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A minoria excluída da democracia helvética

Quatro mulheres atletistas posam com bandeiras e flores
Quatro atletas suíças (da esq. à dir.: Ajla Del Ponte, Salome Kora, Sarah Atcho e Mujinga Kambundji) conquistaram uma medalha no revezamento durante o Campeonato Internacional de Atletismo em Zurique, em 2018. Muitas jovens migrantes são esquecidas na democracia suíça. Ennio Leanza/Keystone

A democracia se legitima através da promessa de representar adequadamente o povo. No entanto, um olhar crítico sobre a democracia na Suíça revela suas deficiências: mulheres, jovens e pessoas de baixa renda ou nível educacional inferior estão pouco representados nas diversas instituições políticas. Um grupo, os estrangeiros, estão inclusive excluídos do direito de voto.

O artigo faz parte da série #DearDemocracy, a plataforma para democracia direta da swissinfo.ch. Aqui são articuladas opiniões de autores de nossa redação, bem como as opiniões de autores convidados. As opiniões aqui expressas não representam necessariamente as posições da swissinfo.ch. 

Os direitos democráticos não caem do céu. Eles são uma conquista de pessoas corajosas, que lutaram pelos seus direitos e os de outros. Esses esforços em prol da igualdade também se manifestaram na Suíça, como discutimos neste espaço.

Há cem anos a situação política e social na Suíça era bastante tensa. O cheiro de revolução pairava no ar. Muitas pessoas estavam insatisfeitas com as condições de vida e trabalho, especialmente os operários nas fábricas, que se sentiam abandonados pela classe política imperante.

Essa situação fortaleceu o movimento dos trabalhadores, tendo por consequência a eclosão da luta de classes no país. Greves e manifestações contra as elites as obrigaram a fazer concessões.

Apesar de muitas exigências não terem sido atendidas, ocorreram algumas conquistas, dentre elas a representação proporcional. Introduzida em 1919, esse instrumento significou uma mudança considerável no sistema político, uma vez que os assentos no Conselho Nacional (Câmara dos Deputados), passaram a ser distribuídos proporcionalmente segundo os resultados dos votos para os partidos.

Esquerda integrada…

Concretamente, o fim da votação por maioria significou o fim do domínio absoluto do Partido Liberal, fundador da Suíça moderna, e uma duplicação do número de parlamentares oriundos da socialdemocracia.

Fatias importantes do eleitorado, alijados há muito tempo do sistema eleitoral, passaram a estar representados de forma equilibrada no Parlamento. Como resultado, o conflito político foi neutralizado.

….porém mulheres ficaram de fora

Uma outra exigência da classe operária era o direito do voto para as mulheres. Porém o poder vigente não o aceitava. Elas, que representavam metade da população, conquistaram esse direito em 1971 graças a uma nova lei aprovada por…homens. Por mais de 123 anos as mulheres suíças ficaram subrepresentadas politicamente. E pior…estavam ausentes no poder em nível nacional.

Até hoje a representação das mulheres nos grêmios políticas é insuficiente, como mostra o seguinte gráfico.

Conteúdo externo

Desenvolvimento positivo

Nos cinquenta anos desde a introdução do direito de voto às mulheres, a representação feminina nos parlamentos melhorou. A proporção de mulheres nas diferentes instituições políticas aumentou continuamente.

Mas tudo é relativo: ao espelhar o desenvolvimento futuro, um analista pode considerar que serão necessários mais 50 anos, ou seja, meio século, até que a representação das mulheres espelhe sua proporção na população total.

Para muitos esse é um período demasiadamente longo. A Federação Suíça de Mulheres (Alliance F) exigiu no ano passado a “concordância dos sexos”, ou seja, uma cota fixa de mulheres no Conselho Federal. O objetivo é garantir uma representação igualitária nessa instituição formada pelos sete ministros que governam a Suíça.

Cotas como solução?

Cotas são um instrumento igualmente eficaz, mas controverso, para reduzir a desigualdade de oportunidades e de representação. Elas formulam metas rígidas sob a forma de ações mínimas e preveem penalidades em caso de não cumprimento.

No entanto uma sistema de cotas cobra um preço à democracia: primeiramente, a livre vontade dos eleitores fica restringida; em segundo, cotas rígidas ignoram o fato de a representação de interesses precisar ocorrer de forma independente de características individuais como gênero, idade ou profissão.

Também existem outras possibilidades: obrigar os partidos a apoiar a candidatura de mulheres nos diferentes mandatos, como é o caso da FrançaLink externo. Porém isso obrigaria uma modificação do sistema eleitoral na Suíça através da introdução de alguns instrumentos como a introdução do direito de voto para estrangeiros. É o que ocorre em vários cantões (estados) na parte francófona do país. Outro instrumento seriam campanhas educativas.

Esforços pela igualdade

O governo suíço se esforça nesse sentido, como mostrou a eleição para o Conselho Federal ocorrida em dezembro de 2018. Hoje três mulheres fazem parte do gabinete ao invés de apenas duas. Falta pouco então para chegar à metade, apesar do número ímpar de ocupantes do Poder Executivo. Existem apenas nove países com mais mulheres no Poder Executivo do que a Suíça.

A palavra “sentir” é um ponto central. Ela expressa que se trata de princípios nobres como justiça, igualdade e reconhecimento. E que, do ponto de vista das pessoas afetadas, não são suficientemente levados em conta.

Jovem migrante

No entanto, as mulheres não são o único grupo social insuficientemente representado nas instituições políticas. De fato, pessoas com menos de 40 anos de idade correspondem a mais de 45% da população total na Suíça. Porém, no Parlamento federal, apenas 13% dos deputados e senadores se encontram nesta faixa etária. Porém muitos habitantes com baixo nível educacional e empregos mal pagos também não estão representados.

Não é uma coincidência que esses grupos politicamente subrepresentados também participem menos dos plebiscitos e referendos. Eles também não estão presentes nos conselhos de administração das empresas. E, apenas em casos excepcionais, são vistos nas posições de liderança na sociedade. O poder político, econômico e social está concentrado em redes restritas. Poder e influência não são distribuídos aleatoriamente ou mesmo de forma justa na sociedade: sua distribuição segue uma lógica própria.

Os estrangeiros, que representam cerca de um quarto da população total no país, estão excluídos do direito de voto e eleição. As restritivas leis de naturalização vigentes na Suíça são responsáveis pela situação. Os grandes obstáculos para obter o passaporte vermelho com a cruz branca significam que membros de famílias que já vivem na Suíça há três ou quatro gerações, bem integrados à sociedade, estejam impedidos de participar da vida política.

A democracia, como qualquer outro ideal sociopolítico, fica inacabada. No entanto, isto não significa que o cidadão seja obrigado a se resignar. A história ensina que o poder, a co-determinação e os direitos não são distribuídos como doces em festas de Cosme e Damião, mas sim, requerem uma boa dose de coragem, perseverança, vontade de lutar e bons argumentos até que se tornem realidade.

Série “Câmara Escura da Democracia”

A Suíça é a campeã mundial dos plebiscitos. Mas mesmo tendo em vista o “recorde mundial” de mais de 620 (realizados até 2017), a democracia suíça não é perfeita.

Nessa série de artigos, o docente universitário Sandro Lüscher faz uma análise crítica dos problemas do sistema político helvético. O autor estuda ciências políticas na Universidade de Zurique e escreve artigos para um blog sobre política suíçaLink externo. Atualmente pesquisa sobre sistemas eleitorais cantonais na Universidade de St. Gallen.

Tradução do alemão: Alexander Thoele

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