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Um suíço com sotaque gaúcho

Pessoas de uma família posando
Chris Bourqui e sua família não negam os laços com a Suíça, seja na gastronomia ou no time de preferência. swissinfo.ch

Christopher Bourki deixou a Suíça há 14 anos e construiu sua felicidade em Porto Alegre. Mesmo assim, diz que a terra natal segue forte no coração. Na noite do último dia 10 de abril a reportagem da swissinfo.ch foi ao bairro Santa Tereza, em Porto Alegre, metrópole no extremo sul do Brasil. 

Ao tocar a campainha da casa de número 99 da Rua Acesso dos Lírios fomos recepcionados carinhosamente pelos ‘vira-latas’ Lisa, Kiko, Chico e Melody. Afagos caninos que antecederam o calor humano do dono da propriedade, o suíço Christoph Bourqui, 45 anos. Natural de Lucerna, Chris, como é chamado, vive há 14 anos na capital do estado do Rio Grande do Sul com a esposa Fernanda, diretora administrativa do Instituto Goethe, e os filhos Felipe, 15, nascido na Suíça, e Nathália, 11, essa uma entusiasmada praticante do esporte conhecido como ‘tecido acrobático’.

A profissão escolhida por Chris em térreas gaúchas e verde-amarelas é a mesma que aprendeu e se especializou na Helvécia, a de colocação de pisos. Vestindo uma camiseta da Schweizer Nati e num ‘português alemoado’, ele contou da sua experiência no Brasil, do amor pela esposa, que o fez atravessar 10 mil quilômetros e mudar de país, e da saudade sempre presente da Suíça, onde ainda moram os pais e a irmã.

swissinfo.ch: O que fez você trocar a Suíça pelo Brasil?

Christoph Bourki: Foi a minha esposa Fernanda, que conheci em 1998 em Toronto, no Canadá, quando eu fui estudar inglês, pois meu interesse era viajar o mundo. E percebi que meu inglês não era tão bom quando fiz uma viagem, um ano antes, aos Estados Unidos. Eu tinha 26 anos e ela estudava no mesmo cursinho, onde também estavam pessoas de várias partes do mundo. Eu fiquei de julho a setembro, e ela apenas agosto. Mas foi paixão e amor à primeira vista.

swissinfo.ch: E o que te chamou a atenção nela?

C.B.: Eu meu apaixonei na hora. Desde que ela chegou. Eu gostava dela, do sorriso, da simpatia. Eu estava solteiro e ela mais ou menos. E assim foi indo, fomos saindo. Quando faltava uma semana para ela ir embora nos declaramos. Comprei alianças para nós (mostra o objeto no dedo). E depois que ela voltou ao Brasil ficamos falando por telefone. Naquela época recém estava começando a internet e os e-mails.

swissinfo.ch: E como se viraram com essa saudade?

C.B.: Eu voltei para a Suíça no final de setembro e vim ao Brasil no Natal daquele ano e depois na Páscoa do ano seguinte. Para conhecer a família dela. Ela tem uma irmã, a Patrícia, que morou em Berlim. E depois da Páscoa de 1999 a relação ficou séria e estava chegado agosto, a época de férias para ela. E ela veio à Suíça. Conheceu então a minha família. E o namoro já estava encaminhado.

swissinfo.ch: E do namoro para o casamento evoluiu rápido?

C.B.: Sim. Tinha que casar e decidimos isso no final de 1999. Em 2000 nos casamos e a partir do casamento passamos a viver em Lucerna. Lá, ela começou a trabalhar primeiro em um restaurante e depois em uma loja de joias. Ela já falava bem o alemão, mas também inglês. E foi aprendendo o alemão-suíço, que é diferente.

swissinfo.ch: E o primeiro filho, o Felipe, veio quando?

C.B.: O Felipe nasceu em setembro de 2002 e a Nathália já aqui no Brasil, em 2007. Mas aí ao final de 2003 ela resolveu voltar para o Brasil com o bebê. Era difícil para ela ficar sozinha com a criança. Não era fácil para ela. E eu precisava trabalhar.

swissinfo.ch: E com a volta dela você começou a organizar a mudança para o Brasil?

C.B.: Eu fiquei meio ano sozinho e organizando toda a mudança, fazendo a papelada. Mas também levei um tempo para decidir se vinha mesmo ou não. E acabei vindo em junho de 2004. De certa forma foi o mesmo que aconteceu com ela, quando largou tudo no Brasil, a profissão de secretária bilíngue que ela tinha e que era um bom emprego.

swissinfo.ch: E como foi essa chegada ao Brasil? Você falava só o alemão. Enfrentou muitas dificuldades também para emprego?

C.B.: A gente ainda não tinha comprado essa casa e fomos morar com a sogra aqui em Porto Alegre. Quando fiz a mudança eu resolvi trazer as máquinas que trabalhava na Suíça para lixar o piso, corte e colocação de carpetes. Eu tive oportunidade de trazer sem pagar impostos, mas agora para importar seria muito difícil. E naquela época eram máquinas boas para começar a trabalhar.

swissinfo.ch: A decisão então foi assumir no Brasil a profissão que já tinhas na Suíça?

C.B.: Sim. Era o que aprendi e sabia fazer. Mas vim sabendo que aqui seria meio difícil, até porque também aqui não tinha uma mão de obra qualificada.

swissinfo.ch: E, justamente, qual a diferença entre essa mão de obra lá e cá?

C.B.: Na Suíça se estuda uma profissão e se especializa numa coisa. Aqui todo mundo faz ou quer fazer tudo. No início eu trabalhava sozinho, tinha um amigo suíço que me ajudava e trabalhamos quatro meses juntos, para me ajudar a carregar o maquinário. Mais tarde, lá por 2006, entrei numa parceria com um brasileiro. Mas era difícil. Lembro que a primeira coisa que peguei de trabalho aqui foi pintar a casa da sogra. Para aprender mais um pouco também. Depois eu resolvi ir a umas lojas e me apresentar. As duas primeiras não mostraram interesse nenhum. Mas eu também falava praticamente nada do português. E na outra loja tinha um cara muito legal, que não entendia muito, mas me ajudou e meu deu oportunidade de trabalho. Foi divertido.

swissinfo.ch: E como foi superada a barreira da língua então foi difícil?

C.B.: Sim, a esposa ia junto, me auxiliou nesse contato. Mas eu estudei português por dois anos na Suíça, quando já estava casado com ela. Acho que a primeira palavra que aprendi a dizer foi “bom dia”. Mas o pessoal aqui era mais desconfiado, tinha medo de perder o espaço.

swissinfo.ch: E hoje tu segues como autônomo?

C.B.: Sim, mas trabalho com muitos arquitetos e também por indicação, tenho uma rede de contatos. A Fernanda diz que o meu diferencial é esse estudo de cinco anos que tive da profissão, que sou uma pessoa de confiança, que não abandona o trabalho, resolve os problemas e é pontual. E isso é muito valorizado.

swissinfo.ch: E já te sentes um cidadão brasileiro ou ainda muito suíço?

C.B.: Eu me sinto suíço, mas a minha família acha que sou mais brasileiro, porque não falo mais quase o alemão (a esposa Fernanda interrompe e diz que não conversa mais em alemão com Chris porque ele não responde). Mas é uma coisa meio automática, de responder direto em português. É uma luta, coisa do ambiente. Acho que seria o mesmo que ela morando lá, mesmo que ela diga que é mais persistente que eu nessa coisa da língua.

swissinfo.ch: E nesses 14 anos no Brasil o que mais lhe agrada e frustra?

C.B.: Eu tenho aqui uma certa liberdade como profissional e tenho a minha casa, que são coisas importantes. Tenho a oportunidade de ir à praia e também de ir à Serra, uma fazenda que a minha sogra tem na cidade de São Francisco de Paula e que digo que é a porção suíça. Lá tem vacas, o contato com o campo. O que me preocupa no Brasil é a insegurança, a coisa de não poder sair para fora de casa, por exemplo, agora.  E há também essa insegurança política. Está tudo muito bagunçado e não vai mudar tão rápido. É uma ou duas gerações para virar isso. E não sei se vai mudar. Essa geração de não querer levar vantagem em tudo ainda não nasceu. E tem uma questão também de educação aqui. O povo é meio arrogante, vejo isso no trânsito, onde o pessoal parece querer levar a vantagem sempre.

swissinfo.ch: E isso faz ter vontade de voltar à Suíça?

C.B.: A minha esposa, sim. Ela diz que eu não. Mas todo dia ouço isso, da minha família e de outras pessoas no meu trabalho. Me perguntam o que estou fazendo aqui, porque não volto pra Suíça, que é um país de primeiro mundo, um país rico. Penso que recomeçar tudo de novo, do zero, e já com certa idade, não é tão fácil. Dá um pouco de medo. Minha esposa diz que sou um capricorniano cabeça dura.

swissinfo.ch: E qual o contato com outros suíços que estão aqui ou sociedades helvéticas no Rio Grande do Sul?

C.B.: Tenho contato com o Walter, um amigo suíço que mora há 500 metros daqui. Ele veio uns dois anos antes, também casou com uma brasileira. Agora está aposentado, mas antes trabalhava com metalurgia. Mas nunca tive contato com o pessoal de entidades suíças. Na verdade, não tivemos acesso a isso por aqui, acho que é muito fechado. Uma vez fomos ao Chalé Suíço, que hoje não existe mais

swissinfo.ch: E a conexão com a Suíça, com a família que ficou lá?

C.B.: Todo dia leio o Blick (Zurique), o jornal mais popular da Suíça. Leio em alemão e mantenho o vocabulário vivo. Eu nasci em Lucerna, mas cresci na volta do lago. Tenho lá meus pais, Charles e Monika Bourki, hoje com 65 anos, e minha irmã, Eveline, 42 anos. Meus pais estão aposentados e minha irmã tem seis filhos. Falo com meus pais mais pelo aplicativo WhatsApp, mas muito pouco com minha irmã. E como está chegando a idade, os meus pais estão meio doentinhos. Voltei lá só duas vezes. Uma em 2015, sozinho, e antes em 2011, quando levei toda a família.

swissinfo.ch: E das coisas típicas aqui no Rio Grande do Sul, como churrasco e chimarrão, o futebol de Inter e Grêmio, você gosta?

C.B.: Gosto de churrasco. Já sou um mestre em fazer (risos). Gosto de fazer carnes como alcatra e costela. Mas não gosto do mate, do chimarrão. A minha mulher e filhos tomam, eu não. Eu gosto de fazer fondue, mas o suíço. O daqui não é bom. Estou há quatro meses esperando um que foi enviado pela minha mãe. Na Suíça eu torcia para o FC Lucerna, aqui sou Grêmio. Mas na Copa do Mundo deste ano vamos instalar bandeiras da Suíça na casa toda.

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