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Conversa à portas fechadas com Pinochet

Grupo de militares reunidos durante a ditadura no Chile
Ap

O golpe de Estado no Chile acabava de cumprir seu sétimo aniversário quando o embaixador suíço Yves Moret apresentou suas credenciais ao governo de Augusto Pinochet para assumir a embaixada da Suíça no país sul-americano. Depois do encontro com o ditador, ele relatou suas impressões à Berna. Um relato histórico.

Era quinta-feira, 25 de setembro de 1980, em Santiago. Dias depois, o diplomata enviaria uma carta ao conselheiro federal, Pierre Aubert, com uma rara descrição detalhada sobre o general, que havia recebido o embaixador para uma conversa.

O documento dessa conversa, agora nos arquivos suíços em BernaLink externo, desenha um retrato de um militar com claras habilidades diplomáticas, “astuto” e “cordial”. Mas sem qualquer desejo de ver a democracia restabelecida no Chile.

A entrega de credenciais, de acordo com a carta, seguiu os mesmos protocolos existentes em Berna ou na maioria dos países europeus. A única diferença, segundo o diplomata, era que os embaixadores recebidos por Pinochet eram acompanhados por bandeiras e uma orquestra militar que tocava os hinos dos respectivos países.

Diante de outras autoridades chilenas, o embaixador suíço insistiu em destacar durante seu discurso “o histórico das relações consulares e diplomáticas que a Suíça mantém com o Chile”.

Europa não compreendia o Chile

“O Presidente Pinochet também me respondeu lendo um discurso de cinco minutos”, escreveu o diplomata. Duas frases do discurso de Pinochet, porém, foram destacadas por Moret.

Uma delas foi o fato de que “o espírito de cooperação deve prevalecer para superar a visão inexata com a qual se observa e se julga com frequência o processo institucional chileno”.

A segunda frase de Pinochet, salientada pelo embaixador, foi a seguinte: “Estou particularmente confiante em que, com base nesta compreensão e nesta boa vontade que caracteriza o povo suíço e o senhor mesmo, Senhor Embaixador, daremos um impulso pleno de imaginação às nossas relações bilaterais, a fim de promovermos conjuntamente o bem-estar e a compreensão entre os nossos povos”.

Na interpretação do embaixador, a mensagem de Pinochet reforçava a ideia alimentada no Chile de que, na Europa, o país não foi avaliado objetivamente.

Mas foi quando o evento oficial terminou e o general recebeu o embaixador suíço em privado que as questões substantivas foram abordadas, incluindo a entrega de armas.

No escritório, apenas quatro pessoas estavam presentes: Pinochet, o diplomata, um vice-chanceler chileno e o chefe da Casa Militar. Mas a conversa limitou-se aos dois protagonistas.

Armamentos suíços para o Chile?

“Pinochet começou por me dizer que a Suíça podia fornecer duas coisas ao Chile: armamento e máquinas”, escreveu o diplomata. Moret, neste momento, não deixou o assunto continuar. “Ao dar minha resposta imediata na área de armamentos de que seu desejo parecia difícil de cumprir, Pinochet não insistiu”, relatou o diplomata. “Com um sorriso um pouco malicioso – que, a meu ver, subentendia-se claramente que estava perfeitamente ciente dos antecedentes nesta matéria – Pinochet passou imediatamente (a conversa) para o sector da maquinaria”, descreveu o embaixador.

De fato, a lei federal sobre material de guerra, de 30 de junho de 1972, indicava no seu artigo 4º que o comércio de armas era proibido, exceto com a autorização da Confederação. O artigo 11 da mesma lei enfatizava que esse comércio não seria autorizado a países ou territórios onde houvesse conflitos armados ou tensões.

Uma lacuna, no entanto, permitia que as empresas suíças fizessem negócios com o general. A condição: ceder as licenças e autorizar a produção dessas mesmas armas em território chileno, o que acabou sendo feito.

No entanto, o diplomata, durante a reunião, deixou claro no telegrama que a Suíça considerava que havia um “grande potencial” de exportação em relação às máquinas.

A conversa seguiu com uma descrição de Pinochet sobre os recursos naturais do Chile e as possibilidades de obras que poderiam ser “interessantes” tanto para engenheiros suíços como para grandes empresas especializadas em turbinas e instalações elétricas. Mas o general advertiu: haveria um enorme número de países interessados em desenvolver esses trabalhos e que, portanto, “a concorrência seria rude”.

Pinochet, neste ponto da conversa, finalmente entrou nas questões políticas. Mais especificamente a democracia.

Segundo o embaixador, o general declararia “toda a admiração que tinha pelo nosso sistema, pelas mãos de Landsgemeinden levantando votos, etc.”.

Pinochet elogia Suíça

O embaixador explicou-lhe o fato de os cidadãos suíços terem a possibilidade de votar ao mesmo tempo em decisões federais, cantonais e municipais. Pinochet não deixou de mencionar o fato de que os cidadãos suíços foram educados para poder dar sua opinião sobre os assuntos sobre os quais eram convocados para votar. Mas ressaltou que isso “só foi possível com uma longa e autenticamente democrática tradição”.

Mas os elogios eram amplos ao sistema democrático suíço, Pinochet dava a entender que seu país não estaria preparado para isso. “Desejando que um dia a mesma situação pudesse ser alcançada no Chile, o general deu a entendeu que seus compatriotas precisariam de uma educação prolongada para poder votar também com conhecimento da causa”, disse o embaixador.

Moret descreveu o clima do encontro como “o mais amável do mundo” e “cordial”. Mas, aos 64 anos, Pinochet deu a impressão ao diplomata de que era “um homem cansado”. Descrito como uma pessoa “simples”, tanto na forma como é como na forma como se expressa, Pinochet também é definido como uma pessoa “astuta” e com habilidades para evitar os problemas que não conhece. “Mas determinado a alcançar os fins a que se propôs”, destacou o suíço.  

O regime de Pinochet duraria mais dez anos, deixando milhares de mortos, torturados e exilados em herança, mesmo na Suíça.

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