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Uma história que se repete há 200 anos

Nova Friburgo
Após ter sido quase abandonada pelos colonos suíços, Nova Friburgo consegue se desenvolver graças a outros povos imigrantes swissinfo.ch

Quais as semelhanças entre os colonos suíços que vieram para o Brasil no começo do século XIX e os imigrantes que tentam entrar na Europa e nos Estados Unidos hoje? Um documentário suíço aborda a questão e conta a história da formação de Nova Friburgo.

O jornalista suíço Jean-Jacques Fontaine, correspondente no Brasil para jornais suíços e estrangeiros, se interessou pela história dos 200 anos da formação de Nova Friburgo. Durante sua pesquisa jornalística, Fontaine percebeu que havia bastante livros sobre o assunto, mas nenhum filme que contasse essa história.

Com o apoio da televisão pública suíça, Fontaine foi ao encontro de famílias de descendentes suíços na ideia de mostrar um retrato da imigração suíça no Brasil, no entanto, o jornalista acabou se deparando com semelhanças surpreendentes entre os imigrantes suíços do começo do século XIX e os imigrantes que fazem notícia nos dias de hoje.

Em um encontro com swissinfo.ch, Fontaine fala de sua relação com a “Suíça Brasileira” e conta um pouco da história relatada em seu documentário.

swissinfo.ch: Qual a sua relação com Nova Friburgo?

Jean-Jacques Fontaine: Minha relação com a cidade tem quase trinta anos, porque conheci o Brasil nos anos 80, exatamente nas eleições de um primeiro presidente civil depois da ditadura, a de Tancredo Neves. Morava no Rio e trabalhava como correspondente na América do Sul para vários jornais canadenses, belgas e suíços. Cobri assim, na mesma época, a criação da queijaria-escola de Nova Friburgo e a relação entre Fribourg e Nova Friburgo para o jornal La Liberté, de Friburgo, na Suíça.

Depois, por razões particulares, pois minha esposa é de Nova Friburgo e toda sua família está lá, por isso costumamos visitar a cidade.

swissinfo.ch: O que lhe motivou a fazer esse documentário?

J.-J.F.: Foi um pouco um acaso. Estava lá na casa de minha sogra em Nova Friburgo e vi no jornal A Voz da SerraLink externo, de Nova Friburgo, uma matéria sobre a preparação dos 200 anos da fundação da cidade. Achei interessante e pensei em fazer alguma coisa sobre isso e acabei descobrindo que não havia nenhum documentário sobre essa história. Há muitos livros, alguns filmes sobre os encontros dos suíços com os brasileiros lá e aqui na Suíça, mas não havia um documentário contando essa história e mostrando como é hoje. A televisão suíça se interessou e assim nasceu o projeto.

swissinfo.ch: Você compara os suíços de 1818 com os exilados que a Suíça acolhe hoje. O Brasil de 200 anos atrás seria um pouco a Suíça de hoje?

J.-J.F.: Nesse sentido, não. Mas no conceito de imigração há uma semelhança geral. Não especificamente entre os suíços que foram para Nova Friburgo e os imigrantes de hoje, mas é possível dizer a mesma coisa para os imigrantes europeus que foram para os Estados Unidos no século XIX e os imigrantes da América do Sul que vão para os Estados Unidos hoje. Tem uma semelhança e isso apareceu bastante claramente na preparação do documentário.

No início, o documentário estava voltado para saber quem são essas famílias de descendentes de suíços, eu queria fazer retratos deles e das relações que tinham com as famílias da Suíça. Mas logo apareceu essa dimensão da permanência da imigração que virou o coração do filme, porque tem bastante semelhança, por exemplo, qual era o objetivo do cantão de Friburgo com essa ideia? Com o fim das guerras napoleônicas, a Suíça era muito pobre e tinha muitas pessoas deslocadas, que não tinham mais onde morar, os chamados “Heimatlos”, em alemão “que não tinham pátria”, e como na Suíça, ainda hoje, são as comunas (municípios) que tinham que se ocupar dos pobres, esses não tinham relação com as comunas e ficavam nas ruas pedindo esmolas ou roubando. Então, o cantão de Friburgo queria se livrar disto. Do outro lado, no Brasil havia um grande crescimento da população escrava e o rei de Portugal tinha medo que o Brasil virasse um país negro, ainda mais que havia acabado de acontecer a libertação do Haiti, que foi a primeira república negra das Américas. Essas duas circunstâncias fizeram a organização dessa imigração.

Mas o interessante é que, apesar do cantão de Friburgo querer se livrar dos mais pobres, não foram os mais pobres que foram para lá. Foram pessoas com um mínimo de bens e uma vontade de refazer a vida para sair de uma situação difícil. E hoje se você vê quem são os imigrantes que vêm para a Europa, são imigrantes da África. É a mesma coisa, não são os mais pobres, são pessoas que ainda têm uma certa vontade de refazer a vida em outro lugar.

swissinfo.ch: E quem organizou essa viagem ao Brasil?

J.-J.F.: Essa é uma outra questão que mostra uma semelhança com os imigrantes de hoje. A questão dos atravessadores. Essa migração dos suíços para o Brasil foi organizada pelo governo suíço e o rei de Portugal com a intermediação do Nicolas Gachet, que era um aventureiro que queria lucrar com essa história. Foi ele que organizou essa travessia, como hoje os atravessadores que lucram nas travessias do Mediterrâneo, da África para a Europa. A grande diferença entre esses dois casos, é que nessa época, como o Brasil queria branquear o país, abriu as portas para esses imigrantes suíços.

swissinfo.ch: E como esses suíços foram acolhidos no Brasil?

J.-J.F.: Bom, os suíços chegaram numa terra de “ninguém”, entre aspas porque estavam lá os índios, mas infelizmente na História do Brasil contam pouco sobre eles. Fora os índios, não havia ninguém nessas terras, uma terra aliás muito pobre, com mata atlântica e muito íngreme. Colocaram os suíços lá para semear e cultivar essa terra. O rei mandou construir algumas moradias e deu uma ajuda financeira durante um ano, depois desse período, cada um tinha que se virar por conta própria.

A questão é que perto de Nova Friburgo fica o Vale do Paraíba, que era na época o centro da produção do café. Lá tinha colônias de portugueses e brasileiros que lucravam com o café. Os colonos suíços de Nova Friburgo viam as tropas de mulas carregadas de sacos de café que passavam em direção ao porto do Rio e logo entenderam que isso era mais interessante para ganhar dinheiro.

No entanto, havia uma cláusula no contrato de imigração que dizia que eles não podiam sair de Nova Friburgo, mas muitos não respeitaram essa cláusula e partiram para aquela região, onde trabalharam no café, compraram fazenda e utilizaram escravos também, como os portugueses, e uma parte desses suíços enriqueceram com o café. Em apenas dois anos, por volta de 1822 e 23, dos 1600 suíços que chegaram a Nova Friburgo, só restavam 300 na localidade. Os outros todos foram ou para a cidade do Rio de Janeiro, ou para o Vale do Paraíba trabalhar com o café.

swissinfo.ch: Por que eles não guardaram a língua e a cultura, como os colonos alemães no Sul do Brasil?

J.-J.F.: Tem primeiro uma questão do tempo, porque essa imigração tem 200 anos. A maioria das colônias do Sul do Brasil, do estado de São Paulo indo mais ao Sul do país, são imigrações do final do século XIX. É uma diferença de quase 100 anos ou mais que faz diferença.

A outra questão é que em Nova Friburgo, depois dos suíços, chegaram imigrantes de nove países diferentes: alemães, italianos, espanhóis, japoneses, sírios-libaneses, austríacos, húngaros, sem falar dos portugueses, índios e escravos que já estavam na região. Todos esses povos se misturavam, e a única coisa em comum era a língua portuguesa.
 

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