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“Nós determinamos como o clima será em 50 anos”

Reuters

A melhor forma de administrar as mudanças climáticas é determinar um objetivo, explica Thomas Stocker. Segundo o professor de física climatológica na Universidade de Berna, a humanidade precisa se adaptar às mudanças climáticas segundo suas possibilidades, pois elas já estão ocorrendo.

Para Thomas Stocker, coordenador do grupo de trabalho 1, responsável pelos fundamentos científicos do quinto relatório de avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), a luta contra as mudanças climáticas ainda não está perdida, mas a cada ano que passa, no qual nenhuma redução das emissões é atingida, ela se torna mais difícil.

swissinfo.ch: Nessa função o senhor é quase responsável pela previsão da expectativa de vida do planeta. Não seria um enorme fardo?

Thomas Stocker: Eu não estou sozinho, mas chefio esse grupo de trabalho com um colega chinês e do escritório em Berna. O trabalho intelectual pesado por trás desse relatório baseia-se no esforço de 259 pesquisadores do nosso grupo de trabalho.

Em Berna coordenamos, discutimos, organizamos o processo e ajudamos nas formulações. Elas devem ser preparadas de tal forma, que os jargões científicos sejam reduzidos a um mínimo para que a nossa mensagem seja compreensiva aos representantes políticos.

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swissinfo.ch: Ou seja, são muitas noites sem dormir?

T.S.: Não são noites sem dormir, mas se ocorrer algo de errado, então preciso explicar o que aconteceu. Nos últimos quatro anos não poupamos esforços para evitar as incorreções e fazer o processo o mais transparente possível. Porém é necessário ressaltar ser impossível não haver erros, pois se trata de um trabalho realizado por pessoas.

swissinfo.ch: Como é possível prever o clima quando temos tantos fatores desconhecidos? Como, por exemplo, o desenvolvimento econômico de um país como a China…

T.S.: Você está falando aqui de inseguranças em relação ao desenvolvimento econômico. Aqui definimos cenários científicos de um desenvolvimento tecnológico, ou cenários nos quais as intervenções políticas em prol de uma redução das emissões ocorrem.

Porém existe uma segunda categoria de inseguranças relacionadas à  compreensão do sistema físico da Terra. Até que ponto podemos simular uma precipitação ou a absorção de calor nos oceanos? Isso traz inseguranças, mas também é a função da ciência quantificá-las e reduzi-las.

swissinfo.ch: E o que não é possível prever na pesquisa do clima?

T.S.: Eventos surpresa, por exemplo. Apesar de se pesquisar intensamente, nesse caso é difícil fazer projeções. Um exemplo: há uma parte da Antártida que está abaixo do nível do mar e que, através do aquecimento dos oceanos e a elevação do nível do mar, pode ser desestabilizada. Isso é um processo físico que compreendemos, mas que não podemos prever com precisão para um determinado período.

Outro exemplo seria a reação das florestas nas regiões tropicais. O que acontece por lá se houver uma mudança nos períodos de chuvas como consequência do aquecimento global? Também nesse caso as previsões são extremamente difíceis, pois nunca vivemos nada algo analógico.

swissinfo.ch: Em que setores a pesquisa do clima fez grandes progressos? Onde há lacunas ainda?

T.S.: Existem diversos grandes progressos. Um deles é a observação global, onde satélites medem em que dimensões o gelo na Groelândia e na Antártida está derretendo. Esses dados não estavam disponíveis sete anos atrás. Essas medições nos permitem agora ter uma visão consistente da elevação atual do nível do mar. Nós sabemos que essa elevação ocorre devido ao recuo global das geleiras, do aquecimento da água dos oceanos e sua expansão, além do derretimento do gelo na Groelândia e na Antártida.

Outro desenvolvimento é que os modelos se tornaram melhores. Eles têm uma definição mais apurada. No entanto ainda estamos tão avançados a ponto de poder projetar para cada uma das regiões não apenas as mudanças de temperatura, mas também de precipitação e, talvez, a estatística dos eventos extremos.

swissinfo.ch: A maior parte da população quer apenas saber o que irá acontecer em termos de clima…

T.S.: Em uma frase diria o seguinte: nós temos a escolha, está nas mãos da população mundial como o clima será em 50 ou 100 anos, até que ponto uma determinada região se aquecerá, até que ponto ela se tornará mais seca ou húmida, qual aumento do número de acontecimentos extremos que teremos de lidar ou quanto teremos de elevação do nível do mar. Nossa escolha é determinar as emissões globais de gases de efeito estufa.

swissinfo.ch: Desastres naturais parecem estar se repetindo nos últimos anos? Uma coincidência? Ou elas teriam alguma relação com as mudanças climáticas?

T.S.: Isso é uma pergunta complicada. O IPCC publicou sobre essa questão em novembro de 2011 um relatório especial. Nessa área científica complexa já conseguimos fazer afirmações confiáveis sobre os eventos extremos que têm relações com a temperatura (ondas de calor) ou fortes precipitações (inundações).

A situação já é diferente para os furacões, que também têm grande relevância do ponto de vista econômico. Nesse caso a ciência ainda não é capaz de fazer afirmações fundamentadas sobre quando e onde os furacões serão mais fortes ou mais frequentes.

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swissinfo.ch: É possível gerenciar as mudanças climáticas?

T.S.: O melhor gerenciamento das mudanças climáticas seria determinar para si um objetivo de clima e dizer quanto de mudanças climáticas queremos e somos capazes de lidar. O acordo do objetivo de dois graus foi, pelo menos no papel, um passo muito importante.

A maior questão é naturalmente saber o que significa um objetivo de dois graus célsius? Quais medidas devem ser tomadas em nível global para alcançar esse objetivo? Pois, senão fizermos nada e as emissões de combustíveis fósseis continuarem a aumentar como ocorre até então, então esse objetivo climático irá derreter como a neve com o sol de verão. Claro e indiscutível é o fato de que as emissões globais de CO2 devem ser reduzidas drasticamente se quisermos ter uma chance de alcançar o objetivo definido.

A adaptação à mudança climática deve ocorrer de todas as formas, pois muitas pessoas já estão sendo atingidas pelas mudanças climáticas, e isso não apenas nas regiões costeiras, mas também nas regiões montanhosas como a Suíça, onde vivemos uma intensificação do processo de aquecimento e do degelo do pergelissolo (n.r.: tipo de solo encontrado no Ártico ou áreas gélidas nas montanhas) como consequência do aquecimento.

swissinfo.ch: O senhor fala de adaptação às mudanças climáticas e não da luta contra elas. Isso significa que essa luta já está perdida?

T.S.: A luta ainda não está perdida, mas a cada ano que passa em que nenhuma redução das emissões é alcançada, as metas do clima já aceitas se distanciam até que possam desaparecer de forma definitiva. É necessário fazer adaptações, pois as mudanças climáticas estão ocorrendo neste exato momento. A questão é saber até que ponto somos capazes de nos adaptar. Em regiões determinadas essa adaptação já não é possível: é quando recursos importantes para a vida já não estão mais disponíveis. Como, por exemplo, terras que estão ameaçadas pela elevação do nível do mar ou a água necessária para manter um ecossistema. Na região do Mediterrâneo já existem regiões atingidas por fortes períodos de seca.

swissinfo.ch: O globo já não se aquece há mais de dez anos. Isso reforça o lado dos céticos da questão das mudanças climáticas. Esse desenvolvimento atinge a sua credibilidade?

T.S.: Não. É preciso simplesmente se lembrar do que as pesquisas do clima já falam há muitos anos: clima não é o que vivemos hoje e amanhã com o tempo. Uma afirmação sobre a situação do clima existe medições exatas sobre um período longo no tempo, mais tradicionalmente trinta ou centenas de anos. É preciso elaborar estatísticas. Seria enganoso concluir a partir desses dez anos que o aquecimento global passou. Isso seria cientificamente insustentável.

Thomas Stocker estudou física do meio ambiente na Escola Politécnica de Zurique (ETH) e concluiu o curso com um título de doutorado.

Depois de passagens pelo University College (Londres), McGill University (Montreal) e a Columbia University (Nova Iorque), Stocker foi nomeado professor no Instituto de Física da Universidade de Berna, onde coordena o Departamento de Clima e Física do Meio Ambiente.

Depois de dez anos atuando no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) da ONU, o professor foi eleito co-presidente do Grupo de trabalho 1 junto com o pesquisador chinês Dahe Qin.

Pelo seus trabalhos e pesquisas, Stocker recebeu o prêmio nacional Latsis Preis, o

Dr. Honoris Causa da Universidade de Versailles e a medalha Hans Oeschger Medaille da União Europeia de Geociências.

– 258 pesquisadores são responsáveis pela base científica do relatório 1. Dele colaboram também mais 600 colaboradores.

– O relatório baseia-se em mais de 10 mil estudos científicos já publicados.

– Thomas Stocker não considera que haverá influência de governos, já que os estudos foram feitos com bases científicas.

– O relatório será publicado a partir de 23 de setembro em Estocolmo. Em 2014 serão publicados os dois relatórios seguintes e mais uma síntese.

Adaptação: Alexander Thoele

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