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Parceria entre museu de SP e colecionador suíço resgata um ícone da fotografia

A exposição da revista Camara no Rio de Janeiro. CinthiaBueno_MIS

A parceria entre um colecionador suíço e um dos mais importantes museus brasileiros está ajudando a resgatar a trajetória de uma publicação considerada um ícone mundial do fotojornalismo e da fotografia de arte. 

Editada regularmente de 1922 a 1981, a revista suíça Camera terá seu acervo de cerca de três mil e quinhentas imagens conservado e catalogado pelo Museu da Imagem e do Som de São Paulo (MIS-SP). O acordo foi fechado entre a direção do museu e o psiquiatra e colecionador suíço Wulf Rössler, proprietário do acervo, e possibilitou também a realização da exposição “Revista Camera – a fotografia dos séculos XIX e XX”, que permanece em cartaz no MIS até 28 de maio.

Médico e professor da Universidade de Zurique, Rössler comprou a coleção em 2015, diretamente das mãos do homem cuja vida se associou mais diretamente à revista Camera: Allan Porter, norte-americano radicado na Suíça que foi o editor da publicação em seu período áureo, entre 1966 e 1981. No fim desse período, as dificuldades financeiras levaram ao fechamento da revista. Em 2013, a Camera voltou a ser editada, desta vez de forma trimestral, mas Porter, que hoje tem 83 anos e vive na cidade de Lucerna, acabou sendo obrigado a se desfazer do acervo. Agora, seu novo dono quer resgatar a história de Porter e da revista, e para isso conta com a ajuda do MIS.

Em 4 de maio, Rössler esteve em São Paulo para participar de um debate sobre a Camera, como parte do evento Maio Fotografia no MIS. Ele afirmou querer conservar e expor sua coleção de imagens da revista e disse que conta com o apoio do museu paulista para isso: “É uma coleção particular, eu sou o dono, mas não quero manter isso dentro da minha casa e mostrar só para os meus amigos. A ideia é desenvolvermos a parceria”, disse.

Técnicos do museu começaram então a realizar em novembro do ano passado o processo de higienização, catalogação e acondicionamento da maior parte do acervo. Responsável pelo trabalho, Patricia Lira, supervisora do Centro de Memória e Informação do MIS (Cemis), ficou vinte dias em Zurique para fazer os trabalhos iniciais de catalogação e conservação de um acervo que conta com ampliações em papel fotográfico, negativos, e trabalhos em papel japonês.

“Tínhamos uma estimativa de duas mil fotos na coleção, mas ela foi bastante ultrapassada. Quando eu comecei a trabalhar, vimos que a coleção tem em torno de três mil e quinhentas imagens. Como eu tinha pouco tempo, fiz o trabalho sobre as duas mil que constavam da estimativa inicial. Então, a coleção ainda não está toda tratada e catalogada”, diz Patricia.

Para a brasileira, a parceria com o colecionador suíço ainda pode render novos frutos: “Este é um trabalho que pode continuar desde que a parceria também continue. Além do trabalho diretamente sobre as imagens, a ideia é que possamos fazer novas exposições no futuro”.

Dois meses antes, em setembro, Patricia esteve na Suíça “para ter um primeiro contato com a coleção e uma ideia da dimensão do trabalho”. Naquela ocasião, além do contato com Wulf Rössler, teve também a oportunidade de ir à Lucerna conversar pessoalmente com o mítico Allan Porter: “Ele já é um senhor, tem alguns problemas de saúde, mas ainda é super-lúcido e gosta muito de falar sobre o trabalho que realizou. Ele é uma pessoa que gosta de contar histórias, e contou para a gente como conheceu alguns fotógrafos, como alguns dos fotógrafos que hoje são super-renomados e referenciados foram publicados em um primeiro momento por ele”.

Uma das ilustrações publicadas na revista em 1923. Alexander Rodchenko

Resgate

O objetivo da exposição realizada pelo MIS é tornar a revista suíça mais conhecida no Brasil, país onde nunca teve grande circulação, mesmo antes das três décadas de hiato: “A Camera é considerada um ícone da fotografia de arte mundial, foi uma revista que teve a intenção de internacionalizar obras fotográficas e que, principalmente no período do Allan Porter, era publicada em três idiomas. Ela saiu do reduto Europa também em termos de conteúdo. O Porter publicou muitos fotógrafos norte-americanos, já que ele mesmo é norte-americano, mas também fotógrafos asiáticos e alguns poucos latino-americanos. Mesmo assim, o único lugar que vendia a revista no Brasil era uma determinada loja de fotografia”, diz Patricia Lira.

“A ideia da exposição é esse resgate, ela está muito focada na revista e em trazer novamente sua importância para a difusão da fotografia de arte em termos mundiais. É uma exposição de uma coleção que tem uma relação profunda com a revista, mas que ultrapassa a revista. Várias fotos que a gente encontra na coleção não foram publicadas na revista e até mesmo ultrapassam o período de atividade do Allan Porter. Há fotos que foram produzidas durante os anos oitenta e até nos anos noventa. O Porter não deixou de colecionar essas fotos com o final da revista”, diz a supervisora do Cemis.

A exposição apresenta 219 imagens de importantes nomes da fotografia como Henri Cartier-Bresson, Aleksander Rodchenko, Eugène Atget, Sarah Moon e Robert Mapplethorpe, entre outros: “Meu desafio foi, a partir da coleção, fazer um recorte. Terminei optando por fazer uma seleção dos grandes artistas que participaram da Camera, com uma ala dedicada ao século XIX e outra ao século XX”, diz o atual secretário de Cultura de São Paulo, André Sturm, que era diretor executivo do MIS quando o acordo com Rössler foi fechado e é o curador da exposição.

Fotografia de Arte

Sob a direção de Allan Porter, a revista Camera conheceu seu auge em um período no qual surgiu a tecnologia em cores e a fotografia passou a ser plenamente aceita no mundo da arte. A publicação suíça foi pioneira ao mostrar dezenas de trabalhos de arte e também ensaios experimentais com temas abstratos ou minimalistas. Vários fotógrafos hoje reconhecidos internacionalmente como artistas – como Josef Koudelka, Ralph Gibson e Eikoh Hosoe, entre outros – tiveram seus trabalhos iniciais publicados pelas mãos de Porter.

“A Camera foi uma revista que inovou também na questão editorial. O Allan Porter é designer, tem formação em Artes Gráficas, então nesse período a gente vê uma mudança radical na maneira como a revista era editada. Havia um cuidado muito grande com a finalização, com a impressão das fotografias. Os anúncios publicitários nunca ficavam ao lado das imagens. Havia também o cuidado com a qualidade do papel em que eram colocados os textos que, muitas vezes, não eram textos editoriais, eram ensaios críticos ou filosóficos, grande parte deles escrita pelo próprio Porter. Havia esse cuidado editorial com a publicação da revista. Ela foi revolucionária – e hoje em dia é icônica – por todas essas questões”, diz Patricia Lira, supervisora do Centro de Memória e Informação do MIS (Cemis).

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