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A discreta eloquência de Mira Schendel

Sem título (Todos), 1964, óleo sobre tela, 162 x 132 cm, Coleção particular, São Paulo, Brasil. Foto: Isabella Matheus

A biografia da artista suíça naturalizada brasileira Mira Schendel (1919-1988) a retrata como uma mulher discreta, reservada e avessa a falatórios. Talvez deva-se a isso o fato dela ter criado uma linguagem muito particular e de grande eloquência por meio das suas obras.


Toda essa expressividade ao longo de 40 anos de produção pode ser vista na exposição itinerante que leva o nome da artista, organizada pela Pinacoteca do Estado de São PauloLink externo e o museu Tate Modern, de Londres, em associação com a Fundação de Serralves – Museu de Arte Contemporânea do Porto, em Portugal.

Com patrocínio do Credit Suisse, a mostra que reúne cerca de 300 obras conta com a curadoria de Tanya Barson da Tate Modern, e Taisa Palhares, da Pinacoteca, e leva o visitante a uma viagem cronológica pelo trabalho da artista. O tempo todo, no entanto, é possível observar as idas e vindas de suas ideias e referências em suas experimentações constantes no uso de formatos, técnicas, materiais e conceitos. Como ela mesma disse: “O que me preocupa é captar a passagem da vivência imediata, com toda a sua força empírica, para o símbolo, como sua memorabilidade e relativa eternidade”.

Objeto gráfico, c. 1967, decalque e óleo sobre papel de arroz eacrílico, 100 x 100 cm – Daros Latinamerica Collection, Zurique, Suíça. Foto: Thomas R. DuBrock

Mix cultural

E nessa vivência, ela traz para seus trabalhos um olhar muito particular sobre tantos contatos com outras nacionalidades e o que as compõem: línguas, religiões, filosofias, conceitos e culturas. Uma mistura que ela trabalha de forma singular e que imprime em cada uma das obras a sua personalidade artística tão característica. Uma riqueza de produção que os brasileiros podem ver com certo privilégio até o final da exposição, no dia 19 de outubro.

Em 1941, a artista se casa com o croata Jossip Hargesheimer, de ascendência austríaca, indo morar anos depois com ele no Brasil, inicialmente na capital gaúcha, Porto Alegre. Em 1953, chega a São Paulo. Três anos depois, separada de Jossip, ela passa a viver com o livreiro alemão naturalizado brasileiro Knut Schendel, com quem se casa em 1960, adota o nome de Mira Schendel e tem sua única filha, Ada Clara.

Depois de um tempo dedicada basicamente à filha, Mira retoma sua produção e apresenta, em 1962, a série Bordados, desenhos em aquarela líquida sobre papel arroz. Entre 1964 e 1966, ela realiza desenhos figurativos, normalmente do seu cotidiano, experimentando trabalhar com nanquim e têmpera sobre papel úmido. Período em que produz a série Monotipias.

Ao contrário de muitos artistas que recusaram estar presentes no que ficou conhecido como a Bienal do Boicote, em 1969, em plena Ditadura Militar, Mira aceita participar da 10ª Bienal de São Paulo. A instalação Ondas Paradas de Probabilidade apresentava, porém, apenas uma série de fios, do mesmo tipo dos que ela já tinha usado em outras de suas obras, pendurados, sem nada além deles para exibir.

Em 1971, Mira produz cerca de 200 Cadernos artesanalmente, expostos no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. Ao longo desta década, ela segue com diversas outras séries, como Toquinhos, em papel e acrílico e retoma no mesmo período a cor em desenhos feitos com papéis japoneses.

Na década seguinte, em 1981, Mira participa da 16­ª Bienal de São Paulo, quando apresenta o conjunto de 12 pinturas nomeado Hexagrama, inspirado no livro das mutações chinês, o I Ching. Nos anos seguintes, ela vem a criar sua última série, Sarrafos. Durante uma viagem à Alemanha, em 1988, Mira é diagnosticada com câncer de pulmão, vindo a falecer em 24 de julho, aos 69 anos.

Isso porque, no Brasil, estão sendo expostas, além dos trabalhos das mostras anteriores, um número maior de obras das séries Bordados e Naturezas-mortas (década de 1960), Mandalas (década de 1970), Papéis Japoneses (década de 1980) e um amplo conjunto do Museu de Arte Contemporânea da USP, doados pelo crítico de arte e amigo de Mira, Theon Spanudis. Todo acervo ocupa o primeiro e segundo andar da Pinacoteca, entre pinturas, desenhos, esculturas e instalações, realizados entre os anos de 1950 e 1987, e inclui a última série produzida pela artista, nomeada “Sarrafos”. As peças são feitas de madeira de grande formato, sobre as quais são aplicadas camadas de têmpera acrílica branca e gesso, e parafusados sarrafos de madeira pintados a têmpera preta que saltam da tela em mais uma experimentação da artista – dessa vez dando uma perspectiva 3D à obra, mas que preservam características dos primeiros trabalhos, como textura e formatos dos desenhos.

Variantes, 1977, óleo sobre papel de arroz e acrílico, dimensões variáveis. Acervo do The Museum of Fine Arts, Houston, EUA The Adolpho Leirner Collection of Brazilian Constructive Art. Foto: Thomas R. DuBrock

2 mil obras em papel de arroz

Mas o grande destaque é dado à produção em papel de arroz, material que ela usou para criar entre 1964 e 1965 cerca de 2 mil obras. Na Pinacoteca estão os conjuntos de trabalhos intitulados Monotipias, Trenzinho e Droguinhas, todos de 1965; seguidos de Objetos Gráficos, de 1967; Cadernos, de 1970; além das instalações Ondas Paradas de Probabilidade, de 1969; e Variantes, de 1977.

Na mostra ainda está O Retorno de Aquiles, de 1964, em que a artista usa pela primeira vez o texto como elemento visual da composição. “É a primeira grande mostra de Mira Schendel desde 1996”, afirma a curadora Taisa Palhares, que acredita ser uma oportunidade única para os brasileiros apreciarem obras que dificilmente serão expostas no país tão cedo.

Artistas suíços no Brasil

A adida cultural do Consulado Suíço, em São Paulo, Célia Gamini, comenta a importância da exposição Mira Schendel para o reconhecimento do trabalho de artistas suíços no País.

Swissinfo: No que uma exposição como esta contribui para valorizar a arte e a cultura suíça?

Célia Gambini: O reconhecimento da importância desses artistas suíços pelos brasileiros é sempre uma grande honra, como é o caso da atual retrospectiva consagrada à Mira Schendel na Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Swissinfo: Mas origens suíças de alguns artistas ainda são pouco conhecidas, não?

CG: As origens suíças de muitos artistas, em muitos casos, permanecem desconhecidas, talvez porque eles conseguiram se miscigenar rapidamente. Mas, em geral, a origem não é algo que conte muito para um artista. Porém, é possível que justamente esse deslocamento, a dupla, às vezes tripla nacionalidade puderam contribuir de forma tão original para as artes brasileiras. Como é normal, a obra, quando é de valor, sobrepõe-se à vida pessoal. E o local de nascimento, mesmo marcando mais ou menos profundamente o trabalho, acaba sendo uma questão coadjuvante. Todavia, o serviço cultural das representações diplomáticas no Brasil tem desenvolvido um trabalho permanente de recuperação e preservação da presença suíça no Brasil, acessível no site: www.suicosdobrasil.com.brLink externo

Swissinfo: Quem você citaria, além de Mira?

CG: John Graz, Blaise Cendrars, Oswaldo Goeldi, Claudia Andujar, Smetak, Widmer, entre tantos outros, lembrando ainda de Max Bill, que ganhou o prêmio da Bienal de 1951 e que teve uma grande influência sobre os artistas brasileiros e artistas mais jovens de origem suíça, que estão em plena atividade no Brasil. Entre eles, a artista plástica Sonia Guggisberg e o músico Thomas Rohrer. 

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