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Uma história suíça para o Natal

O Natal é época de escutar histórias de lugares distantes...ou imaginários. Porém muitas vezes elas ocorrem ao lado de casa. A canadense Nancy Walker-Guye emigrou há mais de trinta anos para a Suíça, onde começou a escrever livros infantis. E foi através dela que descobri o primeiro conto natalino vivido em um vilarejo dos Alpes suíços.

“Era a véspera do Natal. Nevava muito e os telhados das casas no vilarejo de montanha estavam cobertos por uma espessa camada branca. Niculin sentou-se no banco da igreja ao lado dos pais e pensava satisfeito no casaco e nos sapatos de inverno, onde seus pés não esfriavam. Ele brincava em silêncio de girar as rodas da pequena locomotiva de brinquedo, levada secretamente à missa. O pai de Nicolin era condutor de trem e, como havia caído tanta neve, não precisava ir ao trabalho naquele dia. Um trem emperrou em um trecho distante do vilarejo. Nada mais podia trafegar até a manhã do dia seguinte…”

Assim começa a história no livro infantil “Noite Feliz”. As ilustrações lembram esse período tão especial, especialmente nos vilarejos alpinos, onde as montanhas escurecem mais cedo nessa época do ano. No fundo dos vales, apenas algumas luzes são vistas. Elas indicam o interior aquecido e aconchegante dos chalés de madeira ou das sólidas casas de camponeses. Enquanto o vento joga a neve contra as janelas, seus moradores colocam a madeira nos fornos e ficam felizes de não precisar sair dos lares.

No conto Niculin é um típico garoto suíço, residente em um vale perdido entre as montanhas do Engadin, no cantão dos Grisões. Na igreja ele percebe um faixo de luz atravessando os vitrais. Ao sair, descobre um casal perdido nas ruas nevadas. Sem poder continuar a viagem, o casal procura algum lugar para se dormir naquela noite. A mulher estava grávida. O garoto convida os dois a se hospedar na sua casa. Um bebê nasce. Os pais de Niculin chegam e descobrem espantados o que ocorreu naquela noite. As duas famílias passam um Natal inesquecível. Após as despedidas, prometem um dia se reencontrar. Uma história de solidariedade.

A história se passa em um lugar concreto: o vilarejo de Sent, na Engadina, um vale alpino situado no leste do cantão dos Grisões, Suíça. A ilustradora Alessandra Micheletti conta que “Niculin, o principal personagem, é o único na igreja que consegue ver a luz do cometa. Se quisermos dar um valor simbólico a essa cena, poderíamos dizer que a luz representa a vida. Os paralelos com o Natal são bastante óbvios.” Alessandra Micheletti/Aracari

Estrangeira em terras suíças

A autora desse pequeno conto natalino chama-se Nancy Walker-Guye, 53 anos. Ela veio de um lugar muito distante do Engadin. Sua cidade natal se chama Sarnia, localizada à beira do lago de Huron na província canadense de Ontário. Ela me recebe em sua casa em Yverdon-les-Bains, uma cidade da Suíça francófona. Enquanto serve chá e biscoitos, ela sorri feliz com a visita inesperada.

Eu a descobri quase por acaso. Foi quando entrei em uma livraria em Zurique e perguntei a vendedora se ela poderia me indicar um livro infantil que contasse uma história de Natal passada na Suíça. A primeira reação foi espanto. “Tem de ser na Suíça? Temos Charles Dickens ou os tradicionais contos de Hans Christian Andersen, mas algo que se passe aqui?”, retrucou incrédula. Depois de vasculhar as prateleiras, de cima para baixo, da direita à esquerda, ela chegou quase a desistir. Porém, depois de matutar alguns minutos, foi a uma gaveta embaixo das estantes e retirou o livro “Noite Feliz”, cuja história de Natal passa-se em um vilarejo alpino na Suíça. Foi o único que descobri nas pesquisas informais feitas em várias livrarias do país.

Nancy, a autora, gosta muito do Natal. Ele sempre se lembra com nostalgia das ceias no Canadá, quando a grande família sentava-se à mesa ricamente decorada para deliciar um prato típico como o peru. Dos seis irmãos, ela é a única que emigrou. Hoje, viúva, vive discretamente em uma casa de madeira nos arredores de Yverdon-les-Bains com o seu cachorro, um grande pastor bernês, e o filho, que atualmente faz uma formação de técnico florestal. A filha já saiu de casa e estuda tradução em um cantão no lado oposto do país.

Mas quem são os escritores de livros infantis hoje em dia? Nancy é um deles. Como a maioria, ela também não vive das suas obras. Ela é técnica em radiologia médica, uma profissão que escolheu no Canadá exatamente para poder viajar, outra paixão. “Quando recebi uma oferta de trabalho na Suíça em 1980, não pensei duas vezes: eu estaria no centro do continente, o que me permitiria conhecer rapidamente outros países europeus”. A estadia na Suíça se repetiu outras vezes e o que era para ser um período limitado, se transformou na vida. Ela conheceu o marido, compraram a casa em  Yverdon-les-Bains e tiveram dois filhos. Uma vida normal de família.

A literatura começou por acaso. Como todas as mães, ela também gostava de contar histórias às crianças ao levá-las à cama. Porém gostava de improvisar. Foi quando a filha, aos três anos de idade, reclamou que Nancy não conseguia recontar as mais histórias que mais gostou. “Então a minha filha me disse bem decidida que eu precisava absolutamente colocá-las no papel”, lembra-se.

A ilustradora Alessandra Micheletti afirma: “Eu pintei essa cena ao imaginar o estado emocional da criança. Então introduzi elementos que pudessem lhe trazer mais consolo. Niculin estava preocupado após ter acolhido o casal, pois não sabia como seus pais iriam reagir. O calor do forno lhe dá mais segurança.” Alessandra Micheletti/Aracari

Aprender

Qualquer pessoa que se depare com uma folha em branco sabe como é difícil. Pergunto à Nancy como foi começar a escrever histórias infantis. “Parece fácil, mas as crianças percebem imediatamente quando a história não tem estrutura ou lógica. Tive de aprender”, revela. Por isso pesquisou e descobriu um instituto no Canadá que oferecia cursos por correspondência a escritores iniciantes. As lições chegaram, ela leu tudo do início ao fim, arregaçou as mangas e não parou mais de colocar as ideias no papel. O faz até hoje. “Quanto mais você escreve, mais facilmente elas vão surgindo.”

Seu primeiro dia de glória ocorreu em 1998. Foi quando uma das suas histórias foi aceita pela editora de uma revista infantil dos Estados Unidos. Hoje já são mais de sessenta publicadas. Nancy até se tornou membro da Sociedade de Escritores e Ilustradores de Livros Infantis (SCBWI).

O primeiro livro – “Feliz Natal, Ratinho Matty (Merry Christmas, Matty Mouse) foi lançado em 2003 através da editora NordSüd, em Zurique. “Uma história que faz você se sentir confortável e aquecido até a ponta dos dedos”, escreve um fã no site de uma grande livraria virtual. Depois Nancy ainda escreveu mais três livros infantis inspirados na época natalina: “A estrela do coelho-da-neve”, “Surpresa de Natal do coelho-da-neve” e finalmente “Noite Feliz”, através da editora Aracari, também de Zurique. No total, são oito livros infantis publicados em vários idiomas. Porém a língua de trabalho continua sendo o inglês. “É como eu sinto e penso”, acrescenta.

Ela conta que “Noite Feliz” surgiu de um pedido pessoal do dono da editora. Ele, alguns funcionários e vários escritores infantis estavam reunidos em um pequeno vilarejo dos Grisões, quando o pedido foi feito. “Ele queria que eu escrevesse uma história que se passasse na Suíça. Eu sentei e comecei. Em duas semanas o texto estava pronto. Quando o editor leu, adorou”, lembra-se. As ilustrações foram feitas pela artista gráfica Alessandra Micheletti e lembram realmente as típicas casas da região, as chamadas casas do Engadin, pintadas de amarelo e muitas vezes cobertas por belos afrescos, com motivos geralmente religiosos.

Segundo Alessandra Micheletti, “nessa ilustração aparecem todos os personagens do livro de Nancy. Os paralelos com o estábulo do menino Jesus estão bem visíveis. Porém não quis cair nos chavões. Os valores na obra são universais e não é necessário reforçá-los com imagens já tão conhecidas.” Alessandra Micheletti/Aracari

Happy end

Com uma vela acesa na mesa para dar o ambiente, Nancy serve mais um chá. Aos seus pés está sentado o grande pastor bernês. Como os filhos são quase adultos, ela não precisa mais contar histórias ao pé da cama. Assim teve tempo de escrever o primeiro romance para adultos, dessa vez uma história não natalina. O título “Escolhas: uma história de autoajuda” (Choices: a story of Self-Empowerment) mostra que se trata de uma autobiografia, baseada na sua experiência após ter perdido o marido e começado uma nova vida.

Pensando nos quatro livros natalinos que li antes do encontro, percebo que a principal mensagem de Nancy é a solidariedade, partilha e amizade, três sentimentos que se refletem sobre seu otimismo nato. Talvez seja a aptidão especial dos escritores infantis. Foi o que me levou a questioná-la sobre um mistério: por que todos os livros para crianças sempre tem um final feliz? Minha filha já havia dado uma resposta muito clara. “Por que é assim que tem de ser”. Nancy ri quando eu conto o que escutei, mas acrescenta. “As crianças tem tanto pela frente e já há tantas más experiências na vida, que é direito delas de acreditar num happy end”. No livro “Noite Feliz”, Niculin vive o sonho de Natal através do nascimento de um bebê, em si, o final feliz dessa noite comemorada em tantas partes do mundo.

Biografia

Nancy Walker-Guye nasceu em Sarnia, cidade localizada na província canadense de Ontário.

Depois de ser formar em técnica em radiologia médica, ela veio à Suíça pela primeira vez em 1980 para estagiar em uma clínica de Sion, no cantão do Valais. Ao retornar ao Canadá em meio a uma crise econômica, Walker-Guye decidiu retomar um emprego em Zurique, onde viveu vários anos.

Ela e o marido suíço compraram uma casa em Yverdon-les-Bains, cidade distante uma hora de Berna e localizada na região oeste do país. Até hoje a canadense vive no local com a sua família.

Walker-Guye começou a escrever depois que os filhos pediram que ela registrasse as histórias contadas na cama antes de dormir.

Para aprender a técnica, ela fez diversos cursos de correspondência. Então começou a escrever pequenas histórias. A primeira publicação ocorreu em 1998, quando um dos seus contos foi selecionado por uma revista infantil no Canadá.

Desde então ela já publicou mais 60 de histórias em várias revistas como Highlights, High Five, Babybug, Ladybug e Spider.

Ela é membro da Sociedade de Escritores e Ilustradores de Livros Infantis (SCBWI)

O primeiro livro foi lançado em 2003 através da editora NordSüd, em Zurique.

Até hoje ela escreveu oito livros infantis, publicados em vários idiomas. Há pouco escreveu o primeiro romance para adultos: Escolhas: uma história de autoajuda (Choices: a story of Self-Empowerment)

– Feliz Natal, Ratinho Matty (Merry Christmas, Matty Mouse) – 2003

Nancy Walker-Guye (texto), Nora Hilb (ilustrações)  

Editora NordSüd, Zurique

– Uma surpresa para o coelhinho da Páscoa (A Surprise for Easter Bunny) – 2005

Nancy Walker-Guye (texto), Igor Oleynikov (ilustrações)

Editora NordSüd, Zurique

– Bravo, Louis! – 2008

Nancy Walker-Guye (texto), Susanne Smajic (ilustrações) 

Editora Edel, Hamburgo

– A estrela do coelho-da-neve (Snowbunny’s Star) – 2010

Nancy Walker-Guye (Text), Maren Briswalter (ilustrações)

Editora Aracari, Zurique

– Tão engraçado quanto poderia ser engraçado (As Funny as Funny could be) – 2011

Nancy Walker-Guye (texto), Alessandra Micheletti (ilustrações)

Editora Aracari, Zurique

– Noite Feliz (Silent Night) – 2011

Nancy Walker-Guye (texto), Alessandra Micheletti (ilustrações)

Editora Aracari, Zurique

– O grande pulo (The Big Splash) – 2012

Nancy Walker-Guye (texto), Roberta Angaramo (ilustrações)

Editora Aracari, Zurique

– Surpresa de Natal do coelho-da-neve (Snowbunny’s Christmas Surprise) – 2012

Nancy Walker-Guye (texto), Maren Briswalter (ilustrações)

Editora Aracari, Zurique

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