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Kosovo: o que vem depois da festa da independência?

Hasan Mehani, de Friburgo (à direita, com a bandeira da Suíça), viajou à Pristina para as comemorações. swissinfo.ch

As reações internacionais à declaração de independência do Kosovo são divergentes. Tanto a União Européia quanto a ONU ainda discutem como lidar com o novo Estado. E a Sérvia protesta.

A imprensa suíça analisa com otimismo contido a independência da província sérvia, manifestando preocupação quanto ao futuro do Kosovo.

O fim da autonomia do Kosovo por decisão da Sérvia, em 1989, marcou o início da derrocada da Iugoslávia. Com a declaração unilateral da independência do Kosovo, no domingo (17/02), terminou o processo de formação de novos Estados no oeste dos Bálcãs.

Todas as repúblicas da ex-Iugoslávia – Eslovênia, Croácia, Bósnia Herzegowina, Montenegro, Sérvia e Macedônia – hoje são Estados soberanos reconhecidos pelo Ocidente. A declaração de independência do Kosovo, que pela primeira vez altera as fronteiras nos Bálcãs depois do fim da Iugoslávia, divide a comunidade internacional e é vista com reservas pela imprensa suíça.

Segundo o Neue Zürcher Zeitung (NZZ), de Zurique, pode-se discutir infinitamente se o direito à autodeterminação dos albaneses do Kosovo pesa mais do que a integridade territorial da Sérvia, se a separação transgride o Direito Internacional, se é um precedente perigoso e se piora ainda mais as relações entre a Rússia e o Ocidente. Mas uma solução consensual era impossível.

Protetorado europeu

“A proclamação da independência não muda tudo no Kosovo. A província de fato já era um Estado próprio, Belgrado não tinha mais influência na região. Por outro lado, o norte povoado majoritariamente por sérvios de fato era parte da Sérvia, e isso não mudará”, escreve o diário.

O NZZ acrescenta: “O Kosovo deixa de ser protetorado da ONU para se transformar protetorado da União Européia (UE). O campo de ação dos políticos albaneses-kosovares permanecerá limitado. Kosovo continua não sendo verdadeiramente soberano.”

No mesmo tom, o Basler Zeitung (Baz), da Basiléia, fala de um “novo Estado com hipotecas”, fundado em base jurídica instável.

“Pristina agora é independente da Sérvia, mas divide sua soberania com a missão da EU. O Kosovo permanece um protetorado. Somente uma reconciliação entre Belgrado e Prístina pode garantir validade total a esse Estado”, conclui o BaZ.

Na mesma direção vai a análise do Der Bund, editado em Berna. A UE, como potência protetora, só pode esperar que a Sérvia um dia aceite a realidade e se dedique à questão crucial para seu futuro – “se quer pertencer à Europa ou submeter-se ao fetiche da Rússia”.

“Prova de fogo no Kosovo”, é a manchete do Tages-Anzeiger, de Zurique. “O nascimento de um novo Estado é problemático. Por vários motivos teria sido mais razoável se a separação pudesse ter sido evitada. Mas não houve alternativa realista. Agora a UE precisa passar por sua prova de fogo em termos de política externa.”

ONU e UE divididas, Suíça na espera

Divergentes são também as reações da comunidade internacional à independência do Kosovo. Os quatro maiores países da União Européia – Alemanha, Reino Unido, França e Itália – anunciaram que reconhecerão a independência, seguindo tendência sinalizada também pelos EUA e o Japão.

Na UE, a Espanha, a Grécia e o Chipre ainda são contra e vêem a independência sem o aval da ONU como precedente perigoso para movimentos separatistas em seus próprios países. A Rússia e a China relutam, a Sérvia obviamente é contra. O Afeganistão foi o primeiro país a reconhecer o Kosovo como país independente.

Também o Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas está dividido. A maioria de seus membros é favorável à independência do Kosovo, cuja anulação foi pedida sem sucesso pelos governos da Rússia e da Sérvia.

O governo suíço vai analisar ao longo desta semana se reconhece ou não o Kosovo como Estado. Dessa decisão depende a formalização de relações diplomáticas com a província sérvia, informou o ministério das Relações Exteriores.

Festa em Pristina

Apesar do frio, dezenas de milhares de pessoas festejaram a independência até a manhã desta segunda-feira (18/02) nas ruas enfeitadas da capital do Kosovo, Pristina. O ponto alto da festa foi um show de fogos de artifício.

Lukas Beglinger, chefe da missão de contato da Suíça em Pristina, mostrou-se impressionado com a “grande a alegria e euforia. Não houve qualquer agressividade, tudo transcorreu positivamente”.

Para a Suíça, “a decisão sobre o reconhecimento da independência agora é atribuição do Conselho Federal (Executivo), após consultas às comissões de política externa do Parlamento”, disse Beglinger à swissinfo.

Peter Huber, vice-comandante do batalhão de infantaria da Swisscoy no Kosovo, parte do princípio de que a situação continuará pacífica nos próximos dias. “As festividades provavelmente continuarão por mais dois, três dias; depois tudo voltará à rotina”, afirmou.

Protestos na Sérvia

Em Belgrado, capital da Sérvia, houve protestos violentos contra a independência do Kosovo na noite de domingo (17/02). Segundo informações dos hospitais, houve 65 feridos, a metade policiais e jornalistas.

Pancadarias com danos materiais e várias prisões ocorreram também na cidade de Novi Sad. Mitrovica, principal reduto dos sérvios no norte do Kosovo, foi abalada por uma explosão ocorrida próxima a um tribunal da ONU, onde também se instalará a missão da UE. Segundo a polícia, não houve feridos.

A declaração de independência do Kosovo foi acompanhada por uma missão policial e judicial da UE, com 2 mil integrantes, que deve substituir a unidade administrativa da ONU após um período de transição de 120 dias.

swissinfo

Entre 170 mil e 190 mil expatriados do Kosovo vivem na Suíça, ou seja, praticamente 10% da população da província sérvia. É a maior comunidade de expatriados depois da Alemanha.

A Suíça participa desde 1999 da Força Internacional de Paz para o Kosovo (KFOR), sob comando da OTAN. Cerca de 200 soldados suíços da Swisscoy estão atualmente no Kosovo.

A Suíça está entre os principais países doadores ao Kosovo. A Direção de Desenvolvimento e Cooperação (DDC) e a Secretaria Federal de Economia (SECO) investirão 13,9 milhões de francos em projetos no Kosovo em 2008.

Depois da Segunda Guerra Mundial, a província do Kosovo teve um estatuto de autonomia. Esse estatuto é inscrito em 1974 na Constituição da Federação Iugoslava.

Em 1989, o presidente sérvio Slobodan Milosevic anula o estatuto de autonomia do Kosovo e manda o exército para conter os protestos.

Em 1998, dezenas de milhares de moradores do Kosovo abandonam suas casas depois da ofensiva do exército sérvio contra o Exército de Libertação do Kosovo
(UCK).

Em 1999, a OTAN inicia bombardeiros aéreos contra a Sérvia para encerrar o conflito entre as forças sérvias e os separatistas do UCK.

Depois de dois meses de bombardeios, 50 mil soldados da OTAN são enviados ao Kosovo. A província foi colocada sob administração das Nações Unidas.

Em 2007, o líder separatista Hashim Thaci vence as eleições parlamentares e anuncia que a independência do Kosovo seria brevemente proclamada.

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