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Crime organizado troca o dólar pelo euro

Malas de euro são mais leves do que em dólar. imagepoint

Enquanto o euro – a moeda única europeia – sofre com os problemas orçamentários dos países do sul da União Europeia (UE), uma parcela da atividade econômica mundial aposta todas as cartas na moeda única: o crime organizado.

A economia clandestina abandonou o dólar, em declínio, para tirar proveito das vantagens da divisa europeia.

Da América Latina às ex-repúblicas soviéticas, passando pelos Bálcãs, o tráfico de drogas, armas, seres humanos, órgãos e o contrabando fazem grandes negócios. E o dólar foi abandonado, tudo se negocia doravante em euros. E isso principalmente depois que os especuladores de Wall Street provocaram a degringolada da moeda norte-americana.

Esse interesse do crime organizado pela moeda única europeia não começou ontem, mas a queda dos mercados financeiros e a crise econômica doparam o apetite das máfias pelo euro. Mais estável e mais vantajoso no câmbio do que o dólar, o euro agora é encontrado em todo o planeta.

“Menos malas”

Das sete diferentes notas disponíveis, a maior, de 500 euros, tem a preferência do crime organizado. “É lógico, são necessárias cinco vezes menos cédulas para transportar o mesmo montante em euros do que em dólares”, diz Cédric Tile, ex-funcionário da Reserva Federal dos Estados Unidos, em Nova York, e professor do Instituto de Altos Estudos do Desenvolvimento da Universidade de Genebra (IHEID).

É uma vantagem central apontada também por outros especialistas em questões monetárias, como o professor de Economia e pesquisador Charles Wyplosz: “Essas transferências de fundos ilegais precisam ser feitas o mais discretamente possível para escapar dos controles. Não surpreende, portanto, que se recorra às notas grandes.”

Mundialização do euro

A globalização do euro também desempenha um papel determinante na troca do dólar pela moeda única europeia. “Alguns anos atrás, era praticamente impossível pagar em euros fora da zona euro. Hoje, se você viaja pelos países do Leste Europeu, na América do Sul e mesmo em certos países da Ásia, em quase todos os lugares se aceita euros”, afirma Daniel Thelesklaf, diretor do Instituto Basileia da Governança.

“As atividades ilícitas que proliferam de maneira exponencial no Leste Europeu requererem grande quantidade de liquidez em euros e também contribuem para a expansão da moeda europeia”, acrescenta Nicolas Giannakopoulos, diretor do Observatório do Crime Organizado, em Genebra.

Recentemente, nada menos de 11 milhões de euros em dinheiro foram interceptados pela polícia britânica na chegada a Londres de um voo da British Airways, proveniente dos Estados Unidos. Foi uma prova do interesse simultâneo pelo euro e pela praça europeia para o dinheiro do crime. Até os piratas do Golfo de Aden e os talibãs afegãos exigem atualmente pagamentos em euros nas transações para libertar reféns.

Uma moeda forte e mais segura

Esse grande interesse não deverá diminuir, apesar das oscilações da moeda única devido aos problemas orçamentários dos países do sul da Europa: “As recentes oscilações não vão provocar grandes preocupações para os chefes do crime organizado. É bom lembra que, nesses últimos anos, o euro só se valorizou e se estabilizou”, observa Charles Wyplosz.

É uma avaliação que comparte Daniel Thelesklaf: “Como os dirigentes da indústria legal, os patrões da economia subterrânea gerem seus negócios conforme seus interesses e as melhores oportunidades do mercado. Foi o que os levou a preferir o euro forte e estável dos últimos anos. E isso vai sem dúvida continuar.”

A UE é menos restritiva do que os Estados Unidos

Depois da adoção do Patriot Act votado pelo Congresso norte-americano em 2001, a lavagem de dinheiro tornou-se bem mais difícil nos Estados Unidos.

Daniel Thelesklaf lembra que os movimentos de dinheiro vivo não são controlados na UE, “o que pode facilitar as operações e os fluxos de dinheiro, particularmente para as operações que se efetuam em vários países europeus.”

Bem mais estável ainda que o euro, o franco suíço é pouco usado pelo crime organizado porque circula muito menos do que a moeda única europeia. Numa primeira etapa, em todo caso: “Não se deve ter ilusões: uma vez lavados, os capitais são naturalmente reinvestidos. E o mercado imobiliário na Suíça é particularmente visado”, acrescenta o especialista de Basileia.

Um fenômeno previsível

Antes da introdução do euro, vários especialistas tinham previsto o interesse do crime organizado pela moeda europeia e suas notas de maior valor. “Isso até provocou uma polêmica, porque muitos suspeitavam que o Banco Central Europeu (BCE) quisesse facilitar as coisas”, lembra o economista Charles Wyplosz.

O professor reconhece que as notas de 500 euros “não eram indispensáveis e que é realmente a economia clandestina que utiliza facilmente essa nota”, mas considera que esta não foi uma estratégia premeditada pelo BCE.

Por ano, o crime organizado movimenta entre 4 e 8% da economia mundial, o que totaliza um volume de 1 a 2 trilhões de dólares, “quem sabe, até muito mais”, segundo Nicolas Giannalopoulos. Esses fluxos financeiros transformados em euros não têm nada de inquietante para Cédric Tille: “Isso é apenas uma parte ínfima do total dos movimentos monetários.”

Nicole della Pietra, swissinfo.ch
(Adaptação: Claudinê Gonçalves)

Sete cédulas. A moeda única é disponível em sete cédulas diferentes, de 5 a 500 euros.

Globalização. Nos últimos cinco anos, o euro está praticamente globalizado.

Recuo do dólar. Desde 2002-2003, o crime organizado mundial abandonou progressivamente o dólar norte-americano para adotar a divisa europeia.

Franco suíço confidencial. Mesmo muito estável, o franco suíço não provoca o mesmo interesse porque a divisa helvética não é suficientemente espalhada pelo mundo.

Lavagem. Mas a economia suíça é muito apreciada para investimento de capitais lavados, principalmente no setor imobiliário e os fundos de investimento.

Vertiginosos. Segundo estimativas, a economia clandestina diretamente ligada ao crime organizado movimenta entre 1 e 2 trilhões de dólares por ano.

Dinheiro vivo. Em escala mundial, mais de 90% da reciclagem é feita em dinheiro vivo.

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