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Absinto aprovado, maconha não

Na frente do Parlamento suíço o protesto pela liberalização da maconha era bem-humorado: artistas e a deputada federal Eva Allemann cantam uma canção. swissinfo.ch

Durante tumultuada sessão no Parlamento suíço, deputados aprovam a liberalização do absinto e rejeitam o projeto de revisão da nova lei de entorpecentes.

Projeto era apoiado pelo governo, usuários e entidades de apoio. Direita era contra. Consumo de maconha continua sendo crime.

De nada adiantou o engajamento. Porém Ruth Zwahlen, 57 anos, ainda teve ânimo para apitar sozinha frente ao parlamento e criticar a decisão da maioria dos deputados. Seu hobby continua sendo proibido no país dos Alpes.

Há mais de trinta anos essa senhora de cabelos brancos fuma maconha. Sua paixão pela planta é tanta que ela até chegou a criar em 2001 o primeiro museu suíço dedicado ao tema. Na casa, comprada com o dinheiro de uma herança, Ruth exibe a história da utilização do cânhamo na Suíça e também os diversos produtos que podem ser fabricados “com essa planta milagrosa”.

Tendo experimentado pela primeira vez a maconha nos anos 70 durante uma viagem ao Marrocos, ela também já teve diversos problemas com a lei. Apesar de alguns processos perdidos, Ruth não concorda com a política oficial na Suíça e desde 1991 costuma se postar frente ao congresso, sobretudo durante votações relativas a despenalização da erva proibida. Mais uma derrota não esmorece sua vontade. “Voltamos mais uma vez à estaca zero, mas vou continuar a luta”.

Parlamento rejeita descriminalização da maconha

O Parlamento suíço, formado por deputados e senadores em regime de milícia, não costuma presenciar debates tão acalorados como o de ontem (14 de junho). Na ordem do dia estava duas votações: a legalização do absinto e o projeto de uma nova lei de entorpecentes para a Suíça.

A primeira decisão foi relativamente fácil: 142 deputados votaram a favor e apenas 13 contra a legalização do absinto. Agora a produção da chamada “Fada Verde”, a bebida de alto teor alcoólico que já inspirou muitos artistas no passado, volta a ser permitida na Suíça, terra original do produto. O absinto era única bebida proibida expressamente na constituição do país, algo único na Europa.

A segunda votação foi mais complicada e necessitou horas de discursos e interpelações de deputados exaltados. Às oito horas da noite, uma maioria apertada de parlamentares decidiu finalmente não aprovar o projeto do governo de revisão da lei de entorpecentes: 102 contra 92.

Opiniões diferentes

A questão da descriminalização da maconha era apenas um dos itens da nova lei, porém foi a que mais polarizou os parlamentares.

Um deles lembrou na tribuna que a “a maconha encontrada hoje em dia no mercado é tão potente como LSD e que está provada que ela pode provocar psicoses graves, sem falar dos prejuízos causados no rendimento escolar, no trabalho e nos acidentes de trânsito”. Outra deputada ressaltou que a “Suíça esta a um passo de se tornar um centro de distribuição de drogas na Europa”. Para a grande maioria dos parlamentares que votou contra a liberalização, em grande parte dos partidos de direita, “o Parlamento deve lutar, enfim, por uma política de abstinência”.

Pascal Couchepin, ministro do Interior e chefe da pasta de saúde, defendeu o projeto do governo. “Temos de aceitar que existe o problema do consumo de drogas na Suíça e procurar soluções realizáveis”, afirmou o político. “O principal objetivo é combater o comércio ilegal e controlar o mercado”

Outros parlamentares lembravam que tanto associações policiais como grupos de ajuda aos dependentes defendem a descriminalização da maconha, mas reforço legal da política de prevenção e assistência ao viciado no combate ao consumo de drogas.

Situação confusa

A atual lei de entorpecentes data de 1951. Ela foi já foi revisada em 1975 e, desde então, as drogas e seu uso mudaram muito na Europa. O governo federal suíço apresentou em 2001 uma nova proposta que até hoje ainda está em debate no Parlamento. A dificuldade de aprová-la está exatamente na divisão profunda entre aqueles que defendem uma política liberal ou repressiva em relação às drogas.

Na falta de uma nova lei de entorpecentes, a Suíça adotou desde os anos 80 diversas medidas alternativas de combate às drogas. Essa política é considerada uma das mais liberais da Europa, pois está baseada nos chamados “quatro pilares”: prevenção, terapia e reinserção, reeducação sobre os riscos e ajuda à sobrevivência e, finalmente, a repressão e o controle do comércio de drogas.

Tolerância e falta de recursos

Na prática, o Estado suíço faz vista grossa em relação ao consumo de drogas leves e combate às drogas consideradas “pesadas”, oferecendo ao mesmo tempo, diversas formas de ajuda para os dependentes como terapias e até mesmo o fornecimento de heroína ou metadona, sob acompanhamento médico.

Com poucos recursos, a polícia suíça praticamente abandonou o combate ao consumo da maconha, concentrando sua atenção na luta contra o tráfico. Isso ocorre, pois o uso do cânhamo se transformou num fenômeno nacional: segundo um estudo de 2002 do Centro de Estudos Suíço sobre Álcool e Entorpecentes, mais de 500 mil pessoas consomem regularmente ou esporadicamente cannabis.

Trata-se de uma indústria poderosa, que chega a movimentar muito dinheiro no país. Há menos de um mês, policiais descobriram cinco galpões na região rural de Val-de-Travers, onde eram criados mais de 30 mil pés de maconha. A droga foi avaliada em 13 milhões de francos (US$ 10,3 milhões). As plantas eram alimentadas por um sistema computadorizado de última geração. Essa foi considerada uma das maiores plantações “in-door” já descobertas na Suíça.

Com a rejeição da proposta de revisão da lei, a situação não irá modificar-se na Suíça. O consumo e a venda de maconha continuarão clandestinos. Os cantões continuarão com sua política dos “quatro pilares”. “O único problema é que a política de entorpecentes continuará na Suíça sendo algo semi-oficial”, resigna Pierre Duffour, que trabalha na assistência de 360 toxicômanos no cantão de Friburgo e protestava frente ao parlamento pela aprovação do projeto.

swissinfo, Alexander Thoele

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