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A relojoaria suíça polida por uma empresa portuguesa

Homem posando na frente de máquinas
Paulo Calçada posa na frente das máquinas utilizadas na fabricação dos seus produtos. swissinfo.ch

No ano de 1985 Paulo Calçada chegava à sua nova morada suíça. Nesse ano trabalhou nas vindimas em Neuchâtel e quando terminou o trabalho sazonal, empregou-se na construção civil. O trabalho duro e o clima severo motivaram-no a procurar novo emprego e encontrou-o numa fábrica de polimento de peças para relógios.

Durante dez anos esteve lá empregado mas decidiu arriscar e começar por conta própria nos primórdios do ano 2000. Hoje, tem a sua fábrica em Le Locle e trabalha para marcas conceituadas suíças da relojoaria internacional. A swissinfo.ch esteve na fábrica Calçada SALink externo para conhecermos um pouco melhor o percurso de mais um empresário português em terras helvéticas.

Paulo Calçada evidencia uma memória fulgente quando revisita o seu percurso de vida, pela exatidão das datas e de coincidir com momentos importantes na sua vida. Quando aos 15 anos começou o seu trabalho sazonal na vinha não pensou que pudesse, um dia, tornar-se proprietário de uma fábrica de polimento de peças de relojoaria tão bem-sucedida como a sua. Paulo viveu toda a sua vida em La Chaux-de-Fonds, mas trabalhou em Neuchâtel nas vinhas e a montar andaimes na construção civil.

Durante cerca de um ano e meio, Paulo trabalhou na construção civil e a dureza do trabalho fizeram com que tivesse vontade de mudar de área. No mês de dezembro de 1989, com apenas 17 anos, o nosso entrevistado tinha o primeiro contato com a área pela qual se apaixonou: a relojoaria. “É um trabalho apaixonante. A peça vem bruta de fábrica e nós polimos os vários elementos. Não pode levar um micro raio, tem de ir bem-acabada para a montagem”, para que seja entregue mais tarde em loja.

Graças à sua dedicação, em 1992 passou a ser chefe de equipa, “foi o ano em que me casei também, como o salário era melhor, demos esse passo”, sorri. Esteve nessa função durante oito anos até atingir o limite da fadiga, “acordava às cinco horas da manhã e regressava a casa muitas vezes às onze da noite”, relembra esses tempos estressantes. Naquela época, devido à dinâmica do mercado laboral, os aprendizes não permaneciam muito tempo na fábrica porque surgiam outras propostas financeiramente mais vantajosas.

Essa rotatividade de pessoal provocava um decréscimo na qualidade do trabalho realizado porque tinham a necessidade de, frequentemente, dar formação a novas pessoas. Por esse motivo, Paulo e os colegas com experiência profissional tinham de permanecer mais algumas horas a retocar peças que não poderiam ser entregues naquele estado. “Por causa daquele ritmo de trabalho, comecei a pensar que seria mais vantajoso lançar-me de forma independente. Então, em 2000 decidi arriscar”, e dava início a uma viagem que lhe daria muito trabalho, mas também frutos.

A empresa Calçada SA

Paulo recorda que algumas pessoas duvidavam das suas capacidades técnicas porque tinha 27 anos e existia a noção de que só mais tarde teria o know-how suficiente para fundar a sua própria empresa. Da mesma forma, quando se dirigia às fábricas anunciando-se como polidor independente, “havia falta de confiança, porque estava sozinho naquele tempo, depois veio a minha mulher e o meu irmão”, e, aos poucos, começou a construir uma rede de clientes de confiança.

Em 2008, constituiu a empresa como sociedade anónima e adquiriu o espaço onde ainda está instalada a fábrica Calçada SA, em Le Locle. Essa região é o centro de diversas marcas, como a Mont Blanc, Tissot, Tag Heuer, entre outras. “Não tive necessidade de ter uma imagem suíça, porque os clientes sabem que a mão-de-obra portuguesa é excelente. Felizmente, apenas trabalhamos para grandes marcas e estamos bem cotados no mercado suíço”, partilha conosco.

Quando questionamos Paulo acerca das vantagens de estar na Suíça, responde-nos de maneira direta, “seria difícil fazer vinho do porto em Espanha”, ri-se. O grande savoir-faire suíço é a razão para ele estar no país helvético, junto dos melhores. Na fábrica, são polidas diariamente, entre a 10 a 12 mil peças de relógios e são 85 funcionários no total. A grande maioria dos trabalhadores são portugueses porque tem confiança na qualidade do trabalho e através da sua experiência de vida sabe, “que dificilmente são as grandes empresas que vão integrar os emigrantes. Por isso, aqui podem adquirir conhecimentos e integrar-se no mercado de trabalho”.

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Na fábrica, são polidos diversos componentes metálicos dos relógios: fechos, braceletes, caixas dos relógios, entre outras. Para além disso, fazem acabamentos específicos que cada marca exigente, como relevos e gravações. A primeira fase é a preparação das peças que chegam em bruto da fábrica, e aí usam algumas máquinas automatizadas. Na fase de acabamento, utilizam máquinas de polir que ainda dependem da interação humana, “ainda trabalhamos com uma clientela que valoriza o polimento manual”, e, neste caso, a diferença da qualidade do trabalho é a mão humana.

Relativamente à sua clientela, Paulo Calçada assume que são exigentes e que, segundo a sua experiência, são valorizados três pontos: a qualidade do trabalho prestado, o cumprimento dos prazos de entrega e o preço. Por isso, mensalmente recebe os relatórios das avaliações que cada marca efetua, onde consta o número total de peças polidas, aquelas que tiveram de regressar à fábrica e os prazos de entrega. “A perfeição é impossível, trabalhamos com seres humanos e vamos serem encontrar defeitos”, conclui.

Há cerca de sete anos, Paulo Calçada fundou uma outra fábrica em Santa Maria da Feira, em conjunto com outro parceiro português. Presentemente, conta com 70 funcionários, mas nas suas perspectivas, dentro de dois anos, deverão ser mais em Portugal do que na Suíça. Neste momento, trabalha com os dois mercados, e em Portugal tem um maior volume de produção, assim como clientes em França e na Alemanha, para além da Suíça. Em Portugal investiu em máquinas automatizadas para ter um maior volume de produção enquanto na Suíça, está a melhorar o sistema informático para ficar com o histórico da produção. Habitualmente, testa primeiro na fábrica de Le Locle para depois aplicar em Santa Maria da Feira.

As perspectivas de crescimento

Paulo Calçada confidencia-nos de que não esperava gerir duas empresas com um total de 150 funcionários. Por esse motivo, revela que é uma incógnita as perspectivas de crescimento porque, “entrámos num circuito em que ou damos seguimento aos pedidos ou arriscamo-nos a perder o cliente”, sintetiza. Dessa forma, tem necessidade de acompanhar o crescimento dos clientes para que eles sintam que há margem de progressão com a sua empresa. Dessa forma, diz-nos que terminaram há menos de um ano obras de alargamento da fábrica e estão novamente a realizar obras para aumentarem o sector da produção. Contudo, realça, “tenho de defender a minha empresa, perceber com quem quero evoluir porque não me interessa realizar investimentos por causa de um cliente, se for apenas por um período temporário”, conclui.

Seus projetos

Paulo Calçada sente-se realizado com a sua vida profissional e pessoal. No entanto, tem necessidade de ter novos desafios na vida, “ainda tenho 45 anos, vão aparecer muitas surpresas na minha vida. Tenho ainda muitos desafios”. Neste momento, tem de se deslocar a Portugal cerca de três vezes por mês. Partilha conosco que gostaria de fazer o contrário porque acha o país magnífico e sente algumas saudades de lá estar.

Essa poderá ser a maior mudança que realizará no futuro. Contudo, a empresa Calçada SA continuará também a laborar na Suíça e Paulo não pensa abandonar o país onde teve a oportunidade de crescer pessoal e profissionalmente e ao qual também chama de casa.

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