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Tunísia como bom aluno da Primavera Árabe

Quatro anos após a chamada Revolução do Jasmim, a Tunísia adotou uma constituição moderna, um parlamento eleito livremente, um presidente um novo governo de coalizão. Com o violento ataque terrorista ao Museu Nacional, a "primeira democracia moderna do mundo árabe" enfrenta o seu primeiro grande desafio. E agora o próximo passo: decentralizar as estruturas do Estado através da promoção da cidadania ativa e da democracia participativa. 

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Por Bruno Kaufmann

O ataque de 18 de março ao Bardo – o museu nacional do país – provocou mais de vinte vítimas, mas não foi uma surpresa. No mesmo dia, o Parlamento aprovou uma nova lei de combate ao terrorismo. Todos os partidos políticos concordaram na mesma noite de continuar a transição para uma democracia moderna. Esse passo mostra que o desenvolvimento da Tunísia é promissor, apesar do revés terrorista.

Um progresso ocorreu em fevereiro: após duas tentativas de estabelecer um governo de minoria, o primeiro-ministro Habib Essid, que não é filiado a nenhum partido político, conseguiu montar uma coalizão dos quatro mais importantes partidos: o partido secular de Nida Tounes (86 assentos), os islamistas do Ennahdha (69), assim como os liberais do UPL (16) e o Afek (8).  166 dos 217 dos membros do Parlamento deram seu aval à formação dessa coalizão única para um país árabe.

Fórum em Túnis

A Universidade de Cártago irá receber o Fórum Global da Moderna Democracia Direta 2015 em Túnis, de 14 a 17 de maio.
É a quinta conferência do gênero. O tema atual é “decentralização através da participação”.
O encontro irá reunir mais de 300 cidadãos ativos, representantes do governo e jornalistas de mais de 30 países. 

A democracia moderna é construída passo a passo nesse país, cujo papel na Primavera Árabe foi fundamental. Eu pude observar há alguns meses como os diferentes grupos, as minorias e as facções desse país de 11 milhões de habitantes celebraram o quarto aniversário da sua revolução. Nas zonas de pedestres da principal rua da capital, a Avenida Habib-Bourgiba, milhares de pessoas manifestaram pacificamente para defender causas diversas e variadas.

Famílias que sofreram a violência policial durante a revolução até militantes gays, passando por um comitê de solidariedade com a Palestina e sindicatos, até os pequenos grupos de extrema esquerda e salafistas: todos foram às ruas nesse dia. Fui testemunho de uma manifestação multicolorida, barulhenta, anárquica, mas profundamente encorajadora em uma região que ainda é confrontada a todos os tipos de abusos da parte do poder político.

Coesão social

Com o que os tunisianos realizaram durante os quatro anos após a queda do ditador Ben Ali, podemos falar verdadeiramente de um início sólido em direção a uma democracia moderna e participativa. Mas como explicar a exceção tunisiana em uma região que muitas vezes viu as promessas da Primavera Árabe terminar em fiasco? A resposta encontra-se na coesão e na força da sociedade civil tunisiana, que se apoia em organizações como o sindicato UGTT, a Liga dos Direitos Humanos e grupos de defesa das mulheres.

Como em outras partes do mundo árabe, a Tunísia foi igualmente confrontada a ferozes lutas pelo poder e atos de violência odiosos. Mas ela deu uma resposta diferente. Túnis apostou na humildade e na via paciente do compromisso quando se tornou necessário fixar as regras do jogo. Depois elas foram incluídas em uma das constituições mais modernas do mundo.

O texto foi aprovado por 93% dos membros da assembleia constituinte formada em 26 de janeiro de 2014. A própria assembleia foi eleita diretamente pelo povo tunisiano três anos antes. Portanto, inúmeros tunisianos, e particularmente os jovens que esperavam grandes mudanças após a revolução, se decepcionaram com os resultados mornos surgidos através desse compromisso.

Enquanto que alguns deles imigraram para a Europa vizinha, outros, especialmente nas zonas rurais, seguraram os fuzis na Líbia e na Síria, e agora começam a trazer a ameaça terrorista para o solo tunisiano, como foi demonstrado claramente no ataque de 18 de março.

Imperativo constitucional

Mas a violência política não é a preocupação na Tunísia. A economia nacional sofre com a instabilidade regional e vazios do Estado, cuja administração e o poder judiciário não passaram ainda por grandes reformas. 

Bruno Kaufmann exerce o cargo de presidente do Conselho da Democracia e Comissão de Eleição em Falun, na Suécia. É também presidente do Instituto Iniciativa e Referendo Europa, bem como co-presidente do Fórum Mundial de Democracia Direta Moderna. É ainda correspondente na Europa Setentrional e editor-chefe de ‘people2power.info, portal sobre democracia direta, criado por www.swissinfo.ch que o integra. Zvg

A ausência de estruturas locais e regionais parece, por vezes, ser o desafio mais importante a superar. Durante a ditadura, os vilarejos, cidades e províncias eram administradas como simples entidades administrativas do governo central. Resultado: ineficiência, corrupção e uma falta total de participação dos cidadãos.

De acordo com a nova constituição, a situação deve mudar. O texto não prevê apenas uma descentralização em grande escala, mas igualmente a aplicação de uma democracia participativa. Segundo o artigo 139, “as autoridades locais devem adotar os mecanismos de democracia participativa e os princípios de governança aberta para garantir a mais participação possível dos cidadãos e da sociedade civil.”

Uma das primeiras grandes missões da nova coalizão no poder será decentralizar o país e permitir aos cidadãos de participar através do estabelecimento de formas modernas da democracia direta.

A natureza democrática e participativa da versão tunisiana da Primavera Árabe deverá assim mais uma vez ser testada, como ocorreu no momento de adotar uma nova constituição e permitir a realização de uma série de eleições livres e, em quando parte, corretas.

O problema é que, para construir governos locais nas comunidades locais, somente as urnas não serão suficientes. Será necessário ter pelo menos uma participação ativa, estabelecer um plano democrático refletido e chegar a um acordo.

Desafio global para a Tunísia

A nova coalizão governamental de Habib Essid não tem tempo a perder. As vozes críticas exigem que as primeiras eleições locais e regionais sejam organizadas no mais tardar ainda no ano corrente. Mas antes que elas eleições possam ocorrer, inúmeras questões fundamentais devem ser resolvidas.

Quais são os limites geográficos das municipalidades e das províncias, um ponto que terá que ser definido por elas próprias? Quais serão as bases legais e a natureza desses governos locais?

A Tunísia não é seguramente a primeira democracia do mundo a enfrentar esse tipo de questões e desafios. É por essa razão que a mais importante instituição universitária do país, a Universidade de Cartago, irá sediar o Fórum Mundial de 2015 sobre a Democracia Direta na primavera.

Essa quinta conferência mundial sobre a democracia participativa reunirá mais de 300 cidadãos ativos, representantes governamentais, políticos e jornalistas originados de mais de trinta países. O momento também será aproveitado para o lançamento global da nova plataforma da democracia direta na internet, em dez idiomas. E, com sorte, a conferência irá encarnar o espírito de um Tunísia, onde as pessoas estão unidas contra o terrorismo e a democracia é construída através do trabalho difícil, mas essencial, de saber compartilhar. 

Ponto de vista

A nova série da swissinfo.ch acolhe doravante contribuições exteriores escolhidas. Tratam-se de textos de especialistas, observadores privilegiados, a fim de apresentar pontos de vista originais sobre a Suíça ou sobre uma problemática que interessa à Suíça. A intenção é enriquecer o debate de ideias.

Adaptação: Alexander Thoele

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