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“Aqui estou em casa”

Homem posando
"Comecei do zero", ressalta Luís Fraga. swissinfo.ch

Quando chegou a Genebra com 14 anos, Luís Fraga queria juntar-se à família e ter uma profissão e trabalho. Persistente, concluiu uma formação profissional e construiu uma empresa de sucesso. Em entrevista à swissinfo.ch faz o balanço de um percurso que "ao princípio não foi fácil" e confessa o sonho de uma comunidade portuguesa mais coesa e capaz de coordenar esforços para conquistar relevo e peso político.

Quando em 1982 o pai emigrou rumo à Suíça, Luís tinha dois anos de idade. Viveu mais 10 anos em Mirandela, Trás-os-Montes, sob os cuidados dos avós, até que a família decidiu que seria melhor para ele fazer a escola no estrangeiro. “Somos uma família de emigrantes, tenho muitos familiares em França, na Alemanha. Estive dois anos a estudar em Paris, antes de vir para Genebra. Cheguei aqui em 1994, acompanhado do irmão, Ricardo, três anos mais novo.”

O pai regressou há cinco anos a Portugal. Luís ficou. “Vive-se sempre com aquela esperança de voltar, mas sei que nunca daqui sairei definitivamente”, pondera. “Tenho dois filhos, de catorze e 9 anos, eles daqui a mais alguns anos começarão a fazer a vida deles e nós por cá ficaremos. Temos a nossa vida aqui construída, o nosso dia-a-dia é aqui.”

Diz que se sente em casa em Genebra como em Portugal, mas foi em Genebra que cresceu, conhece cada rua. Mantém os laços com Mirandela, onde passa sempre uma ou duas semanas com a família e onde leva os amigos de Genebra, rumo às tradicionais alheiras. “Todos os anos, na última semana de fevereiro ou na primeira de março, vou com um grupo de amigos comer umas alheiras feitas pela minha avó e pelo meu pai.”

A mulher é da Póvoa de Varzim, mas foi em Genebra que se conheceram: “Ela chegou a Genebra no mesmo ano que eu e morámos na mesma rua durante anos sem nos cruzarmos. O percurso dela é semelhante ao meu: tinha cá os pais e começou por trabalhar num hotel.”

Nos primeiros anos, a presença dos pais atenuou as dificuldades de adaptação. Como quando chegou já era tarde para fazer a inscrição para estudar, decidiu arranjar um trabalho que lhe permitisse suportar os gastos pessoais.

Começou em 1995 a aprendizagem de três anos na profissão que continua a exercer: produção e instalação de equipamento de proteção solar. Em 1998 obteve o CFC (Certificat fédéral de capacité), ficou dois anos como empregado na empresa onde fez a aprendizagem, passou depois a responsável de atelier, e nos últimos três anos foi colocado como responsável da empresa, até 2006. “Decidi então que era tempo de voar pelas minhas próprias asas.”

No dia 26 de setembro de 2006 começou a trabalhar por conta própria. “Claro que ao princípio não foi fácil, porque não tinha clientes, comecei do zero. A minha mulher trabalhava na Coop e como o salário dela não chegava para pagarmos as faturas, nos dois primeiros anos dedicava-me das 7.30 às 17.30 a procurar clientes, enviar propostas às agências de gestão de condomínios, proprietários, arquitetos, etc. Das 18.00 às 6.00 da manhã ia limpar escritórios e fazer trabalhos de reparação, para garantir um salário mínimo que me permitisse pagar as faturas.”

Os clientes começaram a aparecer. Luís Fraga conseguiu finalmente os primeiros contratos com agências imobiliárias de gestão de condomínios e começou a andar pelos seus próprios pés. Hoje, os clientes da FragastoresLink externo são todos do meio imobiliário de Genebra, a maioria são agências imobiliárias. “Para um volume de negócios anual de dois milhões e setecentos mil ou dois milhões e oitocentos mil francos, pagamos aos fornecedores cerca de um milhão e duzentos mil. Atualmente trabalham na empresa nove pessoas, a maioria de origem portuguesa. A minha mulher trabalha comigo desde o terceiro ano de existência da empresa.”

A Fragastores trabalha com as grandes empresas suíças da construção imobiliária: “A Induni, a Implenia ou a Steiner entregam-nos contratos de 800 ou 900 mil francos, temos também o privado que vai pedir-nos que instalemos um estore por 200 ou 300 francos.”

Luís tem mais duas empresas: uma que se ocupa de administração e manutenção de mais de vinte condomínios e outra que gere a subcontratação de toda a gama de serviços de acabamento de imóveis.

Portugal: excelente qualidade, problemas com entrega e prazos

Luís decidiu há uns anos começar a investir em Portugal na compra, renovação e aluguer de apartamentos. O passo seguinte foi levar para lá o negócio dos estores. Comprou metade de uma empresa portuguesa de Rio Tinto que se encontrava em dificuldades, em consequência de contratos de demasiada envergadura para as capacidades que tinha e de prejuízos com investimentos em Angola. A Fragastores é atualmente cliente dessa empresa portuguesa. “Limitei-me a dar um impulso na fase mais difícil. O meu sócio português está à frente do negócio, a empresa atingiu a sustentabilidade e dá lucros.”

Confessa que é mais complicado trabalhar com Portugal que com outros países. Habituado a ter as coisas feitas dentro dos prazos, “a tempo e horas”, lamenta que as empresas portuguesas – capazes de produzir equipamento de excelente qualidade – não saibam assegurar a entrega e não cumpram sempre os prazos. A Fragastores tem fornecedores em vários países europeus. Compra na Grécia, Espanha, França e Itália matéria-prima e equipamento pronto a instalar.

Luís sublinha que a qualidade do trabalho feito em Portugal não deixa nada a desejar, comparado a qualquer destes países, e acrescenta que muitas cadeias hoteleiras de prestígio internacional preferem hoje o mobiliário de fabricação portuguesa, que tem conquistado relevo num mercado que era dominado pela Itália. O problema é que as empresas portuguesas não asseguram os trâmites alfandegários nem o transporte.

“Isso complica-nos muito o trabalho, pois obriga-nos a ter em Portugal um alfandegário e uma empresa transportadora. Às vezes a transportadora chega à empresa e o material não está pronto, outras vezes o material está pronto e a transportadora não o vai buscar ou o alfandegário não tem sempre as peças todas. Se na Itália, por exemplo, digo que quero o material entregue em Genebra tal dia, nesse dia tenho tudo à porta, com uma fatura de alfandegário, a minha TVA a pagar, sem que eu tenha que me preocupar com todas essas etapas. Da perspectiva dos meus seis ou sete anos de experiência, vejo que as empresas portuguesas funcionam cada vez melhor, mas há ainda um caminho a fazer.”

Comunidade portuguesa: fragmentada e sem peso político

Luís Fraga é presença habitual em todos os eventos organizados pelas associações portuguesas. “Não escondo nunca que sou português e até me apresento como português, porque tenho orgulho de o ser. Procuro acompanhar o que se passa na comunidade portuguesa e incentivar a promoção da nossa cultura.”

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Observador atento, lamenta que a comunidade, sendo tão numerosa aqui em Genebra, não esteja melhor servida. “Temos demasiados ranchos folclóricos. Apoio a todos e participo nas festas de todos, mas estamos dispersos e atomizados e não temos nenhuma estrutura que seja comum a todos e representativa de toda a comunidade.” Compara com a comunidade lusa de Annecy, que conhece porque a mulher tem lá família: “Existem lá dois cubes portugueses, que estão sempre cheios. As pessoas dão-se bem, aqueles lugares são frequentados por famílias inteiras. Aqui em Genebra os portugueses não conseguem unir esforços – em vez de uma ou duas associações, existem cerca de uma vintena. Vinte, que afinal não servem realmente a comunidade, apenas os interesses de alguns. Isto é algo que me entristece, que considero um erro.”

Há em Genebra tantas associações lusas, que frequentemente acontece organizarem festas no mesmo dia, disputando as salas disponíveis e concorrendo ao mesmo público, em vez de coordenarem esforços e organizarem dois ou três eventos de maior destaque. “Eu vou a muitas dessas festas, até porque nesses momentos sinto-me um pouco como se estivesse em Portugal, mas estas divisões só servem a enfraquecer a comunidade portuguesa”, deplora. “Recebi recentemente um empresário do Porto que se deslocou aqui numa viagem de negócios. O homem queria conhecer uma casa portuguesa, perguntou onde se reúnem os portugueses em Genebra, e eu nem sabia onde havia de o levar. Há, mas afinal não há. Não temos um local que seja representativo da comunidade e é pena.”

A comunidade portuguesa, apesar de tão numerosa, está tão fragmentada que acaba por ter pouca relevância. As próprias autoridades suíças queixam-se por vezes que não têm entidades representativas da comunidade portuguesa com as quais possam discutir os problemas e as necessidades dos residentes de origem portuguesa. “Se a nossa comunidade fosse unida, teria muito maior influência sobre as decisões que nos afetam, seria tida em conta nas decisões políticas”, salienta. “Outras comunidades que estão aqui implantadas há muito menos tempo têm muito maior força política porque se batem juntos, marcam presença. Os portugueses estão em todos os sectores e nas profissões mais diversas, não há razão para nos mantermos à margem.”

Aponta o exemplo da comunidade albanesa: “Os albaneses têm uma hora de língua albanesa na escola, reduziram o número de horas de música ou ginástica, para que as crianças possam voltar para casa às cinco da tarde como os colegas. Os nossos miúdos têm de se deslocar, depois do fim das aulas, já cansados, para a escola que foi atribuída em Onex para o ensino do português, onde ficam mais hora e meia. Quando chegam a casa ainda têm de jantar, só se deitam perto das 23. Os albaneses estão cá há menos tempo, mas estão metidos em tudo, basta compararmos quantos conselheiros portugueses e albaneses tem a cidade de Genebra.”

Confessa que tem vontade de se meter na política, mas que lhe falta tempo. “Gostaria de dar esse passo, mas acho que ainda não chegou a hora para isso. A minha empresa vai fazer 12 anos, está a correr bem, assim como os restantes dois ou três negócios, ocupo-me também da formação profissional para os aprendizes, faço algum trabalho para o Estado, como examinador nos testes da minha profissão, sou comissário de ensino para os aprendizes todos das empresas da área da proteção solar. Tudo isto consome muito tempo.”

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