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Crianças pobres na rica Suíça? Niels é um deles

Jovem na varanda de um apartamento olhando para construção
Moradia para pobres e ricos. O aluguel varia segundo a renda da pessoa, permitindo que pessoas como Niels e sua mãe possam viver nesse novo apartamento. swissinfo.ch

Claro que ele não passa fome. O pequeno Niels tem um quarto só dele, veste roupas limpas e joga futebol no clube. Mas o salário da mãe dele não é suficiente. Eles necessitam de ajuda. Na Suíça, a precariedade não é evidente à primeira vista, mas costuma deixar marcas nos que a vivem na própria pele.

Recentemente, Niels e sua mãe se permitiram curtir um “dia de luxo”. Graças a ingressos mais baratos, eles foram ao circo. E melhor ainda: “Fomos tomar um café e comer um sanduíche depois”, relata com voz tímida a mãe de Niels, uma mulher de 38 anos. E sorri.

Seu filho tem a alegria estampada no rosto. Ele vai até a cozinha, volta, está eufórico e quer nos mostrar o apartamento onde eles moram há poucos meses. Dá para perceber que Niels se sente bem na casa nova. Ele conta com orgulho que seu quarto tem três portas. Uma porta dá para a cozinha, a outra dá para a sala e uma terceira porta abre-se para a varanda.

A Convenção sobre os Direitos da CriançaLink externo foi aprovada na Assembleia Geral das Nações Unidas em 1989. A Suíça aderiu em 1997. Atualmente, a Convenção dos Direitos da Criança das Nações Unidas engloba 193 países. Através da Convenção, a Suíça é obrigada a disponibilizar todos os meios possíveis para os menores que estão em condições de pobreza. (Fonte: humanrights.ch)

“Como ganhar na loteria”

O apartamento fica no segundo andar de um prédio novo, é bem iluminado e faz parte de um complexo residencial ainda em construção. Da varanda vê-se um grande canteiro de obras. “Aqui está nascendo um novo bairro, muito dinâmico e que você pode ajudar a construir”, esta é a frase que aparece na propaganda do projeto. A Fundação Habitat defende alugueis a preços econômicos. Quem ganha mais paga mais do que os inquilinos de baixa renda.

Já durante nosso primeiro contato, por telefone, a mãe do Niels praticamente se desculpou pelo “belo apartamento novo”. Este apartamento não se enquadra na imagem que fazemos quando pensamos em uma mãe solo, ou mãe autônoma, que cria seu filho sozinha e depende do auxílio social para complementar a renda. O medo de serem tachadas de parasitas é muito grande entre as pessoas que estão próximas à linha de pobreza.

“Foi como ganhar na loteria”, relata a mãe de Niels sentada à mesa da cozinha. Durante meses, depois de sair do trabalho e pegar o filho na creche, ela enfrentava a fila de interessados em obter um apartamento. Os apartamentos cujo aluguel cabiam no seu orçamento ficavam ao lado da autoestrada ou tinham banheiro coletivo. Ela preferiu ficar no apartamento antigo e continuar procurando. Até que a Fundação Habitat a procurou.

Entre 800 e 1200 francos suíços por mês

Desde então ela não se sente mais pobre, sente-se bem melhor, relata a mãe de Niels. Formada em Pedagogia do Movimento, ela ganha entre 800 e 1200 francos suíços por mês, o que é muito pouco. Em comparação com a totalidade da população, as mulheres que criam seus filhos sozinhas na Suíça estão mais do que duas vezes mais vulneráveis a ficarem abaixo da linha de pobreza. Este é o resultado de um estudo realizado sob encomenda da Caritas Suíça e conduzido pela Universidade de Berna. 20% das pessoas que recebem o Auxílio Social são mães que criam seus filhos sozinhas. Em 2015, uma a cada seis famílias suíças era de pai ou mãe autônomo. E a tendência é de que esta porcentagem aumente.

Criança em cima de um banco na varanda do prédio
Niels na varanda do prédio: a pobreza muitas vezes não é visível na Suíça. swissinfo.ch

Os pais de Niels se separaram quando a sua mãe estava no sexto mês de gravidez. Depois de passar quatro anos na França, ela retornou para a Suíça. Sem ter ninguém mais para contar, ela passou a depender do auxílio social. Seis meses depois do nascimento de Niels ela voltou a trabalhar, mas só conseguiu contratos como horista. Uma tentativa de se tornar autônoma infelizmente fracassou.

Segundo a pesquisa da Caritas, as mães solo de filhos com menos de seis anos de idade trabalham em média 17 horas por semana fora de casa e 54 horas por semana realizando trabalhos domésticos e relacionados à manutenção da família. A taxa de pessoas que trabalham e mesmo assim estão abaixo da linha de pobreza é quatro vezes maior nos casos de mães solo. “Esta situação insana, desgastante e sem perspectiva me deixou muito chocada e com muita raiva. Às vezes o dinheiro mal chegava para comprar fraldas para Niels.”

A mãe de Niels escolhe as palavras com cautela. Seu olhar torna-se cansado. Niels se acalma e presta atenção na conversa. É como se ele percebesse que não é fácil para sua mãe se recordar daquele período de total exaustão.

O auxílio está vinculado ao local de residência

Agora que Niels já está um pouco maior, é mais fácil. Mas mesmo assim não é possível dar uma passada rápida no supermercado para comprar algo que se tenha esquecido. “Tudo tem que ser pensado e planejado. E isso cansa.” Niels e sua mãe atravessam a fronteira para fazer compras na Alemanha. Para comprar um capacete para Niels andar de bicicleta, eles vasculharam os brechós da cidade de Basileia, o que demanda tempo e energia.

Niels anda de bicicleta na passarela em frente ao prédio onde moram. Ele também tem um skate e um kart. “Tudo usado e ganhado”, esclarece a mãe. Niels parece não se importar com este detalhe, e conta entusiasmado que joga futebol no clube. Para isso sua mãe recebe auxílio financeiro do governo. Se Niels morasse em outro cantão, ele possivelmente não poderia treinar futebol e um dia jogar tão bem quanto Ronaldo, como ele mesmo diz. O Auxílio Social na Suíça é decidido a nível cantonal e por isso depende do local de residência.

Outras crianças ameaçadas pela falta de recursos não têm como participar da vida social. Os pais cujos salários estão levemente acima do limite e que, por isso, não recebem auxílio social, não conseguem proporcionar estas coisas a seus filhos. Para eles é difícil participar de atividades sociais. Até mesmo Niels já percebeu essa diferença.

“Você não está no controle de sua vida”

Convidado para a festinha de aniversário de um colega, Niels estava na fila para cumprimentar o aniversariante e entregar-lhe o presente. As outras crianças traziam caixas de Lego em belos pacotes de presente. Niels destoava do grupo com seu presente: um cachorrinho feito de balões.

Criança brincando no quarto
Niels gosta de futebol: graças ao apoio financeiro ele pode também treinar em um clube. swissinfo.ch

Mesmo assim, a mãe de Niels tem um único desejo: não precisar mais do auxílio social. Ela tem a sensação de estar vivendo um estado de exceção. “Eu não consigo dizer para mim mesma: ‘Ok, agora recebo auxílio social e tudo bem'”. O mais difícil para ela é o estigma que enfrenta no dia-a-dia. Ela acaba sempre ouvindo alguém lhe dizer que ela “não está no controle da própria vida”. “Você está fazendo o melhor que pode, mas está sempre levando na cabeça”. É muito desgastante. “Seis anos atrás minha autoestima era muito melhor do que é hoje”.

Niels aquieta-se novamente e senta-se no colo da mãe. “Quanto tempo falta para eu fazer aniversário de novo, mamãe?”, ele pergunta pela segunda vez hoje. Niels quer ganhar de presente no seu aniversário – que será um pouco antes do fim do ano – um lanche no McDonalds com sua mãe. E do seu pai, que está na França, ele quer ganhar um “Hoverboard”, um skate elétrico. “Meu pai é rico”, conta ele alegremente e saltitando novamente pela cozinha. “Ele tem uma televisão no carro.”

Em 2014, 307.000 crianças foram registradas como estando em situação de pobreza ou ameaçadas de pobreza. Para analisar os dados, o Ministério de Estatística (BfS) utiliza os parâmetros estabelecidos pela Conferência Suíça de Instituições de Ação SocialLink externo (SKOS).

Comparada internacionalmente, a Suíça investe pouco na família e nas crianças. Nos países da União Europeia, em 2013, foram investidos em média 2,1% do Produto Interno Bruto nas famílias. Enquanto isso na Suíça apenas 1,5% do PIB foi investido nas famílias.

(Fonte: Departamento Federal de EstatísticasLink externo (BfS), Famílias na Suíça: Relatório Estatístico)

Adaptação: Fabiana Macchi

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