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Fotógrafo dá um rosto para a comunidade LGBT no Kosovo

O fotografo Pierre-Kastriot Jashari, 24 anos, nasceu em Bienne de pais kosovares. Anne-Camille Vaucher

Não é fácil ser gay no Kosovo, o país nos Balcãs que se tornou indepentende em 2008  Porém até na comunidade de migrantes de língua albanesa na Suíça ainda são grandes os preconceitos e a opressão. O fotógrafo Pierre-Kastriot Jashari Link externotenta mostrar com o seu trabalho que não há motivo para ter vergonha.

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“No meu povo não existe homossexualidade”. As palavras proferidas por um líder religioso no Kosovo, que se declara abertamente homofóbico, são obscurecidas pelos ritmos da música eletrônica em Pristina, onde a comunidade LGBTIQ pode finalmente expressar-se, mesmo que sejam locais escondidos

Em fotos e vídeos, o projeto de Pierre-Kastriot Jashari, 24 anos, um fotógrafo suíço de origem albanesa, resume como é a situação é difícil para as minorias sexuais no Kosovo. Se o novo país já tolera eventos como a manifestação “Gay Pride” (Orgulho Gay) na capital Pristina, a opressão ainda é aberta. 

Pelo seu trabalho intitulado “Bonu Burrë!” (“Seja um homem”, em albanês), Pierre-Kastriot Jashari recebeu o prêmio fotográfico de direitos humanos em Genebra.

O jovem estudou na Escola de Arte de Lausanne (ECAL, na sigla em francês). Foi nessa época que descobriu sua identidade e fez o “coming-out”. Então procurou outras pessoas na comunidade albanófona com quem pudesse compartilhar suas experiências.

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Por razões de segurança, Pierre-Kastriot manteve o anonimato da maioria das pessoas retratadas por ele. Por vezes, as imagens escondem suas identidades através de efeitos de luz ou encenações. “Se os familiares descobrissem que eram homossexuais, alguns corriam o risco de ser expulsos de casa e viver na rua.”

No Kosovo, um dos amigos foi atacado na rua por policiais. Eles nunca foram punidos. No país também não existem estruturas de apoio às minorias sexuais. A pobreza e a corrupção tornam a vida das minorias ainda mais difícil, analisa o fotógrafo. “Quando falo com ativistas de direitos humanos no Kosovo, respondem que há problemas mais urgentes para resolver do que lidar com as questões do LGBTIQ.”

O peso da tradição também se faz sentir na diáspora albanesa na Suíça. “Embora haja mais liberdade por aqui, a maioria dos homossexuais albaneses enfrenta as mesmas dificuldades como no Kosovo”, explica. Como exemplo, ele cita o caso de um amigo: os pais o enviaram ao Kosovo para que um imame curasse o filho de suas inclinações homossexuais.

Pierre-Kastriot Jahsari
Nas ruas de Bienne. Anne-Camille Vaucher

Pierre-Kastriot Jashari teve a sorte de deixar a casa dos pais para estudar em outra cidade, o que lhe permitiu descobrir sua orientação sexual. “Se não tivesse ido, nunca teria tido espaço para fazê-lo”, disse.

“Não me sentia em casa em lugar algum.”

O jovem não tem medo de seguir seu próprio caminho, se livrar dos clichês e lutar contra a discriminação. Ele nasceu em Bienne, cidade distante meia-hora da capital Berna, de pais que se refugiaram na Suíça durante o conflito no Kosovo na década de 1990. 

Pierre-Kastriot viveu a dificuldade de crescer entre duas culturas: “Mesmo se minha família era bem integrada à Suíça, me sentia por vezes diferentes dos outros. Quando era criança costumava escutar que ‘os albaneses são violentos’ ou ‘que tem uma cabeça chata’..

Eram palavras que o magoavam e deixaram feridas. “Enfrentei a rejeição me esforçando na integração. Durante muito tempo não me sentia suíço. Mas quando passava férias no Kosovo também não me identificava com as pessoas. Eles costumavam achar que éramos ricos. Resumindo : não me sentia em casa em lugar algum.”

“Não podia fazer mais as coisas que odiava.”

Pierre-Kastriot Jashari já gostava de capturar essa infância entre dois mundos com a câmera do pai. “Gravei tudo e passei horas trabalhando nos retoques no computador”, recorda.

Quando estava no segundo grau, comprou uma máquina fotográfica graças aos conselhos de um primo, também fotógrafo. Então aprendeu sozinho a trabalhar com o aparelho, quase em segredo. Evitou participar dos cursos oferecidos na escola, pois achava que não seria aceito. Seus professores só descobriram a paixão ao apresentar o trabalho de conclusão do ensino médio. O tema eram retratos de albaneses no Kosovo.

Mas Pierre-Kastriot preferiu estudar antes de se dedicar à fotografia. E assim na Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFL), uma das mais conceituadas do país. Porém abandonou o curso. “Um dia depois percebi que já não podia obrigar-me a fazer coisas que odiava. Então estudou fotografia na ECAL, apesar da oposição dos pais.

“Tenho de levar uma parte de mim para os meus projetos”

Com suas fotografias, o jovem suíço-kosovar retrata especialmente outras pessoas. Seu primeiro grande trabalho tratou do tema da orientação sexual. “Tenho de levar uma parte de mim para meus projetos”, continua Pierre-Kastriot. Seu mais recente projeto é uma tentativa de documentar a juventude na região do Jura, nos arredores de Bienne, marcada pela migração.

O trabalho está sendo exibido na Mostra Fotográfica de Berna e Jura 2019-2020, organizada por quatro instituições culturais em Bienne, incluindo os Dias da Fotografia. O júri escolheu por unanimidade seu projeto.

O prêmio conquistado permite que o jovem fotógrafo pesquise a mistura social nessa região predominantemente rural. O Jura lembra as visitas familiares aos amigos albaneses durante a infância. “Sempre me impressionei com o contraste entre a atmosfera típica de um povoado suíço e essas famílias albanesas muito tradicionais”, explica. 

Como ele, os jovens na região do Jura equilibram-se entre duas culturas diferentes. “Alguns dizem que não são suíços, apesar de nunca terem viajado ao país de origem. Um sentimento que Pierre-Kastriot Jashari pode compartilhar.

Crimes de ódio contra homossexuais devem ser registrados

As autoridades suíças registram uma média semanal de dois crimes de homofobia (ódio contra homossexuais). Os dados foram levantados pela ONG Pink CrossLink externo. Homossexuais, bem como pessoas trans e intersexuais, são afetados pelo problema.

 Na Parada gay de ZuriqueLink externo, em junho, houve pelo menos três ataques a homossexuais. Um mês antes, jovens atacaram ativistas LGBT e destruíram o estande de informação na mesma cidade. Mais recentemente, dois gays foram espancados em Zurique Niederdorf, porque estavam se beijando em espaços públicos.

Nas estatísticas oficiais das autoridades os crimes são tratados da mesma forma que outros casos. Porém um projeto de lei da deputada Rosmarie QuadrantiLink externo (BDP/ZH) foi aprovado para obrigar a polícia a diferenciar os casos. O levantamento estatístico é necessário para provar o problema e finalmente resolvê-lo, diz a política.

Fonte: SRFLink externo

Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos

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