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Jovens brasileiros encantam fazendo música na Suíça

Orquestra ensaiando
Os músicos brasileiros durante o ensaio para a apresentação na Academia de Música da Basileia. swissinfo.ch

Orquestra de câmara formada por estudantes de comunidades carentes recebe prestigiado prêmio em Zurique e participa de intercâmbio na Academia de Música de Basiléia. O giro pela Europa ainda incluiu apresentações em Genebra e cidades da Alemanha. A swissinfo.ch acompanhou o encontro entre os jovens de realidades distintas, mas unidos pela mesma paixão à música. 

O que é que o pandeiro, tamborim e agogô têm a ver com o violino, violoncelo e contrabaixo? Apesar de serem instrumentos distintos, associados ao samba e à música clássica, eles tocam em harmonia nas mãos dos 18 jovens de comunidades carentes que participam do conjunto Camerata, nascido no projeto Ação Social pela Música do BrasilLink externo (ASMB).

Os músicos estiveram em turnê pela Suíça e Alemanha no fim de agosto executando com arranjos eruditos um repertório brasileiríssimo, que ia desde “Aquarela do Brasil” de Ary Barroso a “Oque é? O que é?” de Gonzaguinha. 

O giro pela Europa incluiu uma passagem por Basileia, onde um intercâmbio alinhado pelo Consulado da Suíça no Rio de Janeiro permitiu que os estudantes suíços da Orquestra de Câmara Jovem da Academia de Música da BasileiLink externoa experimentassem o jeitinho brasileiro de interpretar essa arte. As duas equipes passaram uma tarde juntas ensaiando e se apresentando no centro da cidade.

Além da colaboração, a Camerata também tocou no Tonhalle de Zurique, em um prestigiado jantar de gala em comemoração ao centenário da organização de caridade Save the ChildrenLink externo. Na mesma ocasião os músicos receberam o prêmio Swiss Charity AwardsLink externo. O roteiro do grupo incluiu ainda apresentações nas Nações Unidas em Genebra e em cidades da Alemanha.

Intercâmbio

Os olhos da violinista Aurelie Schiltz, 19, e da violoncelista Rahel Sulzer, 17, brilhavam com grande antecipação. As colegas aguardavam ansiosas a chegada do ônibus trazendo os jovens brasileiros. 

“Já tocamos com outros grupos, mas não com outra orquestra”, conta Schiltz. “Acho que vai ser muito interessante, curioso. Não falamos a mesma língua, mas de alguma maneira sei que vamos nos compreender”, completa Sulzer.   

“Podemos aprender com eles novos ritmos e cultura. Vimos isso quando recebemos as partituras e percebemos que é bem diferente”, conta Sulzer que estudou as notas de “Carinhoso” de Pixinguinha para executar a obra com os colegas cariocas.

O ônibus chega e a diretora da Escola de Música da Academia, Anna Brugnoni, convida os estudantes a se instalam no palco principal do centro de educação. 

Com uma cacofonia em processo de afinamento, suíços e brasileiros se aquecem, ajustando os instrumentos. Ao sinal do professor argentino Fernando Bess soltam em perfeita sincronia as primeiras notas, ecoando na cabeça dos ouvintes “meu coração, não sei por que”…

Os 45 minutos de ensaio transcorrem de modo tão natural e afinado, que o tempo evapora. No grande final, uma Aquarela do Brasil encerrada com poderosa batucada de pandeiro e pontuada com gritos de êêêêê e palmas esfuziantes de todas as partes.

“Esse grupo de brasileiros é como eu tinha esperado. Inacreditavelmente engajados ao tocar, com uma grande presença corporal, com uma linda virtuosidade. Dá para ver que eles são apaixonados por música, algo que faz parte dos brasileiros”, elogiou o maestro Ulrich Dietche.

Organizador do encontro, o cônsul geral do Rio de Janeiro Rudolf Wyss conta que descobriu o excelente trabalho da ASMB através da recomendação dos colegas diplomatas alemães. 

Homem tocando violino na rua
Gabriel Jseus da Paixão: “Eu vi o violino e fiquei curioso…” swissinfo.ch

Há dois anos morando no Rio, mas carregando uma experiência de mais de cinco anos de estadia em São Paulo, Wyss compreende bem o Brasil e viu na música a porta de entrada para um diálogo maior entre os dois países.  

Inspirado nos amigos

Gabriel Jesus da Paixão completa 18 anos em setembro e ao atingir a maior idade comemora ter encontrado nas notas e partituras a sua satisfação.

Original do morro do Alemão, ele caiu na música por influência dos amigos. Foi apresentado ao violino ainda na infância nas ruas do complexo. Tudo começou como uma brincadeira. 

“Eu vi o violino e fiquei curioso. Aí assisti na internet um vídeo de uma professora tocando divinamente. Foi então que eu decidi que queria isso para mim”, lembra. 

O jovem vai seguir formação musical e está convicto da escolha: “Até porque é um ato revolucionário um preto de favela tocando violino, ainda mais agora na Suíça”, brinca. Além de Gabriel outros dois dos seus 4 irmãos estão no projeto, um toca viola e o outro violoncelo. 

“A música é universal”, diz. “O que eu sempre acho interessante são os instrumentos tradicionais brasileiros e suíços, isso funciona muitas vezes. E essa sempre foi a minha ideia, unir música brasileira e suíça, proporcionando esse intercâmbio”, explicou  
   
Após o ensaio, os jovens seguem juntos pelas ruas históricas do centro de Basileia até a rua Klosterberg, onde uma festa popular em prol das crianças do brasil aguarda-os. Um palco está montado e a apresentação dos brasileiros e suíços emociona os moradores de Basileia.  
  
No caminho entre a academia de música e a celebração de rua a diretora do projeto, Fiorella Solares, conta à swissinfo.ch o propósito do projeto que iniciou em 1994 com o seu falecido marido, o maestro David Machado. 

“A ideia inicial é fazer inclusão social pela música. O que queremos é educar pessoas e ajudar jovens que precisam de algum tipo de lazer e não devem estar nas ruas. Ocupados eles têm menos probabilidade de entrar no tráfico, de consumir drogas.”

“Eles podem entrar em qualquer momento. Só temos um requisito: têm que estar na escola pública. Então o aluno vai à escola pela manhã e ao projeto à tarde. Lá oferecemos lanche, assistência social e reforço de Português e Matemática”, explica. 

Desde a fundação, já passaram mais de 12 mil alunos pela ASMB e o projeto está presente em 20 favelas com núcleos no Complexo do Alemão, Rio das Pedras, Morro dos Macacos e Cidade de Deus atendendo cerca de quatro mil alunos. “A gente tira a criança da ociosidade pondo um instrumento na mão», diz com orgulho Solares.

E esse instrumento também serve de chave para a abertura de novas portas no futuro, como a possibilidade de uma formação em música no brasil e no exterior.

“Muitos dos ex-membros já trabalham profissionalmente como músicos e aqui dessa Camerata posso dizer que pelo menos sete alunos já estão dentro da faculdade de música e o resto está próximo de entrar na faculdade de música”, diz Solares.   

“É claro que está ao alcance de todos interessados fazer uma prova de seleção e vir estudar aqui na Academia de Música de Basileia. Isso é completamente possível. Temos muitos alunos sul-americanos, inclusive brasileiros, e há a possibilidade de bolsas para quem precisa”, acena com as portas abertas a diretora Anna Brugnoni.

Mulher segurando violino
Mariana Pereira: “Todos os meus planos futuros foram mudados pela música…” swissinfo.ch

Gabriel Jesus da Paixão,18, é um forte candidato. O morador da favela do Alemão planeja justamente isso: fazer da alegria da infância uma profissão na vida adulta. “A música é um universo enorme e quando uma criança criativa entra nesse universo, dá pra imaginar o tanto de coisas maravilhosas que ela ainda vai fazer”, profetiza para o futuro. 

Rotina intensa

Mariana Pereira já participa da segunda turnê na Europa. Em 2017 tocou na Alemanha e está contente em poder voltar ao velho continente.

A violinista de 19 anos é moradora do complexo do Alemão e estuda música desde os 11 anos. Sem parentes no projeto, ela teve que persistir para não abandonar os ensaios, mas não se arrepende. 

“Eu estou muito feliz. Mudou minha vida completamente”, avalia. A rotina é intensa. Aula duas vezes por semana, ensaio com a Orquestra Sinfônica Jovem do Rio de Janeiro três vezes por semana e mais os encontros da Camerata. 

“Todos os meus planos futuros foram mudados pela música. Ela trouxe muita felicidade, respeito ao próximo, educação. Tudo de melhor na minha vida veio através dela”. 

Mariana planeja concluir uma formação universitária em música e retribuir o projeto lecionando novas gerações.  

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