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Dias & Riedweg: “O Brasil saiu de moda – mas continuamos aqui”

Cena de Funk Staden
Cena de "Funkstaden", cuja narrativa joga com a cultura funk dos morros cariocas e os relatos do viajante alemão Hans Staden no século 16. A instalação em três vídeos marcou a participação de Dias e Riedweg na Documenta 12 em Kassel, Alemanha (2007), e depois viajou para Holanda e Noruega. Dias & Riedweg


Dupla suíço-brasileira de artistas, Mauricio Dias e Walter Riedweg preparam temporada na Suíça e Alemanha. “O Brasil saiu de moda”, dizem, ao completar 25 anos de parceria.

Adiantado para o encontro, pedi ao motorista do Uber que me deixasse em Santa Teresa, no Rio de Janeiro, onde mora a dupla de artistas suíço-brasileira Walter Riedweg e Mauricio Dias. Caminhei devagar sobre os paralelepípedos do famoso bairro artístico carioca observando os postes com desenhos floridos, as plantas e flores que conferem um ar bucólico ao lugar, não fosse pelo excesso de câmeras de segurança e os avisos de “Sorria, você está sendo filmado”. Toquei a campainha do casarão exatamente às 15 horas. Walter me recebeu no portão da casa acompanhado por seus cães Silva e Promessa, dois Rhodesian Ridgeback, ou leões-da-rodésia. 

Poste decorado na rua do atelier
A rua do atelier no bairro de Santa Teresa, Rio de Janeiro. Rogério P. Jordão

“São anciões, tem mais de 13 anos”, conta Walter. Conforme nos instalamos para a entrevista, os cachorros se esparramaram ao lado, como que prontos a observar uma cena já conhecida. Os dois dormiram profundamente, enquanto Mauricio Dias, que chegara com uma garrafa de café, e Walter Riedweg, discorriam sobre arte e questões contemporâneas, como identidade, gênero, censura, tecnologias, violência urbana, migrações e a próxima empreitada – uma imersão pela Europa, a partir da Suíça, no segundo semestre de 2018.

Desencanto

A dupla suíço-brasileira – Walter é natural de Lucerna e Mauricio é carioca – que em 2018 completa 25 anos de parceria artística (marcada por videoinstalações), sente na pele o clima de desagregação social do Rio, onde moram desde 2000, imerso agora em uma profunda crise, na esteira da prolongada recessão econômica brasileira. “O interesse internacional pelo Rio caiu. Os aviões chegam vazios. O Brasil saiu de moda”, diz Mauricio, enquanto alisa o dorso de Promessa.

O casarão do final do século XIX onde a dupla de artistas fixou residência e trabalha, também dá abrigo a uma pousada e a uma piscina. A casa, porém, foi assaltada em agosto de 2017. Reflete o clima de medo na cidade, que desde março vive sob intervenção militar por conta da escalada da violência urbana. “Muitas pousadas estão fechando por aqui”, conta Walter, enquanto me leva para conhecer o ateliê, uma moderna edícula construída em concreto, à direita da casa central, onde ficam os quartos dos hóspedes.

Mauricio Dias e Walter Riedweg em seu atelier
A dupla em seu atelier durante bate-papo com a swissinfo.ch Rogério P. Jordão

Dentro do ateliê há uma árvore ‘pau-ferro’ que parece furar o telhado ao mesmo tempo em que guia o visitante para a escada que leva a uma plataforma superior onde os artistas armazenam livros e pastas. Parte de suas obrasLink externo, porém, e que são vídeoinstalações já apresentadas na Documenta 12 em Kassel (2007) e em diversas Bienais ao redor do mundo, como as de Veneza (1999) e São Paulo (1998), caberia em apetrechos diminutos. Imagens comprimidas em pendrives ou HDs, que circulam entre colecionadores privados de arte contemporânea e coleções públicas de museus. Na Suíça suas obras estão nas coleções do Migros Museum, em Zurique, do Kunstmuseum de Lucerna, e do Kunstkredit de Basileia, entre outros.

A viagem próxima parece ser um misto de fuga do desanimador cenário carioca e brasileiro e de busca por novas possibilidades artísticas. “São imersões para projetos específicos”, pondera Mauricio. Para o verão europeu preparam uma intervenção em Hamburgo no bojo de uma  importante exposição em curso no Museum für Kunst und Gewerbe (“Mobile Worlds”). “É uma chamada aberta para as pessoas que queiram participar e refletir sobre o contexto e objetos no museu. A gente vai usar os próprios celulares das pessoas para gravar. Será a primeira vez que faremos isto”, conta Walter. “É um projeto participativo onde as pessoas vão intervir na coleção, com geração de imagens e histórias. Vamos coletar este material”, completa Mauricio.

De olho em mudanças

Na estrada desde o início dos anos 1990, Dias & Riedweg são testemunhas das profundas transformações tecnológicas que afetaram, e afetam, o mundo das comunicações, em especial aquelas que dizem respeito ao vídeo e à produção da imagem, matérias-primasLink externo da dupla. 

Instalação de Dias & Riedweg na galeria Whitechapel, em Londres
Tutti Veneziani – vídeo-instalação comissionada pelo influente curador suíço Harald Szeemann para a sua Bienal de Veneza de 1999. A obra ainda seguiu para Basileia, Rio de Janeiro, Barcelona, Helsinki e São Paulo. Dias & Riedweg

“O espaço público-visual que está se criando permanentemente no momento é uma praça gigantesca de aprendizagem. Muitas pessoas estão se expondo de uma forma bizarra e muito vulnerável. Tudo isso faz parte do olhar sobre o mundo pelas extensões que cada um tem (o telefone celular). Temos que aprender a lidar com isso. O pensamento não está acompanhando o desenvolvimento técnico. A gente se torna muito máquina, nos adaptando à máquina e não a máquina à gente. Acho isso precário. Queria estar presente com a postura do artista, que é a de perguntar”, reflete Walter.

A interação das pessoas e espectadores com as obras, em intervenções urbanas ou instalações, está no cerne da proposta artística da dupla. Quer seja trabalhando com presidiários em Atlanta (EUA, 1996), refugiados na Suíça (1998), porteiros de prédio de São Paulo (1998) ou dançarinos de funk das favelas do Rio de Janeiro (2007). 

Instalação Raimundos
Os Raimundos da obra “Raimundos, Severinos and Franciscos”, para a Bienal de São Paulo (1998). Os artistas descobriram que 90% dos porteiros de prédio em São Paulo são nordestinos, e a grande maioria deles atende por esses três prenomes. Assim, reuniram 30 porteiros para realizarem um vídeo, que compõe um painel de memórias, histórias de migração e integração individuais durante décadas da história da construção civil de grande parte das metrópoles brasileiras. Dias & Riedweg

A crítica, a política, o social

O olhar marcadamente político, entretanto, não se dá sem resistências externas. Em 1995, Dias & Riedweg ofereceram a crianças moradoras de rua um ateliê móvel, que resultou na exposição Devotionalia no Museu de Arte Moderna (MAM). Com objetos produzidos pelas crianças, recebeu, à época, críticas severas na Suíça: críticos consideraram imoral falar com crianças de rua sem resolver o problema.

“No começo a recepção ao nosso trabalho era muito mais dura. Na Suíça ouvíamos: tudo bem fazer isso, mas porque num espaço de arte? Mas a arte é para tratar da vida. Um coelho fosforescente geneticamente manipulado pode vir a ser um objeto de arte. Graças à internet a coisa deu uma expandida, possibilitou a circulação da crítica de arte em níveis menos hierárquicos. Nosso trabalho lida com questões políticas, sociais. Trabalhamos a percepção do outro nos espaços de arte”, diz Mauricio.

Instalação Devotionalia
“Devotionalia”: 1.286 cópias de figuras de cera, como se fosse tradição de ex-votos. Na época, o Rio de Janeiro vivia a turbulência provocada pela chacina da Candelária – oito jovens sem-teto executados por policiais militares – e pela chacina de Vigário Geral, onde 21 moradores da favela também foram mortos por policiais militares. Dias & Riedweg

A pegada política é uma opção artística e também, admitem, um limitador em termos de mercado, em especial o privado.  “Mas há colecionadores e colecionadores. Muitos têm uma sensibilidade artística com abertura para o Zeitgeist (termo alemão que traduz “o espírito de um tempo”). E assim montam suas coleções”, complementa Walter.

Breve em Vevey

Este “espírito do tempo”, e no que diz respeito ao candente tema das identidades, estará exposto, a partir de setembro, no Festival Images de Vevey (Suíça), para onde Dias & Riedweg levarão seu trabalho mais recente, uma releitura das imagens de fantasias sexuais produzidas pelo fotógrafo norte-americano Charles Hovland, que esteve exposto na Galeria Vermelho, em São Paulo. 

Charles Hovland
Still do documentário de Dias e Riedweg sobre o fotógrafo Charles Hovland. Dias & Riedweg

Charles, vizinho de uma amiga da dupla em Nova York, colocou, nos anos 1980 e 1990, anúncios em um jornal oferecendo seus serviços fotográficos (ao custo de uma dezena de dólares a sessão) para que as pessoas expusessem para a câmera suas fantasias sexuais. Disso resultou um arquivo com 3 mil rolos de fotos analógicas, que Dias & Riedweg vem digitalizando. “Trata-se de uma possibilidade de arquivamento de fantasias sexuais das pessoas, o que nos fascinou”, diz Mauricio.

Alguns destes modelos voluntários foram encaminhados por Charles para revistas de sexo gay. Arte ou pornografia? Dias & Riedweg não estão alheios a estas questões – e nem poderiam, em se tratando do momento cultural brasileiro, marcado pela volta da censura em diferentes níveis. Em 2017, por exemplo, o Museu de Arte de São Paulo (MASP) chegou a proibir para menores de 18 anos a exposição História sobre a Sexualidade. Já a mostra Queermuseu foi cancelada no Rio Grande do Sul após protestos e barrada pela Prefeitura do Rio de Janeiro, no final do ano passado. “Colocamos um texto explicativo na galeria onde apresentamos o trabalho em São Paulo. Não tivemos maiores problemas. Ver ou não ver é uma opção livre”, avalia Walter.

Painel om imagens do arquivo de Charles Hovland
Arte ou pornografia? A dupla apresenta seu trabalho sobre o arquivo do fotógrafo americano Charles Hovland no festival Images de Vevey (cantão de Vaud), em setembro. “Ver ou não ver é uma opção livre”, segundo Riedweg. Dias & Riedweg

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