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“A integração não é o antídoto contra a radicalização”

Mais de três-quartos dos muçulmanos que vivem na Suíça vêm dos Bálcãs e da Turquia, "regiões onde o Islã é moderado", constata Lorenzo Vidino. Keystone

A radicalização jihadista é mais ou menos forte na Europa, dependendo do país. Integração, política estrangeira, origem étnica e sobretudo ausência de predicadores carismáticos podem contribuir a conter esse fenômeno, como por exemplo na Suíça, afirma Lorenzo Vidino. “Porém, nenhum desses fatores é uma garantia”, ressalta o especialista de terrorismo.

“Na maioria dos países europeus, 30% das pessoas que partem para a Síria são convertidas”, lembra Lorenzo VidinoLink externo, autor de um estudo publicado em 2013 sobre a  radicalização jihadista na SuíçaLink externo. A integração é certamente importante, mas não basta para eliminar o fanatismo.

swissinfo.ch: Depois dos ataques de Paris, o ministro suíço da Defesa, Ueli Maurer afimou que não vinha nenhum motivo para repensar o dispositivo de segurança da Suíça. É uma razão justificada ou deveríamos reforçar a vigilância?

Lorenzo Vidino: É uma resposta apropriada. Há meses que se especulava sobre um cenário destes. Todos sabíamos que um ataque do gênero podia acontecer. Faz tempo que o aparato antiterrorista suíço está meio em alerta. Seria mais complicado se o ministro da Defesa tivesse tido que era preciso rever todo o dispositivo.

Os riscos que a Suíça corre são muito menores do que os da França, Inglaterra ou Estados Unidos.

Lorenzo Vidino eth.ch

swissinfo.ch: Em 2009, os eleitores suíços aprovaram uma iniciativa que veta a construção de minaretes e há pouco menos de um ano três iraquianos foram presos na Suíça, suspeitos de planejarem um atentado.  Não é leviano dizer que a Suíça não é um objetivo de primeira importância para o terrorismo de matriz islâmica?

L.V.: Farei uma distinção entre o aparato de segurança e a percepção da sociedade. O aparato de segurança é consciente da existência dessa dinâmica. Quanto aos iraquianos, fiquei um pouco surpreso pelo perfil dos três. Não eram rapazes que se radicalizaram. Eram três personagens com um passado militar que estavam preparando uma operação séria, muito diversa do que se vê em outras partes.

Quanto à sociedade, parece ter a convicção de que a Suíça é uma ilha feliz. Porém, tudo é baseado em pressupostos falaciosos. 

Lorenzo Vidino 

Nascido em Milão, Lorenzo Vidino é especialista do terrorismo islâmico e violência política. Colaborou, entre outros, com a RAND Corporation,  a Universidade de Harvard e o Centro de Estudos de Segurança da Politécnica de Zurique.

Atualmente trabalha para o ISPI, Instituto de Estudos de Política Internacional de Milão. 

swissinfo.ch: Falando do crime organizado, a polícia federal já sublinhou várias vezes que a Suíça serve de base logística. Pode-se dizer o mesmo dos movimentos jihadistas?

L.V.: Diria que não porque é um mundo menos organizado. Dez anos atrás, provavelmente era e talvez ainda seja para os grupos mais estruturados.  Este novo tipo de terrorismo, composto mais do que outro de pequenos grupos independentes, não movimentam grandes somas de dinheiro. Não à mais um terrorismo do 11 de setembro. Quanto dinheiro é preciso para um atentado como o de Paris? Poucos francos.

swissinfo.ch: Um argumento  geralmente evocado é que na Suíça os riscos de radicalização são menores em relação à França porque os muçulmanos são melhor integrados . A integração basta para evitar o fanatismo?  

L.V.: De maneira alguma. A questão é, naturalmente, objeto de debate. Não existe consenso sobre a relação entre integração e radicalização. Pessoalmente faço parte dos que consideram que esse vínculo é muito tênue. Basta estudar o perfil dos que cometem atentados.  

Trata-se de históricos extremamente heterogêneos. Alguns vivem à margem de nossa sociedade, mas outros têm um ótimo nível de integração.

swissinfo.ch: Por exemplo?

L.V.: Me lembro sempre do caso de Mohammed Khan, líder dos quatro atentados de Londres em 2005, que tinha recebido o prêmio de modelo de integração de Leeds e havia encontrado a rainha no Palácio de Buckingham. Dois anos depois ele saltou como homem-bomba.   

Na maioria do países europeus, 30% das pessoas que partem para a Síria são convertidas. Não se pode mais falar de problema de integração. Talvez existam problemas pessoais de integração, mais psicológicos do que socioeconômicos. Há pessoas que por uma ou outra razão não se sentem à vontade em nossa sociedade.  É claro que a pessoa é mais propensa a entrar em um percurso de radicalização quando vive na periferia, de uma família desestruturada e com problemas na escola.  Mas também há muitos estudantes universitários, jovens convertidos, moços de boa família.

A radicalização é um processo que infelizmente faz parte da nossa sociedade há muito tempo.  Se voltamos 40 anos atrás, grupos como Brigada Vermelha (Itália) ou a Fração do Exército Vermelho (Alemanha), eram em grande parte compostos de jovens de classe média alta, que se radicalizavam por uma questão puramente ideológica. Não porque estavam desesperados, mas porque aos vinte anos o ideal, o senso de aventura, do bando, são mais importantes.

swissinfo.ch: Em seu estudo da radicalização, o senhor sublinha que na Suíça esse fenômeno é “limitado” se comparado a outros países europeus. Por que?

L.V.: Por quatro razões, porém nenhuma delas é uma garantia. Uma é a própria integração. É claro que a integração é um fator positivo e pode diminuir a possibilidade de radicalização. Ainda assim, não é um antídoto.  

Depois, tem a política externa suíça. O país não tem tropas no Iraque ou no Afeganistão. Mas atenção. Isso não quer dizer que os que cometeram os atentados de Paris se radicalizaram por causa da política externa francesa.

Em terceiro lugar vem a proveniência étnica. 80% dos muçulmanos suíços provêm dos Bálcãs ou da Turquia, regiões de islã moderado, pouco politizado. Mesmo se nesse caso é preciso relativizar. Encontrando a comunidade salafista na Suíça, pude constatar que quase todos são bósnios, macedônios e kosovares.

Finalmente, a quarta razão – ao meu ver a mais importante – é que na Suíça, provavelmente por pura coincidência, nunca houve um grupo de jihadistas que tem ‘infectado’ fatias de comunidade.  Na maior parte dos casos, os autores de atentados são discípulos de qualquer figurão do jihadismo ocidental. Em Paris, eram membros do grupo de Djamel Beghal [ndr: preso na França]. Na Suíça, não existem personagens carismáticos como Djamel Beghal ou Abu Hamza em Londres, que em 10 a 20 anos conseguiram criar seguidores em torno deles.

swissinfo.ch: Mais do que de certas mesquitas, essa radicalização não passa cada vez mais pela internet?

L.V.: A internet ajuda, reforça a mensagem. Mas não é que a pessoa se coloca diante do computador e se radicaliza. A internet multiplica a atividade da vida normal.  Frequentemente se radicaliza em pequenos grupos. Primeiro as pessoas se encontram na mesquita, depois vão jogar futebol juntos, dar um passeio para ouvir um predicador. E enfim na internet se troca links do sermão, um vídeo e coisas assim. A internet permite uma imersão total no mundo do jihadismo. Porém são raros os caso de radicalização somente pela internet.

swissinfo.ch: Um dos três assassinos de Paris reivindicou seu gesto em nome do Estado Islâmico, os outros em nome da fração iemenita de Al Quaida. Qual é a leitura dessas reivindicações?

L.V.: Primeiro que é preciso acreditar somente até um certo ponto no que um terrorista diz em um vídeo.

Existe uma certa obsessão ocidental em determinar que grupo praticou tal atentado. É verdade, eles são diferentes e há uma certa rivalidade entre os dois grupos. Mas o importante é o nível de liderança. Ao jihadista europeu pouco importa de lado está. Para ele, o que importa é combater e encontrar as conexões certas.

Se descobrirmos que por trás dos ataques há Al Qaeda na Península Arábica, o que muda? Não é que de repente você descobre que a Al-Qaeda na Península Arábica é o inimigo. Você já sabia ..

swissinfo.ch: Questão mil francos… Como combater essa radicalização?

 L. V. : Paradoxalemente, há pouco a dizer, é muito difícil. Tem um lado repressivo que a Suíça poderia talvez reforçar um pouco mais, sem naturalmente violar as liberdades civis.

Mas o problema é antes de tudo ideológico. Se prendemos um e outros dois aparecem, é claro que o problema não vai desaparecer. Pode-se responder no plano teológico, mas os governos ocidentais não podem fazer muita coisa nessa área. Ou então propor o modelo democrático com um pouco mais de convicção.

No plano individual, pode-se desenvolver intervenções de de-radicalização que já existem em alguns países. São sistemas nos quais a pessoa é contatada por alguém considerado ideal como um imame ou um parente. São soluções que às vezes funcionam, às vezes não.

Adaptação: Claudinê Gonçalves

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