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Prisioneiros de guerra da Alemanha na Suíça

Deutsche Soldaten ergeben sich
Deutsche Soldaten ergeben sich. Wikimedia / U.S. National Archives

Ao terminar a 2ª Guerra Mundial, muitos soldados alemães haviam passado pela Suíça. Na época não havia uma política homogênia: as autoridades deportaram alguns e outros militares foram mantidos em campos de concentração.

Entre 1945 e 1947, 1.065.000 prisioneiros de guerra alemães foram mantidos em cárcere na França. Desses, 740 mil vieram de campos de detenção americanos, 237 mil haviam sido presos em território francês. Os últimos vieram do Norte da África, onde tinham estado sob o controle britânico. Depois de serem enviados para reconstruir a França devastada pela guerra, muitos – quase 40 mil – perderam suas vidas em campos minados ou morreram em cativeiro.

swissinfo.ch publica regularmente artigos do blog do Museu Nacional SuíçoLink externo dedicado a temas históricos. Os artigos são sempre escritos em alemão e geralmente também em francês e inglês.

Como em muitos outros países, a guerra ceifou vidas também na França após o seu fim. Os franceses queriam acertar contas pendentes e mostraram-se impiedosos com seus antigos algozes. Fome, condições de higiene terríveis, dormitórios em buracos no chão: os relatórios de investigação do CICV (Comitê internacional da Cruz Vermelha, IKRK, na sigla em alemão) chegaram ao ponto de comparar os acampamentos franceses com Buchenwald ou Dachau. Ao denunciar as condições, o principal objetivo era persuadir as autoridades francesas, compreensivelmente muito hostis à Alemanha na época, a reagir.

Foto história de soldados alemães em campo de prisioneiro
Foto história dos 10 mil soldados alemães em um campo de prisioneiros na França. Wikimedia / U.S. National Archives

Fuga para a Suíça

Durante a prisão, que durou meses, mais de 80 mil homens – a maioria membros da Wehrmacht (o Exército alemão) – conseguiram fugir dos campos franceses. Eles queriam voltar para a sua terra natal. É irônico que alguns deles – como incontáveis judeus, apenas alguns meses antes – tivessem buscado proteção na Suíça. Eles faziam suas rotas de noite, por caminhos inseguros, ou como passageiros clandestinos em vagões de carga. Alguns conseguiram chegar à fronteira suíça e encontrar o momento certo para cruzá-la.

O êxodo tinha começado em abril de 1945, quando as forças francesas entraram em Constança. Civis e soldados alemães entraram em pânico e amontoaram-se em direção à fronteira suíça. Em 26 de abril, 150 membros da Wehrmacht e funcionários da alfândega alemã apareceram na fronteira e pediram permissão para entrar na Suíça, onde foram posteriormente detidos. Pouco depois, em maio de 1945, 400 russos a serviço dos alemães – os chamados “cossacos de Vlassov” – chegaram a Liechtenstein, alguns deles acompanhados de mulheres e crianças, e pediram aos funcionários da alfândega suíça para detê-los. No entanto, eles eram indesejados e foram rejeitados. Isto foi apenas o começo. Logo depois vieram os prisioneiros fugitivos de guerra.

Prisioneiro de guerra alemão.
Prisioneiro de guerra alemão. Wikimedia / U.S. National Archives

Em agosto de 1945, a polícia em torno do lago Neuchâtel, capturou em Fleurier dois prisioneiros de guerra alemães que haviam fugido do campo de Valdahon dans le Doubs e, poucos dias depois, outros três refugiados em Boudry. Três alemães foram capturados em Corcelles e deportados para a França pela força militar.

Em outubro de 1945, quatro soldados da Wehrmacht que haviam escapado de um acampamento em Annemasse e estavam tentando retornar à sua terra natal, foram presos em Vuillerens, no cantão de Vaud.

Refugiados também apareceram em Genebra. Foram os funcionários da SBB que, em janeiro de 1946, descobriram duas pessoas que haviam fugido de um acampamento em Toulon em uma carroça na estação de Cornavin. Dois outros soldados alemães foram presos em Bellevue e entregues às autoridades francesas em agosto.

No verão de 1946, houve um aumento acentuado do número de refugiados alemães na Suíça.

Enquanto a Wehrmacht era oficialmente dissolvida em Berlim em 20 de agosto de 1946, a Polícia do cantão de Vaud deteve quatro soldados alemães em traje civil e militar, que haviam escapado de um campo de prisioneiros em Annecy. Outros quatro, que estavam a caminho da Alemanha vindos de Nápoles, foram apanhados numa floresta perto de Courrendlin, no Cantão Jura.

No mês seguinte, cinco refugiados alemães também foram presos e extraditados em Berna. Ao mesmo tempo, o julgamento de Otto Löliger acontecia em Lucerna. O antigo primeiro tenente do Exército suíço havia entrado para o Exército do SS (as unidades militares da tropa do Partido Nacional Socialista na Alemanha) em 1942, e chegado ao posto militar superior (Obersturmführer). Sua sentença de sete anos de prisão desencadeou uma grande resposta da mídia.

Prisioneiro de guerra alemão em um campo em Roma.
A guerra foi perdida: prisioneiro de guerra alemão em um campo em Roma. Wikimedia / U.S. National Archives

Roubos e arrombamentos

Na época, os jornais suíços se referiam frequentemente aos crimes de guerra cometidos pelos nazistas, às atrocidades nos campos de concentração e à situação na Alemanha ocupada pelos Aliados, pois as inúmeras tentativas dos prisioneiros de guerra alemães para atravessar o país atraíram a atenção tanto dos jornalistas quanto da administração federal. As autoridades publicaram números sobre isso, em abril de 1947. 

Em 1946, 99 deportações foram impostas aos prisioneiros alemães fugitivos de guerra. A razão para isso foram delitos criminais. Indigentes, e muitas vezes completamente abandonados à própria sorte, estes refugiados não se acobardavam de roubos ou assaltos quando a oportunidade surgia:

“A partir do momento em que põe os pés no solo de Vaud, não se passa uma semana em que essas pessoas não cometam crimes.”

A Gazeta de Lausanne ressaltou que

“…as fronteiras estão meio abertas e, portanto, os malfeitores internacionais estão se tornando cada vez mais proeminentes. Em intercâmbio com forças policiais estrangeiras, o Serviço de Segurança Pública do cantão de Vaud tem recebido assistência efetiva, que tem sido coroada com sucesso na apreensão de vários criminosos.”

O contato intensivo com a polícia francesa foi um sinal de bom entendimento.

“Cerca de 100 prisioneiros alemães fugitivos de guerra atravessaram nossa fronteira e entraram em território de Vaud no ano passado. Para evitar que sua presença levasse a um aumento das infrações, o comandante da polícia cantonal ordenou o aumento da vigilância; 24 prisioneiros alemães fugitivos de guerra foram condenados de cometer delitos, presos e entregues à justiça; eles cometeram inúmeros furtos, principalmente de bicicletas.”

Na primavera de 1947, 347 prisioneiros alemães fugitivos de guerra ainda foram contados.

Embora todos os prisioneiros alemães tenham sido gradualmente libertados pela França a partir de abril de 1947, os movimentos migratórios continuaram ao longo do ano. Na primavera, os pilotos da Luftwaffe (Força Aérea Alemã), que haviam conseguido escapar de seus algozes americanos na França, foram detidos, presos e imediatamente devolvidos às autoridades francesas.

Entre fevereiro e setembro, um total de 398 prisioneiros de guerra alemães que haviam escapado da França foram capturados em solo suíço. 42 deles – ex-membros da SS – foram imediatamente devolvidos. Somente a partir de 1948 é que o número de detidos diminuiu.

Acolher ou deportar?

Assim, na tentativa de retornar à sua terra natal, nos primeiros anos do pós-guerra, várias centenas de alemães foram apreendidos em solo suíço. Como é possível deduzir do Relatório Bergier, o caso dos prisioneiros fugitivos de guerra representava um problema particular pois, segundo o Acordo de Haia, eles poderiam ser acolhidos por um Estado neutro. No entanto, não havia a obrigação de fazê-lo.

A Suíça teve, portanto, uma certa margem de manobra em suas decisões. Enquanto os soldados franceses que haviam fugido dos campos alemães puderam atravessar a Suíça até 1942 para chegar à França desocupada, o Departamento de Justiça e Polícia pediu extrema contenção e exigiu que “elementos indesejáveis fossem mantidos afastados”, o que muitas vezes levou a consequências dramáticas, dependendo da origem das pessoas em questão.

Ex-soldados da Wehrmacht foram tratados de forma bastante arbitrária, mas pelo menos não tão cruel como aqueles que haviam sido rejeitados anteriormente. Alguns – como os soldados do Exército Vermelho que haviam fugido dos campos nazistas e encontrado refúgio na Suíça – foram alojados em campos do Comissariado de Detenção e Hospitalização, fundado pelo Departamento Militar em junho de 1940. Outros foram entregues às autoridades estrangeiras.

A situação se amenizou após o fim da guerra, mas o governo suíço emitiu uma decisão, ainda em 1947, para facilitar a política sobre refugiados e emigrantes. Esta entrou em vigor no dia 20 de março, e foi limitada a três anos. Depois disso, somente pessoas nascidas antes de 1889, doentes, enfermos (pessoas debilitadas), crianças menores de 16 anos e órfãos foram autorizados a permanecer na Suíça. No entanto, muitas vezes foram concedidas exceções.

A permissão de permanência foi concedida a pessoas que pudessem demonstrar “capacidades e méritos especiais, particularmente nos campos científico, intelectual, artístico, social, humanitário ou econômico.” No final, os pedidos e o destino dos alemães fugitivos foram decididos pela Polícia Federal Estrangeira.

Ajuda na fuga para os alemães

Enquanto alguns dos refugiados foram capturados, outros conseguiram chegar à Alemanha. O número deles só pode ser especulado. Sabe-se, no entanto, que alguns deles receberam ajuda.

Até o fechamento das missões diplomáticas alemãs em Berna, em 8 de maio de 1945, estes refugiados podiam contar com a ajuda não oficial dos consulados alemães, aos quais alguns deles poderiam ter solicitado. 

A ajuda também foi fornecida pelo departamento alemão do Escritório Central para Prisioneiros de Guerra da Cruz Vermelha em Genebra, e por Werner von Holleben. O cônsul alemão permaneceu na Suíça até 1946, embora o governo federal tenha deportado oficialmente o pessoal das missões alemãs para a Alemanha. Werner von Holleben pôde permanecer na Suíça graças à sua função como secretário da Associação Cristã de Jovens.

O envolvimento tanto da seção alemã do Escritório Central dos Prisioneiros de Guerra como certamente também da Associação Cristã de Jovens na repatriação de refugiados alemães através da Suíça parece óbvio, mas o apoio logístico exigiu toda uma rede interligada. 

Este veio de pessoas que forneceram ajuda humanitária e acomodação, alimentação e cuidados discretos. Entre eles estavam a enfermeira Barbara Borsinger e a médica Viola Riederer von Paar zu Schönau, que esconderam um certo número de refugiados alemães nos porões da Clínica Grangettes. 

A ajuda também veio de Jesuítas da Suíça de língua alemã, que equiparam estes prisioneiros fugitivos com roupas novas e os ajudaram a atravessar a fronteira na Basiléia. Foi uma ação filantrópica, que exigiu sigilo por causa das medidas administrativas com que os prisioneiros de guerra foram sobrecarregados, e certamente não teria sido compreendida por uma maioria da população.

No que tange a Barbara Borsinger e Viola Riederer, a ação foi liderada por mulheres que se sentiam comprometidas com uma fé profunda, e já haviam ajudado inúmeras crianças judias durante a II Guerra Mundial.

Christophe Vuilleumier é historiador e membro do conselho da Sociedade Suíça para a História. Ele publicou vários artigos sobre a história da Suíça nos séculos XVII e XX. O artigo foi publicado originalmente no blog do Museu Nacional Suíço.Link externo

Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos

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