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Orquestra Sinfônica Juvenil da Bahia é sucesso na Suíça

Ricardo Castro também rege a Orquestra Juvenil em alguns programas. Ricardo Castro YOBA -® Tatiana Golsman

Convidada como residente do Setembro Musical , Festival de Música Clássica Montreux-Vevey, a Orquestra Sinfônica Juvenil da Bahia (YOBA, na sigla em inglês) passou uma semana no festival e apresentou cinco concertos. Sempre com casa cheia e sucesso indiscutível.

Montreux é mais conhecida pelo seu festival de jazz, mas o festival de música clássica está este ano em sua 69ª edição, ou seja, começou vinte anos antes do jazz.

Uma das grandes atrações desta edição foi a presença da Orquestra Sinfônica Juvenil da BahiaLink externo – 140 músicos de 12 a 26 anos – foi a primeira orquestra brasileira a ser convidada como residente pelo Setembro MusicalLink externo.  A orquestra juvenil é parte de um projeto maior conhecido pela sigla Neojiba – Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia, iniciado em 2007 e deste o início dirigido pelo pianista baiano e consagrado internacionalmente Ricardo Castro. O Neojiba é financiado pelo governo da Bahia e tem atualmente sete núcleos em Salvador, região metropolitana e interior, envolvendo 4.500 pessoas.  Na entrevista a seguir, Ricardo Castro conta os detalhes do que considera como uma grande família.

swiissinfo.ch: Na imprensa só se vê críticas à Venezuela e o Neojiba é inspirado no projeto deles?

Ricardo Castro: É verdade, a ideia não é dos venezuelanos mas a realização é. É o programa de educação musical e de desenvolvimento social através da prática musical em conjunto maior do mundo.  Esse programa venezuelano é reconhecido por todos os grandes músicos do planeta.

swissinfo.ch: Em 2007, quando começou, você imaginava que, em pouco tempo, o projeto teria essa dimensão?

R.C.: Eu esperava e espero grandes proporções justamente por causa da Venezuela. Eles estão com quase 400 mil crianças e jovens e a situação deles é muito parecida com a nossa. Então, se eles conseguiram isso, eu sempre achei que nós iríamos conseguir sim e estamos seguindo o caminho.

swissinfo.ch: Justamente quantos são hoje na Bahia?

R.C.: Atendidos direta e indiretamente são 4.500, número que cresceu substancialmente nos últimos doze meses devido ao fato que a gente se concentrou desde o início a criar um núcleo central forte de multiplicadores, de músicos comprometidos, com ideias claras do projeto com competência para tocar e ensinar também. Esse núcleo forte tem mais ou menos quinhentos jovens em Salvador e mais trezentos na zona metropolitana e cidades do interior. Com esse núcleo conseguimos expandir para o resto do estado muito rapidamente.

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swissinfo.ch: Quais são os princípios básicos do projeto?

R.C.: A música é um meio, não um fim. A música não é obrigatoriamente uma profissão, mas uma atividade inerente e necessária ao desenvolvimento humano de todos, sem exceção. Que não é uma arte somente para talentosos ou iluminados que teriam recebido um dom de Deus. A música é uma linguagem para os seres humanos e que muitos vão poder chegar a um nível muito alto. Então nós queremos levar plateia para o palco e estamos mostrando que isso é possível.

swissinfo.ch: Esse princípio de que os que sabem mais ensinam os que sabem menos requer uma grande organização?

R.C.: Claro que é um trabalho de grupo. Cada pessoa que entra no Neojiba recebe essa mensagem e é conscientizada do que realmente está acontecendo.  Um dos nossos lemas é aprende quem ensina. Eu ainda não ouvi falar de outro exemplo em que uma das condições  para ser membro é ser multiplicador. Você não pode se preocupar apenas consigo, com sua própria carreira, se você não é capaz de passar adiante os seus conhecimentos. Então, músico juvenil da Bahia é multiplicador também. Eu espero que isso sirva de exemplo para outros programas e outras orquestras, para que os músicos saiam de sua bolha isolante, desse pseudo mundo artístico onde eles seriam superiores aos outros e se integrem à comunidade e assumam um papel importante que eles têm. A música tem um poder transformador muito forte e nós músicos temos o papel de transmitir essa mensagem.

swissinfo.ch: Você falava hoje aos jovens que música é um exército, que tipo de exército?

R.C.: Sim, porque realmente é preciso lutar muito por esse ideal, por essa mensagem de beleza, de paz, de comunidade. Essa orquestra integra hoje todos os segmentos da sociedade na Bahia, sem qualquer discriminação econômica, social, religiosa ou étnica. Temos aí uma ferramenta de integração social única e que realmente pode transformar a sociedade. Isso é uma guerra justa e bela, feita através da música.

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swissinfo.ch: Como a Suíça entra nesse projeto?

R.C.: Primeiro porque esse meu segundo país. Eu tenho a nacionalidade suíça e exatamente 30 anos atrás eu tive que vir para cá para ser um melhor músico porque a formação no Brasil não oferecia as condições para me transformar no músico que eu hoje tento ser, como pianista. Vim estudar em Genebra em setembro de1984, Hoje, exatos 30 anos depois, eu volto para a Suíça trazendo uma orquestra de 135 músicos, a maioria da periferia de Salvador, jovens que tocam faz apenas três anos. Estamos fazendo uma turnê com onze concertos em três países (Suíça, Itália e Inglaterra). Em fevereiro fizemos doze concertos nos Estados Unidos. Toda essa turnê é financiada pelos produtores locais, não gastamos nem em passagens aéreas. Tudo isso graças a esses jovens que estão transformando a sociedade lá na Bahia e espero que sirvam de exemplo para o país.

swissinfo.ch: musicalmente, em que nível estão esses músicos?

R.C.: É o topo da pirâmide, por isso estamos em turnê com 18 peças diferentes e mais um programa dedicado somente à percussão, ou seja,  é uma turnê que exige um nível elevadíssimo de performance musical, capacidade de concentração, disciplina. São jovens, mas que têm uma capacidade de trabalho impressionante e fazendo isso na alegria, no companheirismo. Nessa orquestra estão os jovens melhor preparados para multiplicar o sistema no Brasil.

swissinfo.ch: Como foi para eles essa experiência de passar uma semana em Montreux?

R.C.: Para mim é muito simbólico poder mostrar a esses jovens o que é possível. Nós temos o mesmo DNA. Alguns pensam que é possível porque é a Alemanha ou os Estados Unidos. Ou então porque alguém bate bem um tambor e dizem que só é possível porque é na África. Eu contesto essas ideias. Todos têm o mesmo DNA e o que as crianças precisam é de oportunidades e condições para se desenvolver.  Foi o que foi feito na Bahia e, em menos de sete anos, nossa orquestra recebe convites do mundo inteiro e que levanta plateias.  Me disseram aqui que tivemos o primeiro “standing ovation” do festival de Montreux, e já foram dois! Um num programa dedicado às Américas, mas o segundo para a 1ª Sinfonia de Mahler. Não viemos aqui tocar samba para ter “standing ovation” e isso é a prova de que as crianças necessitam nossa atenção e nosso investimento. Precisar acreditar na nossa juventude que é nosso futuro e elas têm muito mais capacidade do que as pessoas imaginam.

swissinfo.ch: Como será a Najiba dentro de sete anos?

R.C.: Temos um planejamento estratégico muito sério para que em 2017 tenhamos dez mil integrantes. Nós iniciamos o Neojiba no estado da Bahia, que é tão grande quanto a Espanha, onde não havia nada semelhante e existe uma fome muito grande de entrar no mundo da música. Nós sabemos disso por causa da lista de espera do nosso programa. O que temos diante de nós é 30 ou 40 anos de trabalho ininterrupto, de uma gincana continua, que é essa a nossa vida lá hoje, para que todas as crianças do estado da Bahia tenham finalmente acesso à linguagem musical, que possam escolher que instrumento querem tocar, que tipo de música eles querem tocar, que possam transmitir o que têm dentro nessa linguagem universal.

swissinfo.ch.: Desde o princípio, o projeto é financiado pelo governo da Bahia. Esse financiamento é garantido se o governo mudar?

R.C.: Isso é importante dizer. É política pública do estado implantada em 2007 pelo governo Jacques Vagner, que me convidou sabendo que eu tinha essas ideias em mente.  Me convidou para implantar o projeto em Salvador. Esse projeto hoje tomou dimensões inesperadas e os partidos de oposição também mencionam o Neojiba como bandeira de campanha e que não deve ser interrompido. Tentamos explicar desde o início que ninguém pode abrir uma escola num vilarejo e depois dizer que acabou o dinheiro e fechar a escola. O que estamos fazendo é a mesma coisa. Isso não uma atividade de lazer, mas uma atividade essencial para o ser humano e queremos que essa mensagem seja entendida por todos, inclusive aqui na Europa. A música é uma atividade absolutamente necessária e faz um bem enorme ao ser humano. Então é uma política pública e duvido que alguém tenha coragem de interrompê-la.

swissinfo.ch: Como você consegue conciliar esse imenso trabalho na Bahia com seus concertos e suas aulas em Conservatório aqui na Suíça?

R.C.: Eu me alimento bem, durmo bem, viajo muito e tenho uma vida muito organizada. Sempre que posso estou no piano estudando. Durante essa turnê eu também sou solista. No mês, estive como maestro e solista convidado de outras orquestras no Brasil, por exemplo. Mantenho a atividade de professor porque é algo forte dentro de mim que iniciei antes de ganhar os prêmios principais que ganhei como pianista. Do ponto de vista financeiro são elas por elas e venho todo mês aqui na Suíça para dar aulas. Para mim é importante transmitir o que aprendi com grandes mestres e também do contato com o piano, que é o instrumento que conheço desde os três anos de idade. É uma atividade tão importante para mim como comer e dormi. Nunca vou poder parar de fazer isso. Tempo nós tempos todos para tudo, é uma questão de organizar. É uma questão de decidir que nós não estamos aqui somente para se preocupar consigo mesmo ou com os seus.  Enquanto o ser humano não acordar para se comunicar, para colaborar… Os bebês nascem todos prontos para salvar a humanidade e nós estamos impedindo que isso aconteça.  Então nosso papel é abrir vias de comunicação e a música para mim é a linguagem mais imediata e  mais rápida para conseguir isso.

swissinfo.ch: Quando você vê os meninos tocarem, você se emociona?

R.C.: Eu vivo emocionado nesse programa porque não são só histórias musicais, são histórias de vida. Eles me chamam de Ricardo, eles têm meu celular, às vezes toca no meio da noite e é um problema pessoal, como se eu fosse o pai deles. Então eu estou totalmente envolvido nisso.  Obviamente tento evitar que isso não ultrapasse as minhas capacidades, mas é de coração sentir que as pessoas, juntas, podem fazer alguma coisa. Se você ajudar, não vai esperar governo nem dizer se Deus quiser. A minha casa hoje é muito maior (estamos falando de 4.500 pessoas). Tem uma equipe fantástica trabalhando no Neojiba. São 70 funcionários. Nós começamos com 50 mil dólares e hoje nosso orçamento é de 3 milhões de dólares. Então você pode ir muito além da ideia de se preocupar somente com os que estão à sua volta.

swissinfo.ch: Finalmente você acabou arrumando uma imensa família?

R.C.: Sim sim, não só arrumei como ela continua crescendo. Esses jovens que acabaram de tocar são minha família, meus alunos também são minha família. A humanidade tem de ser um network. Nós estamos juntos, nossa família é a família humana. Se nós não nos reunirmos, que é que vai se reunir? Será preciso um ataque extraterrestre para o ser humano se dar conta de que somos uma família? Então eu estou no caminho normal de estar ligado com as pessoas, preocupado com os outros. Não adianta eu estar bem, se do lado esta todo mundo mal. Isso vai acabar caindo em cima de mim de alguma forma.

Dados biográficos

Ricardo Castro nasceu em Vitória da Conquista, Bahia, em 7 de novembro de 1964, em uma família de classe média.

Começa a tocar no piano familiar com 3 anos, ouvindo e imitando sua irmã.

Com 5 anos vai estudar na Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia.

Com 10 anos, toca como solista o concerto em ré maior de Haydn, acompanhado pela orquestra sinfônica da Universidade Federal da Bahia.

Em 1984 vem estudar no Conservatório  de Genebra.

Em 1987 ganha o 1° prêmio da ARD, em Munique, Alemanha,

Em 1992 começa a ensinar no Conservatório de Friburgo e continua até hoje.

Em 1993 é o primeiro músico sul-americano a ganhar o concurso internacional de Leeds, em Londres.

Em 2007, a convite do governo da Bahia, cria o Neojiba (Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia).

Em 2013 é o primeiro músico brasileiro a receber o título de membro honorário da Royal Philharmonic Society, que o torna uma figura incontornável da música clássica.

Fonte: La Liberté

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