator que dificulta é a má fama que o brasileiro carrega de profissional medíocre. No caso da engenharia, que é a área que eu conheço, isso é totalmente infundado e fruto de puro preconceito. Temos excelentes universidades de engenharia no Brasil. Se não fosse assim, não estaríamos exportando aviões, por exemplo.

swissinfo.ch: E o que você diria para uma brasileira que quer vencer no exterior?

F.S.C.: Faça o melhor que você pode e o que você ama, seja qual for o seu trabalho. Se você quer ser cabeleireira, seja a top. Tem muita gente mais ou menos nesse mundo, mostre que você é boa naquilo que faz. E para quem mora na Suíça alemã, aprenda o alemão. É difícil mas vale a pena.

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