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Geração Y desafia o DNA do banco privado

Já é possível fazer transações financeiras através do celular. Reuters

Imagine um mundo em que os sofisticados banqueiros privados sejam substituídos por algoritmos. E quando aplicativos de smartphones superarem bancos centenários? Ambos, startups na área de tecnologia financeira (fintech) e investidores digitais ameaçam revolucionar o mundo dos bancos privados.

Empresas como a Wealthfront, Nutmeg, Mint e eToro já oferecem uma gama de serviços digitais: elas conectam investidores em grupos específicos nas mídias sociais, permitindo transações ainda mais complexas através de simples toques nos visores de smartphones e dando dicas de estratégia de investimento.

A maioria dos líderes globais no setor de tecnologia para o mundo das finanças surgiu nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, mas a Suíça também está presente através de empresas como a Swissquote Bank Ltd, especializada no chamado “ePrivate Banking”, ou seja, banco privado digitalizado.

Junto ao Banco da Nova Zelândia, a empresa nViso, baseada na Suíça, içou essa fusão de administração de fortunas e tecnologia a um nível ainda superior. Ao escanear reações faciais ao fazer perguntas aos clientes sobre dinheiro, o softwareLink externo EmotionScan da nViso revela ao banco como os clientes realmente se sentem em relação aos seus investimentos.

Os clientes mais abonados amam o mundo digital. Não apenas a chamada “geração Y” dos jovens empreendedores, mas também os quinquagenários, já guardam há muitos tempos suas fortunas nos tradicionais bancos privados.

O Informe Mundial da Riqueza 2014, elaborado por Capgemini e o Royal Bank do Canadá descobriu que a metade dos multimilionários do mundo utiliza atualmente canais digitais para realizar atividades de banco privado. Dois terços deles podem até abandonar seus bancos se suas crescentes demandas não forem atendidas nos próximos cinco anos.

“O setor de bancos privados ainda está despertando. É uma indústria bastante conservadora, tanto do ponto de vista tecnológico como cultural”, explica Steffan Binder, chefe de pesquisa no institutoMyPrivateBanking. Mídias sociais, em particular, entram em conflito com a tradição de discrição e privacidade que tanto marcou a imagem dos bancos privados suíços desde seus primórdios.

Esses bancos acompanham o ritmo dos seus pares nos Estados Unidos e na Ásia com sua oferta digital, apesar desta ainda estar em uma fase inicial. É o que avaliam consultores baseados na Suíça, que acompanham estreitamente as tendências no mercado. Mas de forma geral, essas adaptações são fragmentadas, sendo vistas mais como projetos em andamento.

“A indústria do banco privado ainda está na Idade da Pedra, em termos de digitalização”, declara Moreno Volpi, porta-voz do Banco Syz. “Mas todos os bancos já pensam de forma digital, o que não é novidade. Temos de modernizar todos os instrumentos utilizados atualmente por nossos clientes.”

O UBS está à procura de parcerias com empresas tecnológicas. Já o Credit Suisse deve criar em breve uma rede social exclusiva para os clientes mais ricos.

Personalização

A digitalização precisa ser vista como uma oportunidade mais do que um desafio, acredita Sebastian Dovey. O diretor-geral da Scorpio Partnership pesquisa o comportamento e as expectativas dos clientes ricos.

As mídias sociais podem ajudar os bancos a angariar novos negócios, enquanto que o “big data” (n.r.: grandes volumes de dados) pode ser utilizado para compreender melhor as necessidades dos clientes. Mas o Santo Graal combina os mais recentes avanços digitais para os gerentes de relacionamento com os clientes (CRMs), os especialistas responsáveis pela diferenciação dos bancos privados dos seus concorrentes comuns.

“Não dá para entregar simplesmente um iPad ao pessoal do CRM e dizer que eles precisam se virar”, explicou Dovey no Encontro de Bancos Privados Europeus em Zurique, no mês passado. “Os bancos precisam se perguntar por que as pessoas estão fazendo negócios com eles nesse momento e de que forma isso será atingido pela digitalização no futuro.”

“Os clientes já se perguntam por que pagar milhares de dólares em taxas anuais para ter acesso a coisas que eles já encontram na internet.”

A resposta ao estreitamento de laços com os clientes é deixar o barco correr, explicou Dovey à swissinfo.ch. “A velha relação entre os banqueiros privados e os clientes é como a de pais e filhos: é preciso mudar para uma relação de pais e adolescentes.”

Capacitar os clientes a obter um maior controle sobre os seus bens e ter acesso a mais informações de investimento através de instrumentos digitais não vão repeli-los, acredita Dovey. Em vez disso, esse desenvolvimento poderá fidelizá-lo através do reforço da sua relação com o banco.

Questão de dinheiro

“Um serviço de aconselhamento baseado no papel perderá a relevância no futuro para os clientes mais afins às novas tecnologias”, alerta Matthias Bossardt, da divisão de IT da consultoria KPMG. “Eles exigem uma experiência mais interativa, com acesso a dados em tempo real consistentes, capazes de dizer-lhes, por exemplo, o que acontece com o seu portfólio se eles comprarem determinadas ações ou tirar os ativos do mercado de commodities e investir nos blue chips (n.r.: títulos de primeira classe).”

Mas os bancos suíços estão sendo impedidos de realizar investimentos em larga escala no mundo digital por várias razões: queda nos lucros, falta de know-how técnico, cortes nos setores de informática, custos de implementação dos novos regulamentos e distração corrente devido às disputas atuais em torno da evasão fiscal.

Outra questão levantada atualmente pelos bancos privados suíços é a segurança dos dados privados dos clientes: os sistemas digitais podem coloca-la em risco. Um exemplo foi demonstrado através de um cyber-ataque cometido contra o banco americano JP Morgan em setembro.

As autoridades reguladoras suíças lembram que já existe uma regulamentação para garantir a segurança dos dados privados nos sistemas eletrônicos, mas faltam ainda diretrizes especiais em relação à nova tendência de digitalização no setor de banco privado.

A competição no mundo da tecnologia pode se tornar ainda mais acirrada se gigantes como Facebook e Amazon aproveitarem sua capacidade de processar grandes volumes de dados e investirem no mundo da administração de fortunas. Bancos privado poderão se transformar em “dinossauros”, alertou Hein van der Loo, executivo do banco ABN Amro durante o Encontro de Bancos Privados Europeus em Zurique.

Para evitar esse destino, os bancos privados necessitam encontrar uma forma de proteger seu caráter exclusivo e, ao mesmo tempo, entrar no mundo digital, diz Steffan Binder, da consultoria MyPrivateBanking.

“Assim como na profissão médica, a interação humana é insubstituível…Essa interação deve ser reforçada, não substituída, pelo digital. Mas não deve haver qualquer complacência, já que tais melhorias irão provar ser uma vantagem competitiva valiosa nos próximos anos.”

Bancos no futuro

As tecnologias digitais já conquistaram os bancos de varejo, enquanto as novas empresas de área de tecnologia ocupam cada vez mais fatias do mercado.

Todas as evidências mostram que os multimilionários também reclamam uma participação maior na administração digital das suas fortunas.

O desafio para os banqueiros privados é encontrar formas de combinar os instrumentos digitais com a complexidade da administração de fortunas em jurisdições diversas (com diferentes regulamentos e fiscalidade) e sobre uma ampla gama de classes de ativos (ou seja, os investimentos de empresas, imóveis, fundos de família, obras de artes ou mesmo contribuições de caridade).

O objetivo é desenvolver plataformas digitais capazes de dar aos clientes ricos uma demonstração instantânea de todos os seus investimentos. O próximo passo seria conceber algoritmos para simular diferentes situações de investimento de ativos diversos, inclusive em cenários futuros. Isso iria ajudar os clientes administrar de forma mais eficaz seus portfólios.

Mas essa categoria especial de clientes também necessita contato pessoal com pessoal especializado na área de heranças e filantropia. Esses serviços de gestão de fortuna precisam conseguir conectar clientes altamente móveis com consultores, a qualquer momento e em qualquer parte do mundo.

Razões para temer as novas empresas

Uma pesquisa realizada com 198 banqueiros seniores pela empresa suíça Temenos descobriu que 23% dos entrevistados temem a competição de empresas tecnológicas como Apple e Google. Já 20% veem a competição nos grandes bancos e instituições já estabelecidas. Cerca de 30% citaram o enfraquecimento da fidelidade dos clientes como o maior desafio para o setor bancário.

O Informe Mundial da Riqueza 2014, elaborado por Capgemini e o Royal Bank do Canada, descobriu que a metade dos multimilionários do mundo utiliza atualmente canais digitais nas suas atividades de banco privado. Dois terços podem abandonar seus bancos se suas demandas não forem atendidas nos próximos cinco anos.

Adaptação: Alexander Thoele

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