Perspectivas suíças em 10 idiomas

As cartas não morreram

Cartas preparadas para o envio: uma visão do passado? © Foto Die Schweizerische Post.

Delegados de empresas de correios de todo o mundo encontram-se entre de 12 a 30 de abril na sede da União Postal Universal (UPU) em Berna. Dentre os temas levantados: o futuro da carta.

Se alguém acredita que a internet matou esse tradicional meio de comunicação, representantes da UPU lembram que existem projetos futuros, dentre eles de endereçamento universal ou da carta híbrida.

A carta é uma das formas mais tradicionais de comunicação. A primeira teria sido o Decálogo, conjunto de leis escritas originalmente por Deus em tábuas de pedra e entregues ao profeta Moisés para transmitir o recado à humanidade. Outra famosa é de Pero Vaz de Caminha, carta onde o escritor português registra suas impressões no momento da descoberta das terras que viriam a se chamar Brasil.

Também Manuel Bandeira utilizou esse instrumento. Em “Carta-Poema”, o famoso poeta brasileiro reclama do lixo e lama acumulados no pátio do seu edifício. “Excelentíssimo Prefeito Senhor Hildebrando de Góis”, escreve sem sucesso. Mais tarde, Bandeira envia outra carta ao novo prefeito. “Não suponha que eu exagero, Excelência: é a verdade pura, Sem nenhum véu de fantasia. Já o pintei uma vez: não quero Fabricar mais literatura Sobre tamanha porcaria!.”

Porém, na era da internet, a impressão geral é que esse veículo já pertence ao passado. Um texto, um endereço e-mail e dois ou três cliques bastam para enviar a mensagem até o outro lado do mundo em poucos segundos. O fim da carta?

“Não acredito. É como quando surgiu a televisão, quando todos acreditavam que o rádio morreria. E não foi isso que aconteceu. A realidade é que os novos meios como a internet servem como um complemento para as cartas, e vice-versa”, avalia Rhéal LeBlanc, porta-voz da União Postal Universal, o órgão da ONU criado em 1874 para coordenar serviços postais entre seus países-membros.

“Longe de ser uma atividade morta”

Os números reforçam a sua tese. Segundo a UPU, são enviadas 438 bilhões de cartas e 6 bilhões de pacotes anualmente. Entre 2000 e 2006, o volume de cartas enviadas se manteve estável nos países industrializados e na América Latina “porém cresceu enormemente na Europa central, oriental e nos países que pertenciam ao bloco soviético”, escreve Dora Precup na revista Union Postale.

A jornalista dá o exemplo da Eslovênia, onde o aumento do volume de cartas enviadas foi de 58% a partir de 2002. “A implantação no país de grandes empresas comerciais e bancárias conduziu ao aumento do volume interno de correio”, explicou-lhe Aleš Hauc, diretor-geral dos Correios do país.

Também pesquisas de opinião, com uma realizada pelos Correios da Dinamarca em 2007, mostram que 75% dos entrevistados dizem preferir receber informações de empresas ou órgãos públicos por via postal do que através de correio eletrônico. Justificativa: a maioria considera essas informações mais sérias se são passadas através de cartas do que por um computador.

“A carta continua sendo um produto importante e também a segunda coluna de sustentação dos nossos negócios”, explicou Jürg Bucher, chefe dos Correios Suíços à imprensa no início de fevereiro de 2010. Apesar da importância crescente do setor financeiro para a empresa, o executivo não vê na internet o fim desse veículo. “Na época do natal chegamos a processar 20 milhões de cartas por dia. O envio de cartas está longe de ser uma atividade morta.”

Efeitos da crise

Porém a crise mundial afeta o setor. A última conferência organizada pela UPU para discutir o tema, em abril de 2009, mostrou resultados de uma pesquisa entre as 15 maiores empresas de correios do mundo. Ela indicou redução de até 6% no volume de cartas enviadas, sobretudo por empresas do setor financeiro.

Os Correios Suíços também tiveram uma redução de 4,7% do número de cartas enviadas em 2009. “Três por cento se explicam pela situação conjuntural e 1,7 devido às mudanças estruturais”, avaliou Jürg Bucher durante a apresentação dos resultados da empresa no final de março. Na questão das mudanças estruturais, lê-se “a substituição dos correios tradicionais pelos meios eletrônicos de comunicação.

Por outro lado, a crise reforçou o braço financeiro de várias empresas de correios no mundo. “Alguns operadores europeus como os Correios Suíços e a Deutsche Post (Alemanha) tiveram crescimentos de mais de 50% no número de contas de poupança e depósitos postais”, escreve a UPU.

Atualmente, o braço financeiro dos Correios Suíços teve em 2009 um faturamento de 2,1 bilhões de francos com apenas três mil funcionários, enquanto o faturamento na tradicional atividade de envio de cartas e pacotes foi de 2,8 bilhões, apesar de ser o setor no qual a maior parte dos funcionários (56 mil) estão empregados.

Futuro dos Correios

Na sede da UPU em Berna, o porta-voz Rhéal LeBlanc mostra-se otimista com o futuro da carta. “Pelo contrário, a internet faz crescer os serviços de envio de cartas”, afirma, citando como exemplo novos formatos como o correio híbrido: cartas ou publicações que são impressas e enviadas o mais próximo possível do destinatário a partir de informações eletrônicas fornecidas pelos clientes.

Outro projeto futuro discutido na reunião anual da UPU, que ocorre atualmente de 12 a 30 de abril é o endereçamento universal, um projeto apoiado pela ONU e cujo principal objetivo é dar um endereço a cada habitante do mundo. “Nos países desenvolvidos é normal ter um endereço, mas no Terceiro Mundo muitas pessoas não têm um”, explica LeBlanc, lembrando de consequências como a exclusão social e econômica de grandes partes das populações do planeta.

E para mostrar que cartas ainda são um tema de interesse, o porta-voz da UPU lembra um concurso muito pouco divulgado pela imprensa, mas cuja participação é mundial: o Concurso Epistolar. Ele é organizado pela UPU desde 1971 para promover entre crianças e jovens de todas as partes do mundo “o gosto de escrever cartas”. Segundo LeBlanc, o tema de 2010 é “escrever uma carta a alguém para dizer-lhe porque é importante falar da SIDA e se proteger dela”.

“Só do Vietnã costumamos receber milhões de contribuições”, diz LeBlanc. O Brasil também é um dos países que mais participa. “E curiosamente, também foi o país de onde saiu a primeira carta premiada em 1972”, explica o porta-voz e que, depois de alguns cliques no seu computador, mostra o texto. Ele começa com as seguintes palavras: “Caro jovem homem do século XXI” (para ler a carta, clique sobre o link na coluna direita).

Alexander Thoele, swissinfo.ch

A União Postal Universal (UPU) é uma organização intergovernamental que agrupa os serviços postais de, actualmente, cerca de 190 países e regiões autônomas.

Foi fundada em 1874, sendo a segunda organização internacional de vocação mundial mais antiga (depois da União Internacional de Telecomunicações) e tem como missão a coordenação entre os serviços postais dos diferentes países membros, sem interferir nas políticas próprias dentro dos estados.

Assim, cada administração postal é livre de definir como distribuir as correspondências, que serviços efectuar, qual o pessoal necessário para o seu funcionamento, qual o seu plano de edição de selos. (Wikipédia em português)

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!

Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR