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Medo da pirataria ameaça voto pela internet na Suíça

Votar através de um teclado de computador será possível somente em quatro dos 26 cantões nas próximas eleições federais (Genebra, Basileia, Lucerna e Neuchâtel). Keystone

Pioneira do voto eletrônico no mundo, a Suíça acaba de sofrer uma severa restrição por parte do governo federal que autorizou apenas quatro cantões, dos treze que se candidataram a utilizar o voto pela internet nas eleições legislativas federais de 18 de outubro. Apesar dos importantes progressos feitos nos últimos anos, a segurança resta o maior obstáculo à generalização do voto on line. 

É um simples communicado do Conselho FederalLink externo (governo) em 12 de agosto que provocou reações. A dois meses das eleições legislativas federais de outubro, nove cantões não foram autorizados a oferecer a seus cidadãos estabelecidos no estrangeiro a possibilidade de escolher seus representantes na Câmara através do voto pela internet. Desde então, um consórcio de cantões reunidos em torno de Zurique, e a Confederação culpam uns aos outros pela responsabilidade desse fracasso, dificultando como raramente visto a colaboração entre as duas altas esferas do federalismo suíço. 

Três sistemas diferentes

Três sistemas diferentes de voto pela internet foram desenvolvidos na Suíça. Genebra optou por um sistema (também utilizado por Basileia e Lucerna) desenvolvido dentro da Suíça, cujo código será brevemente divulgado pela internet. Neuchâtel solicitou uma empresa espanhola (Scytl), enquanto Zurique e oito outros cantões do consórcio “voto eletrônico” escolheram a solução proposta pela empresa americana Unisys. “Do ponto de vista da gestão de risco, é interessante ter vários sistemas. Nunca é bom colocar todos os ovos numa única cesta”, adverte a especialista independente Ardita Driza Maurer. Aliás, o Correio, que envia todo ano 19 milhões de cartas por ocasião de votações e eleições, também trabalha no desenvolvimento de seu próprio sistema de e-voto, em colaboração com Scylt, segundo o jornal NZZ am Sonntag

“A decisão do governo federal é não somente incompreensível, mas coloca profundamente em causa a credibilidade e a confiança dos cidadãos no voto on line”, denuncia Peter Grünenfelder, chanceler do cantão de Argóvia e presidente do consórcio que reúne os nove cantões não autorizados.

Peter Grünenfelder critica duramente Berna: “A chancelaria federal fez tudo para encontrar erros em nosso sistema ao invés de nos ajudar a resolvê-los. A prova é que já o havíamos utilizado 18 vezes com sucesso em votações precedentes”.

“Ataques  inaceitáveis”

Como explicar então essa decisão que priva uma grande maioria dos 142.000 suíços do estrangeiro inscritos em um registro eleitoral de exercer seus direitos políticos através do voto pela internet? O governo federal quis evitar os riscos ligados à proteção de dados, uma vez que o programa informático colocado em causa foi desenvolvido pela empresa americana Unisys e privilegiar o desenvolvimento de um sistema público de e-voto como o de Genebra? Em todo caso, é uma das hipóteses de Peter Grünenfelder. 

O governo federal, através do porta-voz André Simonazzi, replicou severamente às acusações. “Tais ataques verbais são inaceitáveis. Os cantões conhecem as exigências há 18 meses e elas não foram preenchidas no prazo previsto. Foram constatadas lacunas importantes na proteção do segredo do voto. Em caso de ataque informático, os piratas teriam a possibilidade de saber as escolhas dos eleitores, o que não é tolerável em uma democracia”.

Os próprios cantões indicaram em seu pedido de autorização que todas as condições não estavam sendo cumpridas, afirma André Simonazzi. “A Chancelaria federal não vê nenhum problema em publicar a auditoria externa solicitada pelo consórcio, dirija-se ao consórcio para obtê-la”, ressalta. O consórcio, entretanto, indicou que não desejava tornar pública a auditoria.

Presidente do consórcio dos nove cantões reprovados, Peter Grünenfelder é muito crítico das autoridades federais. . Keystone

Uma moratória do e-voto

A exemplo de outros adversários da generalização do voto pela internet, que existem tanto é esquerda como à direita do espectro político, notadamente entre membros do SVP e dos Verdes, o deputado federal socialista Jean-Christophe Schwaab concorda com a decisão do governo federal. “Depois de ter incentivado o processo nos últimos anos, o governo adota uma posição mais prudente e é melhor assim. Teria sido irresponsável autorizar um sistema que não tem todas as garantias de segurança. Os que transigem com a segurança correm o risco do desaparecimento da democracia”, afirma.

Jean-Christophe Schwaab aprecia particularmente que foi o sistema informático da empresa americana Unisys o reprovado. “Sabemos perfeitamente que as empresas americanas instalam portas disfarçadas nos programas para que a NSA e outras agências governamentais possam ver dados. O aspecto secreto do voto não pode estar à mercê de um serviço de informações estrangeiro”.

Bem mais do que um simples freio passageiro, trata-se de uma verdadeira moratória do voto on line para os nove cantões do consórcio, estiva por sua vez Peter Grünenfelder, que se defende de ter escolhido uma empresa privada americana. “Os investimentos de milhões de francos estão perdidos e é provável que os cantões afetados não se lançarão tão cedo nessa aventura. O e-voto ficará parado durante muitos meses e será o grande ausente das próximas votações”.

No mundo

A Suíça é um dos raros países a ter voto pela internet. Na Europa. Houve testes na Estônia e na França. A Noruega instaurou o e-voto mais interrompeu seu projeto em junho de 2014. A província do Quebec, no Canadá, fez o mesmo no ano passado depois grandes problemas técnicos.  

Verificação individual

Nem todos os observadores concordam com esse derrotismo. Consultora independente e especialista em e-voto para o Conselho da

Europa, a suíça Ardita Driza Maurer estima ao contrário que a decisão do governo federal prova a seriedade com a qual ele tenta, há 13 anos, de introduzir passo a passo essa terceira forma de voto. “A Suíça desenvolveu uma das regulamentações mais avançadas e mais estritas em matéria de segurança do voto pela internet. Ela entrou em vigor no início de 2014 e é preciso dar tempo aos cantões para se adaptar”, afirma.

Com a chegada dos sistemas de segunda geração e a introdução da verificação individual marcou este ano uma etapa maior no desenvolvimento dessa tecnologia, sublinha Ardita Driza Maurer. “Nunca se poderá ter uma segurança de 100%. Em compensação, toda intervenção não autorizada no voto ou no sistema pode atualmente ser detectada. É uma possibilidade que não existe no voto na urna nem no voto por correspondência.

Graças a esse avanço, Genebra e Neuchâtel foram autorizados este ano a oferecer o e-voto a 30% de seus eleitores domiciliados no cantão. Para ir além e proporcionar essa possibilidade a todo o eleitorado, os cantões deverão garantir a “verificação individual”: observadores se basearão em fórmulas matemáticas para controlar se os votos foram registrados e contados corretamente.

Mais complicado do que pelo correio

Nada convence Jean-Christophe Schwaab: “A verificação é um progresso, mas não muda o fato que o cidadão delega a vigilância de seu voto a um programa informático que pode cair ou ser vítima de ataque a qualquer momento. Em caso de problema, não se pode recontar as cédulas manualmente”.

Peter Grünenfelder lamenta essa atitude desconfiada e estima se concentre muito nos riscos, negligenciando as chances desse tipo de voto para a democracia suíça. “Se as mesmas exigências de segurança fossem impostas ao voto por correspondência, introduzido nos anos 1990, ele jamais teria sido adotado. Na época, tínhamos autoridades corajosas”, conclui.

Adaptação: Claudinê Gonçalves

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