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Gigantes farmacêuticas terão que engolir pílula amarga

O ministro da Indústria e Comércio da Índia, Anand Sharma (à direita) fala com Francis Gurry, diretor-geral da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, com sede em Genebra, na ocasião da adesão da Índia ao Protocolo de Madrid. Keystone

Quem tem razão nas discussões relativas à propriedade intelectual entre a Suíça e a Índia? Divergências entre os dois países sobre a questão estão paralisando as negociações de um acordo de livre comércio.

As negociações entre a Índia e a Associação Europeia de Livre comércio (EFTA, na sigla em inglês), que reúne Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein, começaram em 2007. No mês passado, o ministro suíço da Economia, Johann Schneider- Ammann, expressou esperanças de que os dois lados chegassem perto de um acordo, depois de tantos anos de negociações.

No entanto, a pressão das empresas farmacêuticas suíças sobre a Índia para garantir a proteção de suas patentes pode acabar de vez com um possível acordo.

Thomas Braunschweig, que supervisiona questões de política comercial para a organização não-governamental “Declaração de Berna”, disse ao swissinfo.ch que “elas pediram ao governo que faça mais esforços para garantir seus interesses, citando que o setor da indústria farmacêutica oferece um número significativo de postos de trabalho na Suíça”.

As empresas químicas, farmacêuticas e de biotecnologia contribuem com 40% de todas as exportações suíças, é o setor líder de exportação do país.

Com 65 mil funcionários na Suíça, em 2012, este setor é um dos maiores empregadores industriais suíços, segundo a Associação da Indústria ‘scienceindustries’.

As exportações totais em 2013 das três áreas aumentaram em 2,5%. No mesmo ano, as exportações para a Índia cairam de 23,8% para 700 milhões de francos. Isso coloca a Índia em 21º lugar, respondendo por 0,86% de todas as exportações suíças do setor.

Exigências suíças

Há duas exigências específicas da indústria farmacêutica suíça que estão sendo negadas pelo governo indiano.

Uma delas pretende acabar com a lei indiana contra a “perenização” de patentes, quando as empresas patenteiam modificações óbvias e um ‘novo uso’ para medicamentos existentes. Este foi o cerne do caso contra a Novartis na Índia, onde a Suprema Corte do país negou a patente de uma nova versão do medicamento contra o câncer Glivec.

A outra pretende introduzir uma “exclusividade de dados” que mina a autorização de versões genéricas de medicamentos com patentes vencidas. Isso obrigaria as empresas de genéricos a repetir testes clínicos, permitindo a manutenção dos preços altos.

Essas exigências já foram rejeitadas pelo lado indiano, já que vão além do que foi aceito no acordo sobre aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio (TRIPS) da OMC.

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TRIPS

O TRIPS estabelece padrões mínimos globais para proteger e aplicar os direitos da propriedade intelectual, inclusive as patentes. No entanto, ele também concede aos países um grau de liberdade para modificar leis que garantam o acesso a medicamentos a preços acessíveis.

Marcel Sennhauser, da scienceindustries, a associação que representa a indústria química, farmacêutica e de biotecnologia da Suíça, disse ao swissinfo.ch que “embora a Índia tenha assinado o acordo TRIPS, o país viola suas obrigações internacionais”.

“O que é mais preocupante e está em contradição com o espírito de livre comércio é a recusa da Índia em reconhecer que a importação de um produto também é considerado um exercício de patente. Em vez de facilitar e promover o comércio, a Índia obriga as empresas estrangeiras a produzir no país”, acrescentou Sennhauser

E perder patentes pode ser devastador financeiramente para a indústria.

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Pressão americana

A indústria farmacêutica suíça não é a única a endurecer sua posição em relação às políticas restritivas indianas de propriedade intelectual. A Câmara de Comércio dos Estados Unidos vem pressionando o governo americano por medidas contra a Índia a este respeito. No início de fevereiro, a câmara pediu às autoridades do país que mudassem a classificação da Índia, o que poderia desencadear sanções comerciais contra o país.

Ativistas do setor dizem que a pressão sobre a Índia poderia ameaçar o fornecimento de medicamentos genéricos a preços acessíveis.

“Eles não devem impor através do acordo de livre comércio regras de propriedade intelectual mais rígidas do que o TRIPS, pois isso poria em causa a capacidade da Índia de fornecer medicamentos genéricos a preços acessíveis para os países em desenvolvimento”, disse Leena Menghaney, responsável da campanha de acesso aos medicamentos lançada pela ong Médicos Sem Fronteiras (MSF) na Índia.

Por isso, qual vantagem para Índia em fazer um acordo com a EFTA? Especialistas, como Braunschweig e outros ex-negociadores, são da opinião de que o único ganho significativo para os indianos seria o acesso ao mercado de trabalho suíço, o que não seria nada fácil.

Apesar de duras negociações por parte da Índia, a imigração é um assunto politicamente sensível na Suíça. Imigração e autorizações de trabalho para trabalhadores temporários são questões diferentes, mas as preocupações sócio-políticas prevalecem sobre essas negociações.

Imigração

“Os negociadores são seres políticos acostumados a jogar para cima ou para baixo as preocupações domésticas. A imigração é um exemplo”, disse Suparna Karmakar, do think tank europeu com sede em Bruxelas, Bruegel.

“Circulação de pessoas em um tratado de livre comércio não é o mesmo que imigração. As disposições do Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS) para o movimento de prestadores de serviços são diferentes do que os políticos procuram mostrar”.

Segundo Karmakar, nos acordos comerciais, a circulação de pessoas implica trabalhadores altamente qualificados, geralmente para atender uma lacuna no país beneficiário. Eles também são permitidos em caráter temporário – geralmente por 3 anos, 5 no máximo – para além do qual as condições de entrada devem ser renegociadas.

A Suíça estabelece cotas para as pessoas de fora da UE/EFTA. A oferta de emprego, o crescimento econômico e a demanda da indústria determinam os números.

Para os ex-negociadores, qualquer concessão nas autorizações de trabalho para os indianos representa apenas uma gota no oceano, dado o tamanho relativamente pequeno da economia suíça e a grande oferta de profissionais de serviços indianos.

Também há receios de que um novo acordo que permita maior acesso ao mercado de trabalho suíço para estrangeiros signifique que a Suíça terá que estender padrões semelhantes em outros acordos de livre comércio. Até agora, a Suíça negociou quase trinta acordos de livre comércio.

Concessões

Karmakar descarta esses medos. “Uma vez que foram feitas concessões bilateralmente, isso não significa que elas se estendam automaticamente a todos os outros parceiros de acordos de livre comércio. Qualquer concessão terá de ser negociada separadamente com cada parceiro. Muitos acordos são frequentemente renegociados à luz de novas concessões conforme a evolução do comércio bilateral, principalmente no caso das tarifas”.

“A Índia tem um papel forte e influente na formulação das políticas de comércio mundial. Embora o país tenha que defender seus interesses nacionais, também devemos reconhecer que é preciso haver um ponto de convergência entre interesses nacionais e interesses internacionais. A Índia terá em breve a maior população do mundo. O país já tem a maior população juvenil do mundo, a política de saúde é, obviamente, uma prioridade de importância vital para o governo indiano”, explica Jean -Pierre Lehmann, professor emérito de economia política internacional do instituto IMD de Lausanne .

Lehmann argumenta que cabe aos países avançados, como a Suíça, “promover políticas comerciais que sejam favoráveis ao desenvolvimento e à convergência”.

Adaptação: Fernando Hirschy

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