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Sucesso da amnistia condicional surpreende autoridades em Genebra

Sede das autoridades fiscais do cantão de Genebra. swissinfo.ch

A amnistia penal proposta aos burlões das prestações sociais revelou-se uma operação coroada de sucesso, no cantão de Genebra. As autoridades foram surpreendidas pela descoberta de uma vasta escala de ilegalidades até aqui bem dissimuladas e contam os resultados em muitos milhões de francos que vão entrar nos cofres públicos. Entre as comunidades estrangeiras residentes atingidas por este "tsunami", figura a de origem portuguesa.


O Departamento do Emprego, Assuntos Sociais e Saúde (DEAS) ofereceu em outubro de 2016 um perdão de penas aos beneficiários de ajudas sociais e subsídios em situação irregular que até 31 de dezembro apresentassem uma denúncia espontânea. Seguiu-se uma avalanche de autodenúncias. 

“No total, registramos cerca de dois mil casos comunicados pelos próprios beneficiários”, disse à swissinfo.ch o conselheiro de Estado Mauro Poggia, responsável pelo DEAS. “Houve 639 autodenúncias relativas a prestações complementares e 1.256 ao seguro de doença. A estas, somam-se as renúncias espontâneas às prestações.” 

Mais de duas mil das 93.000 cartas enviadas em outubro foram devolvidas com a informação de “Destinatário desconhecido na morada” e foram detectados endereços idênticos para várias pessoas que não são da mesma família. “Estas situações estão a ser investigadas”, ressalvou Mauro Poggia.

Quanto ao resultado financeiro da operação, as autoridades estimam que os pedidos de devolução de verbas indevidamente recebidas no âmbito do seguro de doença venham a gerar 1,5 milhão de francos. No que diz respeito ao serviço de prestações complementares, dos seguros de velhice, de sobrevivência e de invalidez, foram examinados 199 dos 639 casos autodenunciados, correspondentes a reembolsos que equivalem a um total de 5,3 milhões.

Segundo o responsável pelo DEAS, uma extrapolação permite prever a recuperação de 15 milhões quando todas as situações forem tratadas. A este total, há que adicionar o montante de poupança resultante de todas as prestações que no futuro deixarão de ser atribuídas.

O balanço é de tal modo favorável que o Conselho de Estado decidiu criar uma estrutura transversal interdepartamental de inquérito e melhorar a colaboração administrativa ao nível da transmissão de informações entre os serviços de Estado que atribuem prestações sociais. 

A operação revelou a existência de um universo fraudulento cuja extensão excede aquilo que se imaginava. Uma situação que no DEAS é comparada à descoberta da Atlântida: esta operação trouxe à tona um continente submerso de contas bancárias e bens imobiliários ocultos no estrangeiro. Nalguns casos as prestações indevidamente recebidas atingiam várias centenas de milhar de francos. Uma família portuguesa era afinal proprietária de cerca de uma dezena de apartamentos em Portugal.

Milhares de arrependidos à porta do fisco

A operação lançada pelo DEAS desencadeou um fenómeno idêntico junto da autoridade tributária cantonal, que viu chover milhares de autodenúncias, atualmente em curso de processamento. “A administração fiscal cantonal recebeu desde o início do ano 3102 denúncias espontâneas”, disse à swissinfo.ch Henri Roth, porta-voz do Departamento das Finanças (DF).

Tal como o Departamento dos Assuntos Sociais, o DF não conduz estatísticas por nacionalidade e por isso Henri Roth não dispunha de informações específicas para a comunidade residente de origem lusa. “O montante total originado pelas denúncias espontâneas na sequência do apelo feito em outubro passado pelo DEAS pode ser estimado em 380 mil francos.”

A troca automática das informações bancárias em vigor desde 1 de janeiro terá sido um dos fatores que inspiraram estas autodenúncias. No seio do DF, porém, a opinião dominante é que esta vaga recorde de “arrependidos” desejosos de regularizar as relações com o fisco está ligada principalmente ao novo rigor da lei federal no tratamento de casos de fraude à assistência social, em particular para os estrangeiros que correm o risco de expulsão.

A fuga como opção

“Se um estrangeiro é responsável de fraude à segurança social, mesmo se o fez em áreas que podem parecer inocentes, como quando recebe subsídio à habitação não declarando que possui bens ou poupanças, incorre numa ordem de expulsão do país e o juiz nem sequer lhe pode conceder uma grande margem de tolerância”, disse José Pineiro, da sociedade fiduciária CCCG.

“Se alguém tiver em Portugal uma casa com um valor de 60 mil francos e estiver a receber uma prestação complementar, pode ser-lhe exigido o reembolso do valor recebido e perde o direito à prestação. Se para além disto a pessoa em questão não tem a nacionalidade suíça, corre o risco de ser expulsa do país.”

José Pineiro foi procurado para aconselhamento em vários casos fiscais, mas nunca ninguém recorreu aos seus serviços com casos de fraude à assistência social: “Nesses casos creio que as pessoas agiram rapidamente assim que receberam a carta das autoridades. Os beneficiários de prestações complementares tinham consciência de estar a cometer fraude, porque quando preencheram o formulário para pedir a prestação tiveram de declarar que não são proprietárias de bens no estrangeiro, está lá no formulário, preto no branco. Alguns optaram por se autodenunciar e outros decidiram provavelmente sair da Suíça.”

Hélder Duarte, da fiduciária H. Duarte. swissinfo.ch

Hélder Duarte, da fiduciária H. Duarte, aponta para outro tipo de situação irregular – a das pessoas que têm dupla residência fiscal, em Portugal e na Suíça. A lei diz que Portugal só vai comunicar todas as contas bancárias e bens imobiliários à Suíça caso o titular e proprietário tenha a residência fiscal só na Suíça. “Se alguém tiver dupla residência fiscal – o que é um erro, porque não podemos ter duas residências fiscais – não vai ser sujeita a essa comunicação de Portugal à Suíça. Quanto às pessoas que tenham aqui residência, a informação em posse das autoridades suíças será comunicada a Portugal e aquelas que têm dupla nacionalidade vão ser identificadas e podem estar sujeitas a multas em Portugal por terem mantido duas residências fiscais usufruindo, por exemplo, de isenções de IMI, por figurarem como residentes em Portugal sem o serem.”

Mal aconselhados

Uma parte das pessoas que não responderam ao apelo do Departamento dos Assuntos Sociais com uma denúncia espontânea antes de 31 de dezembro, optou por incluir a informação sobre os bens imobiliários e contas bancárias no estrangeiro, convencidos de que deste modo poderiam beneficiar da amnistia penal. Esta prática parece ter tido numerosos seguidores, nomeadamente na comunidade portuguesa. “O facto de fazer uma declaração fiscal subitamente correta não equivale a uma autodenúncia, tanto ao nível da assistência social como da administração fiscal”, esclarece Laurent Paoliello, porta-voz do DEAS. “Se houve fiduciárias que aconselharam assim os seus clientes, induziram-nos em erro”, sublinha.

O secretário-geral adjunto do gabinete de comunicação do DEAS reitera: “Quem não fez autodenúncia junto do Hospice Général até ao fim de 2016, não pode contar com o perdão penal. Idem ao nível fiscal: se não apresentou uma autodenúncia junto da autoridade tributária e se limitou a incluir a informação antes omissa na declaração que apresentou este ano, quando for identificado será considerado que praticou fraude fiscal, pois ocultou esta informação nas declarações precedentes.”

Estes casos incorrem em consequências penais, para além de serem devedores do montante de imposto subtraído nos anos anteriores, alerta Laurent Paoliello, ressalvando que seria um erro acreditar que o aparelho tributário não identifique a estratégia, pois os impostos são tratados eletronicamente. Para as pessoas sem nacionalidade suíça que tenham agido assim, existe o risco adicional de expulsão. “Pode haver um atraso, mas se não forem contactados este ano sê-lo-ão aquando do próximo controlo, em 2018”, remata.

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