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Por dentro da IKEA: uma loja de móveis com uma missão social

Pessoas fazendo compras
Mais de 780 milhões de pessoas visitam alguma loja da IKEA no mundo ao longo do ano. Keystone

Presente em mais de 50 países, a grande fachada azul e amarela é inconfundível e, embora claramente sueca, a IKEA tem uma longa e rica história na Suíça. Agora seu tema é igualdade de gêneros. Será que esta iniciativa terá o apoio necessário?

Desde 1943, a IKEA transformou as salas de estar e a experiência de compra em países tão diversos quanto a China e a República Dominicana. Mas a empresa quer ser conhecida por muito mais do que a estante de livros Billy e grandes sacolas de compras azuis. De acordo com Ina Rhöös, que trabalha na IKEA da Suíça, “as pessoas não sonham em trabalhar na IKEA porque não conseguem imaginar vender sofás todos os dias. Mas a empresa é muito mais que isso”.

Ela e seus colegas, Markus Müller e Claudia Willvonseder, fazem parte dos 3.000 “colegas de trabalho” da IKEA Suíça, um termo que, em si, é um aceno aos princípios igualitários da empresa.

De suas cores características às almôndegas servidas no restaurante, não há como negar as raízes suecas da empresa, mas a IKEA alcançou um lugar especial na Suíça. A primeira loja fora da Escandinávia abriu na Suíça em 1973. Ingvar Kamprad, o fundador da IKEA e residente de longa data na Suíça disse que “se [a IKEA] pode dar certo na Suíça, [ela] pode dar certo em qualquer lugar”.

E ela certamente deu certo. Hoje existem nove lojas na Suíça e a empresa gerou vendas de CHF 1,1 bilhão (US $ 1,1 bilhão) no ano passado.

Série Por dentro das Multinacionais

Este artigo faz parte de uma série sobre como é trabalhar para uma empresa multinacional na Suíça. Multinacionais desempenham um papel importante na economia suíça, mas para muitas pessoas, as empresas podem parecer ilhas com edifícios de concreto, ou campi cheios de trabalhadores estrangeiros. O objetivo desta série é descobrir como é realmente trabalhar nessas empresas e explorar os problemas enfrentados por seus funcionários.

Paradas ao longo da carreira

O percurso de uma carreira na IKEA se parece muito com o layout da própria loja, ou seja, está longe de ser linear.
Rhöös cresceu na Suécia e veio para a Suíça pela primeira vez como jogador de floorball.

“Eu me candidatei a 80 empregos e fui rejeitado por todos eles”, diz ela. “Meu alemão não era bom o suficiente na época.” Ela conseguiu finalmente que seu currículo chegasse às mãos de alguém da IKEA que lhe disse para se candidatar a qualquer cargo aberto, apenas para poder entrar na empresa.

Ela se candidatou para uma posição administrativa na linha de caixas, mas já na entrevista estava claro que esta não era o emprego de seus sonhos. Eles ofereceram um emprego como estagiária de vendas, onde ela permaneceu por um ano até se transferir para os recursos humanos.

Ela trabalha agora como gerente de diversidade e inclusão na sede da IKEA na Suíça em Spreitenbach, dedicando os dias a entrevistas com candidatos, treinamentos para funcionários sobre preconceito subconsciente, e atendendo chamadas de outras empresas que querem aprender mais sobre a abordagem da IKEA para diversidade e inclusão.

Funcionários
Os funcionários da IKEA Suíça, Markus Müller, chefe de operações, e Ina Rhöös, gestora de diversidade e inclusão. IKEA

Os 25 anos que Müller trabalhou na IKEA também foram cheios de reviravoltas. Seu primeiro cargo como líder do grupo de oficinas não existe mais na empresa. Depois, passou a ser líder de equipe para cozinhas, trabalhou nos EUA ajudando a abrir lojas em lugares como Nova Jersey e agora é o chefe de navegação e operações comerciais em Spreitenbach. Müller explica: “Eu trabalho agora em finanças, mas nunca estudei finanças”.

Mas como a empresa recruta se as pessoas são contratadas para cargos em que nem sequer se candidataram? Rhöös diz que eles buscam valores acima da competência.

“Você pode aprender as habilidades necessárias no trabalho, mas você tem que realmente viver os valores da empresa.”

Temas explosivos

Quando Müller ingressou na empresa em 1994, ele acabara de voltar de uma turnê com uma companhia de música e dança com mais de 22 nacionalidades. “Eu estava procurando uma empresa que se importasse com tradições, mas não se importasse com sua proveniência, sua religião ou sua sexualidade”, diz ele. IKEA foi um casamento perfeito.

Globalmente e na Suíça, a IKEA tem defendido questões políticas explosivas como os direitos dos transexuais, a licença paternidade e o emprego para refugiados e migrantes. A empresa não fala apenas sobre diversidade e inclusão como bons conceitos, mas vive e respira esses valores em tudo o que faz, desde o layout do escritório até o idioma e a escolha das comemorações de feriados no escritório.


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Como resultado, a IKEA da Suíça ganhou um número de admiradores. A empresa é uma das poucas que tem representação igual entre homens e mulheres na gestão e alcançou remuneração igual em todos os níveis da empresa; alguns dos fatores que a ajudaram a se tornar a primeira empresa na Suíça a obter a mais alta certificação de igualdade de gênero conhecida como EDGE.

Mas a IKEA também cometeu erros: enfrentou uma reação públicaLink externo contra um anúncio na China que, segundo críticos, retrata mulheres solteiras de forma pejorativa. A gerência da IKEA Suíça também admitiu que casos de assédio sexual ocorrem em sua força de trabalho.

E para muitos suíços, alguns dos valores que a IKEA defende são problemáticos, diz Müller, que é da cidade de Unterkulm, de 2.000 habitantes, no cantão de Argóvia, no norte da Suíça.
“Os suíços tendem a não ter uma mente muito aberta”, diz ele. “Pontualidade, tradição, qualidade – tudo isso fez da Suíça o que ela é. Nós trabalhamos duro para isso e alguns dos receios sobre a abertura para estrangeiros ou grupos diferentes, é que o país não poderá suportar isso”.

Lidando com o estigma

Nascida na Itália, Simona Scarpaleggia, a diretora executiva IKEA da Suíça, fez da igualdade de gêneros uma prioridade, uma mensagem que ela propaga na Suíça em eventos e entrevistas na mídia. Ela falou com a swissinfo.ch sobre representação de gênero no Fórum Econômico Mundial de 2019.

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Simona Scarpaleggia head and shoulders

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Simona Scarpaleggia, CEO da IKEA Suíça

Este conteúdo foi publicado em swissinfo.ch entrevistou Simona Scarpaleggia, CEO da IKEA Suíça, durante o  Fórum Econômico Mundial 2019. (swissinfo.ch)

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Scarpaleggia e sua equipe estão trabalhando para criar uma cultura em que as pessoas sintam que podem aproveitar os benefícios da empresa, como as oito semanas de licença paternidade, sem se sentir prejudicados profissionalmente.

Antes de se tornar vice-gerente nacional na Suíça, Willvonseder trabalhou na IKEA na Alemanha e na organização global como Chief Marketing Officer (CMO) por muitos anos. Ela tem dois filhos e diz que para os colegas um dos sinais de quão séria a empresa leva essas políticas é quando “os homens se levantam em uma reunião às 4 da tarde e dizem que precisam ir para casa buscar seus filhos no jardim de infância. Não há estigma para mães ou pais”.

Mas seria essa uma maneira eficiente de administrar um negócio? Willvonseder diz que algumas das lojas de alto desempenho da IKEA têm pessoas que compartilham tarefas para poderem estar em casa com suas famílias. Outros ficam em seus computadores à noite para terminar o trabalho. “Você tem que confiar na pessoa que o trabalho será feito”, diz ela, acrescentando que o retorno sobre o investimento vem através da retenção de bons funcionários.

Mudando percepções

Tanto Müller quanto Willvonseder concordam que o maior equívoco sobre a IKEA é que a mobília é barata.

“Na Suíça, a IKEA era o que você tinha na universidade”, diz Müller. “Quando você tem um emprego, você compra algo de melhor qualidade.” Ele observa que as pessoas costumavam rir da empresa por sua abordagem DIY para móveis.

Mas poucos estão rindo agora, com mais de 780 milhões de pessoas visitando as lojas da IKEA em todo o mundo todos os anos. Willvonseder diz que criar móveis acessíveis para as massas faz parte do espírito de design democrático da empresa e da visão original do fundador.

Os funcionários da IKEA sabem que não podem se acomodar e apenas gozar do sucesso da empresa. Em meio a rápidas mudanças no setor de varejo, a pressão sobre os recursos naturais, incluindo desmatamento, resíduos de plástico e uso de água são grandes preocupações, diz Müller.

Qualquer pessoa que tenha comprado na IKEA conhece o fenômeno muito comum de deixar a loja com itens como uma moldura, um novo conjunto de produtos, ou uma planta que não estavam na lista de compras. Isso dificulta o argumento de que a empresa esteja apoiando hábitos de consumo sustentáveis.

A IKEA está tentando contrabalançar isso ao considerar o uso de recursos sob uma nova luz. Müller explica que “usamos a parte da bétula que muitas vezes é ignorada por outras empresas de móveis”.

A empresa também iniciou um programa chamado “segunda vida”, onde as pessoas podem trazer de volta móveis dentro de 10 anos para reciclagem e receber um vale ou outras recompensas. Müller diz que a empresa também está testando uma opção de aluguel de móveis com o objetivo de prolongar a vida de seus produtos.


Sobre a IKEA

Setor: Mobiliário doméstico

Operações: 422 lojas IKEALink externo em mais de 50 mercados; 19 novas lojas em 2018, incluindo na Índia e mais 15 planejadas para 2019. A primeira loja da América Latina é esperada para 2020. Na Suíça, a empresa possui nove lojas. A Inter IKEA Systems B.V. e INGKA são duas franqueadoras da IKEA, esta última é a franqueadora das operações suíças.

Sede: Fundada na Suécia, mas controlada por várias fundações sediadas nos Países Baixos e Liechtenstein. A IKEA Suíça tem sua sede em Spreitenbach, no cantão de Argóvia.

Empregados: 200 mil globalmente; 3 mil na Suíça

Adaptação: DvSperling

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