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O ‘freguês’ da Europa que nutre ilusões de grandeza

Gol do Basel
Jogando para um público cada vez menos presente: Valentin Stocker comemora um gol de seu clube, o F.C. Basel. Keystone

Enquanto a seleção suíça de futebol coleciona várias vitórias se preparando para a Copa do Mundo na Rússia, nós nos desbruçamos nos números que expõem as dificuldades enfrentadas pelos clubes nacionais.


Na superfície, o futebol suíço vem desfrutando de um período notável, ou de muita sorte. A seleção ‘Die Nati’ (que se pronuncia lamentavelmente como ‘Nazi’) se qualificou para sua quarta Copa do Mundo, e voará para a Rússia no verão com o que é amplamente reconhecido como sua melhor geração em anos. A equipe atualmente se encontra no oitavo lugar do ranking mundial da FIFA.

Enquanto isso, a potência doméstica do FC Basel (vencedores da Super League, o campeonato nacional, nos últimos oito anos) se qualificou em dezembro entre os 16 clubes da Liga dos Campeões da Europa, acumulando vitórias ao longo do caminho contra o Manchester United e o Benfica. Uma conquista “brilhante” não apenas para o clube, mas para o futebol suíço em geral, disse o CEO Jean-Paul Brigger na época.

Mas quanto desse sucesso se reflete no estado do futebol suíço em geral? Como se coloca a Super League suíça em comparação com os campeonatos das nações européias ao redor? O legado alpino da Suíça – que atingiu uma respeitável excelência em esportes como esqui, alpinismo e hóquei no gelo – sempre foi menos propício para a cultura do futebol do que, digamos, os terraços urbanos do norte da Inglaterra.

O país está realmente se “nutrindo de ilusões muito além da sua capacidade”, como descreveu a UEFA?

Dinheiro de sobra

Financialmente, parece que não. Como todas as ligas européias intermediárias, a Suíça é ofuscada – e cada vez mais – pelos “Cinco Grandes”: Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália e França. Esses gigantes, impulsionados pelo interesse internacional e acordos de TV concomitantes (especialmente a Premier League da Inglaterra), evoluíram desproporcionalmente na última década. Prova de que uma coisa que nem sempre diminui nos tempos difíceis é o “jogo bonito”.

No entanto, mesmo com todo o dinheiro à sua disposição, a Super League goza de menos reputação e classificação do que os campeonatos de tamanho semelhante. A receita anual média entre os 10 clubes de primeira linha é de € 21,1 milhões (um valor reconhecidamente superdimensionado por causa da grande fortuna do FC Basel). A Super League é o nono campeonato mais caro da Europa; superior à Bélgica, Portugal e Áustria. Mas nos rankings qualitativos da UEFA (com base em clubes que se classificam para as eliminatórias dos principais torneios como a Liga dos Campeões), esses países ultrapassam a Suíça, que fica em 14º.

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Por que essa diferença? Uma resposta óbvia é que dinheiro não é tudo – história, cultura, paixão e pura sorte são variáveis impossíveis de medir.

Mas uma razão mais concreta pode ser o abismo, em finanças e qualidade, que separa o FC Basel do resto. O clube do norte enfrentou pouquíssima resistência no ‘passeio’ para oito títulos sucessivos (embora o Young Boys de Berna esteja liderando o campeonato nesta temporada, com entusiasmo) e tem sido, para bem ou para mal, a principal força, mantendo a liga suiça em uma posição respeitável na Europa. 

As outras equipes têm balanços menos saudáveis. Segundo o jornal Der Bund, de Berna, o FC Thun, que enfrentou o Arsenal na Liga dos Campeões há apenas uma década, está operando (com prejuízo) um orçamento de cerca de CHF 11 milhões. E muito disso pode ser por causa da falta de receitas de transmissão de TV no país (ver gráfico), um dos principais impulsionadores do crescimento astronômico do negócio do futebol em outros lugares. Na Grã-Bretanha, quase metade da receita dos clubes vem dos direitos de TV, uma média de € 108 milhões por clube; o valor cai para € 1,2 milhões na Suíça – medonhos 6% da receita total. Mesmo em Portugal, um país de de tamanho comparável, 30% das receitas totais provêm da TV.

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Uma questão local?

Assim, enquanto o grande interesse (e os grandes orçamentos) por novos mercados, como a Ásia, estão ajudando a gerar lucros em ligas “atraentes” com jogadores de grande nome, no futebol suíço – e em suas finanças – a questão continua sendo mais local e orientada para as exportações. Os clubes se concentram mais na formação de jovens talentosos do que na busca de talentos estrangeiros caros. De acordo com o site ecofoot.fr, a Suíça é o quinto maior fornecedor de jogadores para as cinco principais ligas; um êxodo que certamente contribui para o sucesso da Nati, mas não muito para o desenvolvimento da Super League.

O investimento estrangeiro e o patrocínio também são raros. A maioria dos grandes acionistas são suíços, e muitos clubes são geridos de acordo com uma estrutura de associação que mantém as decisões mais democráticas. Existem exceções externas: o magnata britânico Jim Ratcliffe comprou recentemente o Lausanne, um clube médio, enquanto o FC Xamax e o FC Wil foram alvo de (desastrosas e abortadas) aquisições por investidores chechenos e turcos, respectivamente. No entanto, não existe nenhum exemplo que chegue perto ao movimento globalizado dos últimos anos que levou cerca de três quartos das equipes inglesas de alto desempenho a serem adquiridas por proprietários estrangeiros.

Dada a falta de receitas de TV e de investimentos externos, os ingressos são vitais, proporcionando 34% da renda média do clube (a segunda maior taxa na Europa, depois da Escócia). O patrocínio também continua importante, respondendo por 37% dos orçamentos, em média. Novamente, ambas as fontes são predominantemente locais, alimentando a imagem da Suíça como uma liga pequena e focada no fã. Em contraste, com seus acordos de TV maiores, países como Portugal e Bélgica podem atrair audiência e até mesmo talentos estrangeiros com um orçamento geral similar ao da liga suíça.

Comemoração da seleção suíça
A Suíça enfrentará o Brasil, a Sérvia e a Costa Rica na primeira fase da Copa do Mundo da Rússia swissinfo.ch

Rumores de mudança

A liga suiça precisa de uma injeção na veia? Os níveis médios de comparecimento do público, já comparativamente baixos, têm caído de forma constante; de um máximo de 12.253 em 2012 para 9.944 na temporada passada. Dois clubes (FC Servette e FC Xamax) decretaram falência nos últimos anos, enquanto outros, incluindo FC St Gallen e o Grasshoppers, tradicional clube de Zurique, também foram afetados pela queda nos investimentos.

Em um contexto mais amplo, onde se coloca em questão o domínio globalizado dos Cinco Grandes e as questões relativas aos planos hegemônicos de um “negócio” como o Manchester City, algumas soluções radicais foram sugeridas. Estas vão além da simples idéia do investimento estrangeiro, para incluir a proposta de fusão das ligas austríaca e suiça, para que possam competir em escala. Também se sugeriu que os clubes suíços que competissem na Liga dos Campeões pudessem compartilhar a recompensa com outras equipes da liga.

Mas muitas dessas questões permanecerão abertas. Um grande desempenho da Nati na Rússia no verão de 2018 manteria o foco nos aspectos positivos por um tempo mais longo.


Adaptação: Eduardo Simantob

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