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Economia e credibilidade em xeque

Manifestantes participam de um comício para protestar contra as políticas de ajuste da presidente Dilma Rousseff apresentadas ao Congresso. O protesto foi organizado pelos principais sindicatos brasileiros. Keystone

Com sérios riscos de entrar em recessão, investidores e especialistas internacionais perdem cada vez mais a confiança na economia brasileira. Beat Schumacher, economista sênior do Zürcher Kantonalbank, mostra onde estão os desafios do país.

As notícias sobre a economia brasileira tem sido bastante desencorajadoras. Especialistas afirmam que o risco de o país entrar este ano em recessão é alto. Em 2014, a economia registrou crescimento negativo durante dois trimestres seguidos.  As novas medidas anunciadas pelo governo vão pesar diretamente no bolso da classe trabalhadora e das empresas.  Para o economista sênior do Zürcher KantonalBank, Beat Schumacher, a situação é preocupante.

“Não me lembro de haver presenciado tamanha deterioração em poucos anos num país do porte do Brasil, que não passa por uma situação especial de guerra ou de uma crise política dramática”, afirma Schumacher. O economista, responsável pela análise de mercados emergentes do banco, é também um dos palestrantes do Forum Brasil, evento que ocorrerá dia 17 de março em Zurique.

swissinfo.ch: A revista inglesa The Economist publicou recentemente uma reportagem em que afirma que a economia brasileira está passando pela pior bagunça desde 1990. Este ano, o crescimento deve ser negativo, a inflação aumentará, os juros subirão e os investidores fogem do país. Qual a sua avaliação?

Beat Schumacher: A situação econômica do país se deteriorou fortemente nos últimos anos. É um caso único. É claro que vemos este tipo de problema em países em guerra ou com situações políticas críticas. Mas não me lembro de haver presenciado tamanha deterioração em poucos anos num país do porte do Brasil. Se olharmos os indicadores de economia nos últimos anos, todos têm registrado piora. O país está à beira de uma recessão.  O PIB (Produto Interno Bruto) deve fechar em menos 0.5% e a inflação na casa dos 7%. Sem falar nos juros. E além de tudo, o país tem sérios problemas estruturais.

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As reações do mercado às eleições brasileiras

Este conteúdo foi publicado em Após as eleições presidenciais mais disputadas no Brasil desde o retorno da democracia em 1985, a presidente Dilma Rousseff foi reeleita com 51,64% dos votos. As eleições mostraram vitalidade e eficiência, enquanto as campanhas foram divergentes e repletas de acusações de corrupção, incluindo alegações de subornos relacionados com contratos lucrativos com a Petrobras, a companhia…

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swissinfo.ch: Dilma Rousseff tem sido acusada de exercer uma liderança fraca.  Como o senhor avalia a performance política da presidente em relação aos desafios econômicos do país?

B.S.: Acredito que existem duas razões principais por trás deste momento difícil.  Uma é a queda dos preços das commodities, que vem ocorrendo nos últimos anos. E é claro que isso impacta diretamente a economia de um país como o Brasil. O outro aspecto é o político. O governo não foi capaz de estabelecer políticas para ajustar a queda de preço das commodities, não fez reformas estruturais necessárias, não investiu suficientemente em infraestrutura. Um exemplo gritante da falta de planejamento são os problemas recentes com a falta de água. O governo optou por uma política mais intervencionista, menos orientada ao mercado. O Banco Central não agiu completamente independente, foi muito pressionado pelo governo. Se olharmos para os investimentos em relação ao PIB, eles são muito baixos, é um dos mais baixos em relação a outros mercados emergentes.

swissinfo.ch: De acordo com alguns estudos, o número de pessoas extremamente pobres no Brasil diminuiu 63,3% entre 2002 e 2012. O senhor acredita ser possível combinar programas sociais, voltados a minimizar a significante desigualdade do país,  e ao mesmo tempo implementar uma política econômica liberal, com menos intervencionismo do governo?

B.S.: O modelo de crescimento do Brasil era baseado nos altos preços das commodities e no estímulo ao consumo. O salario mínimo foi aumentado, o crédito privado foi favorecido.  O impacto positivo da política é que muitas pessoas saíram do nível de extrema pobreza. Mas é uma política que não funciona para sempre. Se os investimentos estão tão baixos, não há capital produtivo disponível para um crescimento de longo prazo. É possível aumentar o consumo por um período, mas por outro lado, o nível de endividamento das pessoas também subiu. Portanto, é preciso mudar para um sistema em que haja maior investimento. Se é possível ter os dois mundos? No longo prazo um sistema que favoreça investimentos e promova um crescimento sustentável  irá beneficiar também os menos avantajados.

swissinfo.ch: Mas tudo isso tem um preço…

B.S.: Inicialmente, é claro, não será fácil ajustar. Mas não há outra possibilidade. O consumo já está caindo. O risco de recessão aumenta. A economia registrará um crescimento negativo no curto prazo. O governo precisa economizar para fechar as contas. Mais recentemente o ministro da fazenda, Joaquim Levy, anunciou medidas para melhorar as contas do governo. No lado do investidor, o sentimento de confiança no país é baixo. Poucos querem investir. E a competitividade da indústria não é boa. Para um crescimento sustentável é preciso ter investimentos privados e de infraestrutura.

Beat Schumacher, economista sênior do Zürcher Kantonalbank. Palma Fiacco

Alguns especialistas defendem que o Brasil deveria ter feito os ajustes na época em que registrava crescimento significativo. Mas, infelizmente, a lição de casa não foi feita. Agora tudo fica mais difícil. O senhor concorda?

B.S.: Sim. Observamos similaridades com alguns outros países emergentes: enquanto estavam registrando maior crescimento, se beneficiando do aumento dos preços das commodities, ninguém pensava em investir na infraestrutura e fazer as reformas importantes.  E agora após a crise financeira, a situação mudou. Os governos dormiram no ponto.  Ficaram focados em manter o poder, em interesses próprios. A ´India é um exemplo positivo. O novo governo começou a reagir e começamos ver uma retomada do crescimento.

swissinfo.ch: A Petrobras não é o primeiro caso de corrupção no Brasil, mas é talvez um dos maiores e mais dramáticos dos últimos tempos. Como esse escândalo está afetando os investidores internacionais e a imagem do país?

B.S.: O impacto é grande. É muito ruim para a popularidade do governo. Já temos visto a queda de popularidade de Dilma Rousseff.  A Petrobras tem também um plano razoável de investimentos para os próximos anos, que certamente será cortado.  A empresa terá muito mais dificuldade em financiar ou refinanciar tais investimentos.  E esses cortes certamente afetam a economia, a geração de negócios e empregos do país. Sem falar na questão da confiança, que está bastante abalada.  É uma bagunça o que está acontecendo com essa companhia. E isso afasta o investidor e acaba com a credibilidade do país.

swissinfo.ch: Como está o Brasil em relação aos outros países do BRIC?

B.S: No momento a ´India ocupa a melhor posição, principalmente porque o novo governo está implementando reformas estruturais, o presidente do banco central que está fazendo um bom trabalho. A ´India também está se beneficiando dos baixos preço de energia, já que são importadores. E isso faz com que a inflação do país caia, melhorando assim o déficit em conta corrente. Na segunda posição, colocaria China. Sabemos que o crescimento da China vem caindo. De qualquer forma, o país está fazendo reformas. O crescimento reduzido também dá tempo para que os ajustes necessários sejam feitos. China não cresce mais a 10% ou 12%, mas 7% , 6% ainda é um crescimento razoável. Depois vejo um grande lacuna e em seguida colocaria Brasil. E por último Rússia, que está passando um momento crítico: o preço da energia tem caído, enfrenta problemas políticos, o país está sob sanção. Esperamos uma forte recessão, com crescimento negativo de 4%, 5%.  Não esperamos muitas mudanças desse ranking em 2015.

swissinfo.ch: Quais são os maiores desafios que os brasileiros, consumidores e pagadores de impostos, deverão enfrentar este ano?

B.S.: Inflação é um grande problema. Se a inflação aumenta, a capacidade de compra dos brasileiros cai. E a taxa de juros deve subir, como política de controle de inflação do Banco Central. Assim aumentam também os débitos. E se uma nação entra em recessão, o mercado de trabalho também vai se deteriorar. Ou seja, para o consumidor e trabalhador a situação é delicada.

swissinfo.ch: Sem falar na moeda, o real, que vem perdendo valor…

B.S.: A moeda também reflete a situação econômica. Nos bons anos, a moeda brasileira teve seu valor apreciado, chegando à supervalorização. Temos visto, então, correções neste sentido. E acredito que a moeda vai se desvalorizar ainda mais. O real ainda está relativamente caro. 3 reais para 1 dólar é uma previsão realística.

(Apenas dois dias após esta entrevista a cotação do real em relação ao dólar já era de 3 para 1)

Forum Brasil

Os desafios e as oportunidades da economia e do mercado brasileiro estarão em pauta no Forum Brasil. O evento ocorrerá dia 17 de março em Zurique, na sede do Zürcher Kantonalbank, e contará com a presença de economistas, consultores e executivos.

Mais informações:

http://www.latcam.ch/2015/02/03/brazil-forum-march-17-2015/Link externo

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